Peguei o táxi na Ribeira e falei para o motorista me deixar no Midway. No caminho, enfrentamos um enorme congestionamento. Como estava tudo parado, o taxista se pôs a conversar. O homem devia ter perto de sessenta anos e súbito tirou do bolso seu celular para me mostrar o vídeo de um caso cabeludo que aconteceu nos Estados Unidos.
Nas primeiras cenas do vídeo, vemos uma luxuosa BMW em alta velocidade numa rodovia de fluxo intenso. Corta para o policial que inicia a perseguição ao infrator. Após um racha entre os dois, o militar consegue deter a BMW. Ele desce da viatura e quando se aproxima para fazer o procedimento da multa, o vidro da janela do motorista é abaixado e em close vemos uma mão entregando para o guarda os documentos e 8 verdinhas de 100 dólares.
Para nossa surpresa, colou. O sargento enfiou o dinheiro no bolso, devia ser da mesma quadrilha do pessoal de Brasília e da fina nata dos políticos daqui da terrinha. Sei que ato contínuo, a BMW voltou a barbarizar na rodovia.
Minutos depois, o policial corrupto recebe ordens para ir atender uma urgência. O plano aéreo mostra a rodovia completamente paralisada. Vemos uma fileira de carros, uma barreira de policiais, ambulâncias, manchas de sangue, médicos, enfermeiros e uma mulher caída no asfalto. Querendo impressionar as pessoas, o mau policial fingindo-se condoído corre em direção do corpo da vítima. Mas nesse instante o destino o atingiu em cheio: explodiu a tragédia. O grito de dor atravessa as nuvens e se choca com a face oculta da lua. A mulher atropelada era sua esposa. E a poucos metros da morta, apoiado por outros policiais, vemos o motorista da BMW totalmente bêbado, sem conseguir dizer seu nome, sem conseguir ficar de pé. Então em profundo desespero, o policial urra para o vazio. Sua agonia é a própria dor líquida, bruta, irreversível.
O vídeo impactou o taxista. Não adiantou nada falar que era um ator que fazia o papel do policial, que a moça não estava morta e que se tratava de uma obra de ficção. Quase em lágrimas, o taxista repetia mecanicamente: “Causou a morte da própria mulher, que desgraça! Que Deus perdoe esse pecador”!
Fiquei pensando: isso é que é vontade de sofrer. Enfim, os dramalhões costumam fazer sucesso, certamente, por alguma razão. Mas, sei lá porque, senti pena do taxista e de mim mesmo. Pena de viver num lugar e num tempo onde centenas de milhões de pessoas acreditam piamente que a realidade está impressa nas quatro paredes do seu celular.