Se ‘Cinema Paradiso’ é das metalinguagens mais sublimes do cinema, guardadas as devidas proporções, o documentário ‘Val’ é dos filmes mais profundos e poéticos sobre o amor à arte cênica.
O longa-metragem passeia pela trajetória de um dos atores mais populares de Hollywood, Val Kilmer, o homem por trás do Iceman, do Batman e de Jim Morrison do cultuado filme ‘The Doors’.
Desconhecia o momento atual de Kilmer, hoje com 61 anos, e as cenas iniciais chocam. O ator sofreu um câncer na garganta em 2017 e sua fala em tom robótico é possível apenas por uma aparelho de traqueostomia acoplado ao pescoço.
Uma imagem muito distante do ator galã, jovial e encenou personagens míticos da sétima arte. Mas ao longo do filme o telespectador cria uma empatia enorme pelo “personagem”.
Empatia pela luta do ator em se mostrar vivo, ativo e alegre apesar do pesar. Seja pintando quadros, se fantasiando de Batman ao lado do filho ou em caretas juvenis para as câmeras. Um retrato novo de quem não ignora a enfermidade nem a tristeza provocada por ela, mas segue a vida da maneira mais amena possível.
Por sorte Val Kilmer tem um arsenal de gravações caseiras, de encenações junto aos dois irmãos, como também de suas primeiras atuações ou mesmo momentos de lazer.
Mesmo durante a fama, a busca pelo perfeccionismo em cena, por papéis construtivos, já mostravam um ideal romântico pela arte. Mesmo com o estouro de bilheteria, rejeitou a sequência do Batman por se sentir travado com a roupa, como se fosse um boneco.
‘Val’ traz esses bastidores da vida pessoal e profissional de Kilmer. É um filme impactante, de alguma melancolia por vivenciar a situação de uma celebridade impossibilitada de manter sua paixão pela atuação, e de resgate da obra deste ator, até então esquecido.
É um doc sobre atuação. Sobre verdade e ilusão. Sobre troca de papéis: de quando se empresta do real ao personagem e da ficção à realidade. E nessas doações, o aprendizado mais aprofundado do eu, da vida.
Ora, já se disse muito: a vida é um filme. E Val Kilmer explorou ao extremo essas dimensões, essa linha tênue entre verdade é mentira. Sim, tênue porque muitas vezes há meias verdades. E quem é o dono da verdade absoluta? Não pode ser um ator, tão vestido de personagens e irrealidades.
E dessa confusão entre ser ou não ser, Val Kilmer construiu sua biografia e este filme. Uma ode ao amor pela arte de atuar, seja no palco, no set de filmagem ou na vida.