ENTREVISTA – Mar Becker: “Filosofia e poesia comungam mesma paixão pela palavra”

Mar-Becker

PIX: 007.486.114-01

Colabore com o jornalismo independente

Nesta série de quatro entrevistas, o escritor Theo G. Alves conversa com personalidades envolvidas com o universo literário em diversos papeis para trazer, além de pessoas interessantes, a palavra de quem está intimamente ligado ao mundo dos livros e da palavra.

A cada semana um nove nome trará suas impressões a respeito da literatura brasileira, sejam escritores, poetas, professores ou editores.

A segunda convidada é a poeta Mar Becker, autora do belíssimo “A Mulher Submersa”, livro premiado e que esteve entre os finalistas do importante Prêmio Jabuti.

Quem é Mar Becker:

Mar Becker nasceu em Passo Fundo (RS) e atualmente mora em São Paulo (SP). Publicou “A Mulher Submersa”, seu primeiro livro (poesia), em maio de 2020, pela Editora Urutau (duas edições, uma no Brasil e outra em Portugal).

Em 2021, “A mulher submersa” recebeu o Prêmio Minuano, concedido pelo estado do Rio Grande do Sul, e foi finalista (segunda fase) do Prêmio Jabuti. Mar é um dos mais celebrados jovens talentos da poesia brasileira.

ENTREVISTA – MAR BECKER

Theo G. Alves: Mar, como teve início sua relação com a palavra e em que momento você se deu conta de que a literatura transcendia em você o seu papel como leitora?

Mar Becker: Comecei a me interessar por literatura na escola mesmo, por conta própria. Tinha uns 13 ou 14 anos, e nesse período conheci Augusto dos Anjos, Cruz e Sousa, Clarice Lispector… Depois passei a frequentar a biblioteca municipal, e me lembro de uma pequena estante para autores estrangeiros, do que conheci Virginia Woolf, Sylvia Plath, Thomas Mann, Dostoiévski, entre outros.

Não havia ordem nem roteiro prévio; líamos tudo meio misturado – digo, eu e a minha irmã, que me acompanhava nisso.

O desejo de escrever veio por aí, como extensão da leitura. Começou como algo esporádico, e mais tarde veio a ideia de abrir um blog e levar esse exercício de forma regular.

TGA: E, para além das primeiras, quais foram suas leituras mais significativas e como elas ocuparam espaço na sua vida?

MB: Os primeiros poemas que me impactaram, conheci-os num livro didático, na sala de aula de uma escola pública. Foram dois: o “Eu, filho do carbono e do amoníaco (…)”, do Augusto dos Anjos, e o “Tu és o louco da imortal loucura”, do Cruz e Sousa. Essa etapa inicial de leitura foi muito marcada pelo encontro com os clássicos da literatura, e isso nem por escolha minha; era o que havia disponível para retirar na biblioteca.

Em romance, encontrei “A montanha mágica”, do Mann, e fiquei deslumbrada. “Perto do coração selvagem”, da Clarice Lispector, e “Crime e castigo”, do Dostoiévski, foram igualmente importantes.

Aos 22, 23 anos, li com muita entrega a poesia de Sylvia Plath; vieram Sharon Olds e Anne Sexton por essa mesma via. Allen Ginsberg, Kerouac… Teve ainda Herberto Helder, e ele foi uma virada. A partir daí se abriu um mundo, vieram Eugénio de Andrade, Fiama Hasse Pais Brandão, Maria Gabriela Llansol, Luís Miguel Nava, Sophia de Mello Breyner Andresen, Daniel Faria… Helder foi a porta de entrada pra esse encontro duradouro com a poesia feita em Portugal.

Também tive muita sorte de pela internet ter topado com o site “O Poema”, de Vasco Cavalcante. É uma seleção impecável a que ele fez, e me orientou no sentido de descobrir poetas que até hoje tenho de cabeceira. (Obrigada, Vasco!).

TGA: Você tem rituais para a escrita, Mar? Como esse processo acontece no seu dia a dia?

MB: Não sei se são rituais de escrita, acho que ficam mais na periferia do escrever. Manter uma atitude de vigília em relação aos acontecimentos da casa, por exemplo – isso é algo bem meu, e a ideia é tatear nas próprias cenas domésticas um lugar de desdobramento do texto. Aqui me interessam especialmente as miudezas, as ocorrências pequenas dos cômodos, dos corredores; acho que elas dão guarida a um projeto de inacabamento da casa, e esse inacabado se atualiza como estranheza, como não-captura. Os moradores sabem sem saber.

(Numa casa se mora às cegas, sempre.)

Que mais? De uma perspectiva prática, minha atitude é a de tomar nota. Deixo uma aba aberta no notebook e, se vem alguma imagem, algum fragmento de texto, mesmo mínimo, alguma palavra, registro.

Escrevo, reescrevo; de um material se deriva outro, da lepra ou do amor de um texto se ergue outro, e assim por diante. A mim parece um processo em contínuo.

TGA: Você tem uma relação muito próxima com a filosofia, que faz parte diretamente de sua vida acadêmica. Como essa ligação com os textos filosóficos se aproxima da sua literatura?

MB: A filosofia está presente tanto na abordagem temática de um e outro caderno quanto em forma.

O “Caderno das miragens”, por exemplo, toca na questão “passagem do tempo – eternidade”. A seção “Breve ontologia doméstica” brinca com a ideia de uma metafísica dos utensílios do lar (e da dona de casa), descambando num anúncio de insurgência (contra o quê? Não se nomeia). Poderia mencionar outras passagens, mas me alongaria demais…

Quanto à forma, talvez a busca de rigor de linguagem; claro, é uma busca que se quer ao fio de uma febre de imaginação e sensibilidade. De qualquer modo, me parece que, independentemente do caminho que se faça, poesia é sempre trabalho com linguagem, minúcia nesse sentido. A filosofia comunga dessa mesma paixão pela palavra.

TGA: Mar, a perspectiva feminina confere uma densidade essencial em seu livro A Mulher Submersa, o que já foi muito comentado por leitores e críticos. Então, quem são essas mulheres submersas de que seu livro trata e como elas emergiram até ele?

MB: Realmente, é um livro que se debruça sobre “isto” da mulher. Quando falo “isto”, quero me referir a algo de incapturável, que solapa a palavra – por isso digo que é um texto mais escrito na “mulher-em-recusa de”, contorcida, sombrejada; talvez haja um texto no texto, que deveria ser lido numa fiança das coisas que só se perfila à contraluz.

Na dedicatória, descobre-se que “A mulher submersa”, eu a entrego a princípio à irmã, à mãe e à avó, “as três mulheres onde submergi”. Mas elas se camuflam e surgem e se escondem em outros rostos; ou são outras que afinal sobem às faces delas e me olham, por espaços familiares como a casa, de que falei há pouco, e o bairro.

São mulheres em particular e anônimas; são também mulheres-nenhuma, que repelem traços de feição e não se permitem desenhar. Repõem o degredo a todo tempo.

TGA: Quanto aos dias de hoje, que livros e autores mais têm ocupado espaço em suas estantes e leituras?

MB: Perto de mim, autores que considero excelentes e não tive oportunidade de mencionar em outras entrevistas: Isadora Krieger, Léo Tavares, Thomaz Albornoz Neves, Lubi Prates, Natália Agra, Pâmela Filipini.

Alguns dos poucos que vão longe de mim, mas que estão ainda assim absolutamente perto e que tenho lido neste começo de ano: Alejanda Pizarnik, Antonio Gamoneda, Luís Miguel Nava, Clarice Lispector (tenho andado pelos contos), Miriam Reyes, Hilda Hilst.

Passaria o dia elencando nomes, Theo. Difícil.

TGA: E para terminarmos, talvez a mais cruel das perguntas: o que faz você continuar escrevendo?

MB: Não sei te dizer.

Theo Alves

Theo Alves

Theo G. Alves nasceu em dezembro de 1980, em Natal, mas cresceu em Currais Novos e é radicado em Santa Cruz, cidades do interior potiguar. Escritor e fotógrafo, publicou os livros artesanais Loa de Pedra (poesia) e A Casa Miúda (contos), além de ter participado das coletâneas Tamborete (poesia) e Triacanto: Trilogia da Dor e Outras Mazelas. Em 2009 lançou seu Pequeno Manual Prático de Coisas Inúteis (poesia e contos); em 2015, A Máquina de Avessar os Dias (poesia), ambos pela Editora Flor do Sal. Em 2018, através da Editora Moinhos, publicou Doce Azedo Amaro (poesia).

Como fotógrafo, dedica-se em especial à fotografia documental e de rua, tendo participado de exposições que discutiam relações de trabalho e a vida em comunidades das regiões Trairi e Seridó. Também ministra aulas de fotografia digital com aparelhos celulares em projetos de extensão do IFRN, onde é servidor.

WhatsApp
Telegram
Facebook
Twitter
LinkedIn

1 Comment

  • Ivo

    Mar Becker: A Máscara da Emoção e o Vazio Poético
    Um ensaio crítico sobre a superficialidade da sensibilidade fabricada
    Introdução: Quando a Poesia é uma Cápsula Emotiva de Vazio
    Mar Becker conquistou leitores com versos curtos, imagens suaves e uma aparente vulnerabilidade que parece falar de dor, amor, perda e feminilidade. Mas ao analisarmos cuidadosamente a sua poesia, descobrimos uma escrita mecânica, um modelo previsível e um tipo de linguagem que se repete sem dizer nada de novo. Este ensaio é uma tentativa de desmascarar essa poesia embalada para consumo emocional, e demonstrar como a obra de Becker representa, não uma contribuição à arte poética, mas sim uma forma de engano estético, emocional e intelectual.
    1. A Estrutura da Superfície: Desmontando a Fórmula Becker
    A maioria dos poemas de Mar Becker segue uma estrutura formulaica que pode ser descrita assim:
    * Três a cinco versos curtos, com uma imagem sensível e fragmentada;
    * Recurso sistemático a palavras como “silêncio”, “ferida”, “mar”, “sal”, “ausência”, “grito”, “vento”;
    * Tônicas femininas brandas que evitam qualquer perturbação séria;
    * Verbos no presente do indicativo, geralmente intransitivos e introspectivos;
    * Frases com aparente profundidade mas que não comunicam ideia concreta ou transformação poética real.
    Exemplo 1:
    “o amor fez frágeis demais minhas
    palavras
    e eu agora temo feri-las de morte sussurrando-as”
    Este poema ilustra bem o artifício. Há aqui uma emoção genérica empacotada como poesia. A imagem das palavras que morrem com o sussurro é esteticamente delicada, mas logicamente absurda. Falta-lhe densidade ontológica. Estamos perante um efeito, não uma construção poética.
    2. O Vício das Imagens Clichê
    Becker é obcecada pelo mar e pelo sal. Mas fá-lo de forma repetitiva e sem elaboração simbólica.
    Exemplo 2:
    “sou mar de sal, sou mar que sangra / e o vento leva embora o meu grito”
    Aqui, repete-se um conjunto de signos que já foram poeticamente saturados. Não há aqui a reinvenção do mar como em Sophia de Mello Breyner:
    “Mar salgado, quanto do teu sal
    São lágrimas de Portugal!”
    Em Sophia, o mar é coletivo, histórico, arquetípico. Em Becker, o mar é apenas um espelho de lamento. Tornou-se acessório emocional.
    3. A Ausência de Pessoa: A Poeta que se Dissolve no Estilo
    Apesar de falar de si, Becker nunca está realmente presente. Há uma ausência de identidade, de corpo, de conflito real. A sua voz é genérica, como um avatar melancólico automatizado.
    Compare-se com Alejandra Pizarnik:
    Exemplo 3 (Pizarnik):
    “A ausência é um fruto,
    que amadurece às avessas.”
    Aqui, a ausência ganha textura. Em Becker, ausência é apenas ausência — sem elaboração, sem deslocamento.
    4. Noite Devorada: Um Livro de Ecos Preguiçosos
    Noite Devorada é uma amálgama de frases feitas, imagens recicladas e ritmo previsível. Lê-se como um diário filtrado por sentimentalismo.
    * Imagens genéricas: “corpo que some”, “vento que cala”, “voz que não volta”;
    * Construções automáticas que seguem a mesma lógica emocional;
    * Uso recorrente de versos como:
    “sou a noite dentro da noite”
    “tenho uma sede que não tem nome”
    “o silêncio me beija e depois foge”
    Estas frases não criam sentidos — criam sugestões. São aproximações à poesia. São caricaturas do que poderia ser poético.
    5. Linguagem como Disfarce: A Ilusão da Sensibilidade
    A escrita de Becker é uma ilusão de profundidade. Serve como espelho emocional para leitores que desejam sentir algo, sem realmente pensar ou transformar-se.
    Exemplo 4:
    “meu corpo é um sussurro
    que não se ouve”
    Estas imagens existem para parecerem frágeis e belas. Mas a linguagem não opera, não tensiona, não fere. É um jogo de palavras esteticamente diluído.
    6. Repetição Sem Risco: A Estagnação Poética
    A repetição de temas, estruturas e palavras indica não coerência estilística, mas estagnação. Não há evolução formal. Todos os poemas parecem variações do mesmo.
    * Tema: amor ausente, corpo frágil, silêncio interno;
    * Estrutura: três ou quatro versos quebrados;
    * Tensão: nula;
    * Ruptura: nenhuma.
    7. Psicologia da Superfície: A Emoção Pré-Fabricada
    A escrita de Becker produz um efeito placebo. O leitor sente-se comovido porque é convidado a preencher lacunas genéricas com as próprias emoções. Mas a poeta não entrega nenhuma interioridade real.
    8. Sociologia do Like: A Poesia Como Produto Instagramável
    O fenómeno Becker nasce da cultura de consumo rápido de emoções. O seu estilo adapta-se perfeitamente às redes sociais. Mas a poesia enquanto arte é outra coisa: é linguagem que se interroga, que se reinventa, que desafia o tempo.
    Becker é a poeta da era do scroll. Mas o scroll não pensa — reage.
    9. A Filosofia do Vazio: O Que Falta em Becker
    Arthur Schopenhauer escreveu: “É melhor não escrever nada do que escrever sem ter algo a dizer.” A escrita de Becker padece exatamente deste mal.
    Falta-lhe:
    * Experiência estética autêntica;
    * Linguagem em combustão;
    * Corpo poético que arrisque;
    * Imaginação estrutural.
    Tudo nela é segurança, disfarçada de fragilidade. Estilo, sem essência.
    10. Conclusão: O Perigo Estético de Mar Becker
    Mar Becker representa um fenómeno perigoso para a arte poética: o elogio da forma vazia, da emoção genérica, do lirismo prêt-à-porter. A sua poesia parece delicada, mas é feita de lugares-comuns e frases testadas.
    Não há criação de mundo. Não há linguagem em combustão. Não há invenção. Há, sim, um jogo estético que se esconde sob o véu de uma dor decorativa.
    A sua poesia é uma fraude emocional bem embalada. Um verniz de sensibilidade para consumo rápido.
    E como escreveu Herberto Helder:
    “A poesia deve ferir como uma faca invisível, e não como uma mão perfumada.”
    Becker oferece a mão perfumada. Mas a poesia verdadeira não pede perfume — pede vertigem.
    Apêndice: Definições de Poesia que Mar Becker Ignora
    Paul Valéry: “A poesia é a hesitação entre som e sentido.” Em Becker, não há hesitação: há acomodação.
    Octavio Paz: “A poesia revela este mundo, cria outro.” Em Becker, só há eco do já dito.
    Wallace Stevens: “A poesia é a suprema ficção.” Em Becker, é apenas afeto embalado.
    Post-Scriptum: Mar Becker não é uma má pessoa. Mas é um exemplo acabado do que acontece quando a estética se sobrepõe à arte, e o afeto automatizado toma o lugar da voz.
    Becker não escreve poemas. Produz artefatos emocionais.
    E isso, no mundo da poesia, é trágico.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais lidas da semana

Sergio Vilar
Visão geral da privacidade

Este site usa cookies para que possamos fornecer a melhor experiência de usuário possível. As informações de cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.