Estrada de Canindé

são francisco de canindé

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Ai, ai, que bom!

Que bom, que bom que é!

Uma estrada e uma caboca

Cum a gente andando a pé.

Ai, ai, que bom!

Que bom, que bom que é!

Uma estrada e a lua branca

No sertão de Canindé.

(Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, 1950)

Recentemente, viajei, buscando refazer o caminho que minha mãe trilhou com um grupo de romeiros (sete ao todo), a pé, de Macau-RN até Canindé, no Ceará, em 1949. Ela contava com apenas 14 anos. Vejam só: para pagar uma promessa feita por minha avó materna para que a filha não ficasse sem andar, minha mãe teve de caminhar cerca de 392 quilômetros da Costa Branca macauense até o município cearense!

Desta vez, a paga da promessa era minha. Fomos, desta feita, de carro. Entretanto, o ponto de partida foi Natal. Viajamos eu, o motorista – que se chamava Francisco – minha mãe, minha esposa e uma de minhas irmãs. Mamãe conta agora com 86 anos.

Conhecido por sua Basílica de São Francisco das Chagas, o município cearense abriga a maior peregrinação em honra ao santo fora da Itália. A cidade do semiárido recepciona milhares de pessoas todos os anos. Muitas delas ainda vão a pé, em verdadeira romaria para louvar e pagar promessas a São Francisco das Chagas ou, para os íntimos romeiros, São Francisco de Canindé.

Mamãe sempre falou da viagem, do corpo estropiado, carregando os mantimentos: poucas roupas, cabaças para água, algumas frutas; mas fala também dos lugares, de ter comido muita galinha caipira e guiné, de momentos divertidos, apesar da exaustão, da hospitalidade dos sertanejos, dos banhos, dos pernoites em redes nos alpendres das casas, das paisagens!

Vai moiando os pés no riacho

Que água fresca, nosso Senhor

Vai oiando coisa a grané

Coisas qui, pramode vê

O cristão tem que andar a pé.

Deve ser verdade mesmo. A beleza da paisagem sertaneja até o santuário em Canindé só deve ser desfrutada por completo, pelos romeiros que detêm poucas posses, mas que são ricos de fé, justamente por fazerem a peregrinação caminhando.

Segundo mamãe, a grande aflição da empreitada foi quando o grupo teve de passar no “apertar da hora”. O mar avançava e quase encurralava os romeiros entre as falésias. De alto de uma encosta, apareceu um grupo de pastores de cabras. Essas pessoas arremessaram cajados para que mamãe e os outros romeiros se apoiassem na subida. Conseguiram. “São Francisco de Canindé” parecia estar acompanhando a viagem.

Fui pesquisar. O “apertado da hora” localiza-se no município cearense de Icapuí, que faz fronteira com Tibau, no nosso estado. É um trecho do percurso entre as praias de Ponta Grossa e Redonda, onde o mar só permite uma janela de meia hora para passagem!

Vencido o “apertado da hora”, os membros do grupo continuaram obstinados, alimentados pela fé em busca do objetivo. Já tinham passado por Mossoró e Areia Branca. Adentraram o sertão, seguindo para Russas-CE, Baturité-CE e outros povoados.

A chegada até a Basílica é a apoteose do romeiro!

Cheguei até a igreja com minha mãe, amparada, mas andando, após 73 anos de sua chegada a pé.

Foi um misto de alegria e vontade de chorar. Perto do altar, ergui a cabeça e contemplei os belos afrescos da cúpula e as inscrições em Latim. Fotografei uma parte, onde se lia: “adorabo ad templvm sanctvm Tvvm”: eu te adorarei no Teu santo templo”. Agradeci termos chegado até ali e um respeito enorme a São Francisco tomou conta de mim, pois parece que ele é um homem bom, sertanejo, santo que nasceu aqui mesmo, no Nordeste, no Sertão de Canindé!

Sandro de Sousa

Sandro de Sousa

Filho de Macau-RN, residente em Natal desde os 5 anos de idade. Licenciado em Letras Português-Inglês (UFRN), Doutor em Letras (UFPB) e advogado.

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3 Comments

  • Delfin

    Que história linda!

  • Dyego Carlos

    Excepcional história de devoção e fé de mãe, filha e neto, este não pagou a promessa da mesma forma que sua genitora aos 14 anos, mas vivenciou e a descreveu de forma a nos fazer vivenciar aquele voto, registrou para o mundo a aventura causticante de sua família.

    Li tudo e fiquei entusiasmado com essa história.

    Obrigado!

  • Ana Duarte Nuss

    Lindos, Sandro! O gesto, o depoimento, a história, o amor e carinho!!! É muito mais! A emoção certamente foi imensa! E o sentimento de gratidão?! Ave Maria! Bom demais ler coisas boas assim! Deus os abençoe…a Sagrada Família os guarde e São Francisco de Canindé também! Que assim seja! Amém!!!

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