Um canto de liberdade que permanece vivo: Negra Onawale, de Drika Duarte
Eu tenho um sonho.
O sonho de ver meus filhos julgados por sua personalidade,
não pela cor de sua pele.
Martin Luther King
por Chumbo Pinheiro
A comemoração, ou melhor, a celebração do dia da consciência negra é uma conquista dos movimentos e organizações afro-brasileiras que vai muito além do ato histórico e simbólico da assinatura da Lei Áurea e suas precedentes promulgadas pela monarquia vigente no Brasil, para atender aos interesses econômicos e as pressões dos ingleses, que no final do século XIX desejavam ampliar o seu mercado e impor o desenvolvimento ou o fortalecimento do capitalismo.
É uma comemoração que, põe em evidência a trajetória histórica dos negros, desde as dores sofridas nos porões dos navios, passa pelas torturas e fugas para as matas brasileiras de milhares de negras e negros, que ansiavam e lutavam pela liberdade. É a celebração da resistência, da vida e da esperança. É a luta contra o chicote, que fez o sangue escorrer pelas costas e abrir fendas, cujas cicatrizes não ficaram marcadas apenas na pele, porém, marcam até hoje as nossas memórias.
Surge, pois, desta pele e desta memória o canto, a poesia militante de Castro Alves, e com ele outros tantos poetas que ainda expõem com a força de suas paixões, de seu amor à humanidade a desgraça que foi infligida a uma grande parte desta mesma humanidade, pelo simples fato de ser negra.
A poesia traz um canto, um lamento, contudo, também, um grito de denúncia da escravidão, da desumanidade, cometida contra a população negra e branca pobre. Um grito contra o preconceito e a discriminação, que hoje são reminiscências e heranças que chicoteiam e açoitam pessoas negras ou que amam a cultura do povo.
A obra da poeta norte-rio-grandense, Drika Duarte, ‘Negra Onawale’ (2014), é um destes gritos que denuncia. “Hoje tudo é mais sutil/.É uma vaga de emprego perdida/ uma dívida social não resolvida/ camuflada e ridicularizada. Até que alguém extrapola/ tira de dentro e bota para fora/ o preconceito guardado/ e chama o negro de macaco/ ou manda voltar para senzala a atendente de caixa.”
‘Negra Onawale’ penetra na questão social e canta, sem perder o lirismo de seu livro anterior ’70 vezes 7′: “Quando o céu sorri para os desgraçados/ versejo lirismo/anuncio prados…”. Canta Aruanda solo sagrado, santas e santos no solo de Aruanda e convida-nos não sem antes lembrar que: “Quem não conhece o segredo/ A mironga do velho preto/ no jardim de Aruanda não entra não.”. Pois foi da luta e das dores que ainda hoje permanecem que se teve a “Liberdade conquistada/ mas para o negro não havia lugar… E ainda hoje se vê/ o preconceito estagnado…”.
Como frisa bem o pesquisador de literatura potiguar, Thiago Gonzaga, em prefácio ao livro, “A literatura brasileira, inclusive a potiguar, praticamente desconhece o negro como elemento determinante. Não é de admirar tão pouca importância dada ao tema ao longo dos anos; só nas últimas décadas tem surgido um maior interesse pelo estudo, pesquisa e divulgação da temática.
E, ainda afirma Gonzaga, “Contrapondo-se à falta de tradição, pelo menos em solo potiguar, a poeta Drika Duarte, apresenta uma obra, em que procura valorizar, resgatar valores, culturas e tradições afros. Desta forma, seu livro representa uma importante contribuição para divulgação e fortalecimento da cultura afro…”.
O trabalho poético de Drika Duarte vem através dos seus versos, colaborar com a luta pela quebra destes preconceitos, através de suas poesias e canções, tocando qualquer ser humano sensível à causa.
‘Negra Onawale’ é leitura obrigatória, que merece ser lida e relida, sempre.