Romildo Soares nasceu em Alexandria para aprontar das suas em Natal. Artista underground, compositor dos melhores dessa terra escrota, cuja base terrestre é feita de duna, onde tudo afunda.
Poeta, compositor e porraloca. É meio o retrato do artista potiguar: talentoso, polêmico e abandonado. Conhecido só no meio. Respeitado entre outros artistas que reconheciam a poesia nas suas letras.
Aos 61 anos, foi encontrado morto, ontem (25), por volta das 21h, sentado em frente à loja C&A, no Centro Histórico de Natal, berço e cova do legado de Romildo. Segurava um pote de cuscuz.
Seu corpo será velado na Pinacoteca, a partir das 13h. O sepultamento está agendado para o fim da tarde, no Cemitério do Alecrim.
Quando iniciei minha trajetória no jornalismo cultural, o nome Romildo era o mais lembrado. Entrevistava artistas que sempre o citavam como parceiros em composições. Até que o encontrei em uma mesa de bar no Bar de Nazaré, em 2004. Ele me presenteou com um CD com suas músicas interpretadas por outros compositores. Tinha uma na voz de Diana Cravo que era linda, não lembro o nome.
Pouco tempo depois vi um show seu, no Bardallos Comida e Arte. E resenhei toda a atmosfera do lugar, da apresentação e das canções em uma coluna nova que passei a preencher no saudoso Diário de Natal. Ele leu, gostou e me comentou algo como “nem tudo aquilo era verdade”. Sempre foi contestador.
Era um cara querido. Recebeu todo tipo de ajuda, de todo tipo de gente. Mas havia confusões e vícios em sua mente. As ruas pareciam chamá-lo e sugá-lo. E por ali viveu, sofreu e morreu.
Uns 10 anos atrás me convidou como curador de um festival que idealizou. Chamava-se Mostra de Música Sete e Meia. A ideia era ótima e não poderia recusar, mesmo sem qualquer ganho. Era uma quase paródia ao Seis e Meia. Romildo queria mostrar que uma iniciativa só com artistas potiguares daria certo. O projeto realizou algumas poucas edições, no pátio da Pinacoteca. Lembro ter assistido a Família Pádua, Mirabô e Sami Tarik, sempre com público razoável.
Romildo foi dos principais nomes da música local na segunda década deste século, sem dúvida. São muitas as canções gravadas por artistas como Khrystal, Valéria Oliveira e Geraldo Carvalho. A composição “www.sem”, gravada por Khrystal, também foi incluída em álbum da cantora Simone.
A foto que ilustra este post, de autoria de Maurízio Lazzara, foi a última tirada com Romildo, ele em frente ao músico Lupe Albano, no último domingo, no Porão das Artes, do produtor Nelsinho Rebouças. Segundo Nelson, ele já sentia o fim e pedia abraço a quem o via pela frente.
Fica o legado, fica a lição, fica a imagem de Romildo nos palcos e na rua. É preciso, sim, que se tenha à prateleira essas duas faces da mesma moeda, para que se lembre do talento e do abandono dos nossos artistas. A lembrar Carlos Bem!
2 Comments
Um texto sensível, tocante, profundo. O retrato de um artista pouco reconhecido em sua própria terra, como tem sido comum e terras de Poti, infelizmente. Um relato sensível e uma nota de reconhecimento ao legado de Romildo Soares, poeta e músico da melhor qualidade. Sou fã do seu trabalho, Sérgio Vilar. Abraços, querido.
Valeu, Andreia! Bigadinho.