Doente sem hype

PIX: 007.486.114-01

Colabore com o jornalismo independente

Depois de tanto tempo me escondendo com sucesso da Covid, finalmente fui pego. A sensação de ter Covid em meados de 2022 é algo como ver um filme da Marvel dois anos depois de sua estreia, já sem o hype,demodê.

Aquela sensação quase palpável de medo da morte que envolvia as pessoas adoecidas pelo corona vírus agora é, na maioria dos casos, uma sensação apenas de mal estar, de desconforto e uma certa preocupação que não extrapola o limite do bom senso.

Verdade que ter tomado as três doses de vacina a que tive direito ajuda a reduzir a sensação de horror, embora faça pensar no horror das milhares de vidas que deixaram de ser salvas por desleixo, crueldade e banditismo político.

O isolamento em que a médica me pôs é de sete dias, o que já parece bem menor do que se fazia no começo da pandemia. Os tais sintomas leves são leves apenas para quem não está doente: garganta inflamada, nariz obstruído, perda do olfato e paladar, irritabilidade, estômago e cabeça doendo o tempo todo, dores no corpo, febre moderada, calafrios, náuseas… se tudo isso é leve, acho que eu não sobreviveria aos sintomas pesados.

É curioso pensar que passei dois anos temendo e me escondendo dessa doença para, na última volta do relógio, encontrá-la na esquina, sem esperar, e tombar contra ela quase imperceptivelmente. É como um lutador que está vencendo seu combate por pontos, larga vantagem, e a sensação de proximidade da vitória faz com que baixe suas luvas e deixe uma brecha na guarda por onde receberá um cruzado de esquerda improvável que o levará a nocaute.

Baixei a guarda. Tinha a certeza de que conseguiria me esquivar. Mas a luva do adversário veio precisa na ponta do queixo e a lona é onde está o corpo inerte, de olhos vidrados, do lutador que sou.

Agora resta esperar: a contagem do juiz, que me ponham de pé, descansar, aceitar a próxima luta e estar pronto para ela. Sem baixar a guarda desta vez.

Por enquanto, sou um daqueles números na estatística da covid antes dos jogos de futebol. Fora de moda e para o qual ninguém dá mais a mínima importância.

Theo Alves

Theo Alves

Theo G. Alves nasceu em dezembro de 1980, em Natal, mas cresceu em Currais Novos e é radicado em Santa Cruz, cidades do interior potiguar. Escritor e fotógrafo, publicou os livros artesanais Loa de Pedra (poesia) e A Casa Miúda (contos), além de ter participado das coletâneas Tamborete (poesia) e Triacanto: Trilogia da Dor e Outras Mazelas. Em 2009 lançou seu Pequeno Manual Prático de Coisas Inúteis (poesia e contos); em 2015, A Máquina de Avessar os Dias (poesia), ambos pela Editora Flor do Sal. Em 2018, através da Editora Moinhos, publicou Doce Azedo Amaro (poesia).

Como fotógrafo, dedica-se em especial à fotografia documental e de rua, tendo participado de exposições que discutiam relações de trabalho e a vida em comunidades das regiões Trairi e Seridó. Também ministra aulas de fotografia digital com aparelhos celulares em projetos de extensão do IFRN, onde é servidor.

WhatsApp
Telegram
Facebook
Twitter
LinkedIn

3 Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais lidas da semana