Do novo livro de poesia de Anchella Monte

Sobre voos e outros temas

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Por Wellington Medeiros

Sou passarinho de cidade de interior nesse vasto Brasil. Digo isso para, analogamente, poder ganhar leveza e alçar voo com esse novo trabalho de poesia de Anchella Monte: Sobre voos e outros temas – poesia reunida (Natal, 2024), primeira antologia da autora. Leveza e gramatura aqui se confundem na tentativa de perscrutar o papel em que poemas-pássaros teimam em pousar e, logo em seguida, bater asas e voar. Reunir a obra completa de Anchella demonstra que, ao longo dos volumes aqui acolhidos (obras compreendidas entre 2001 e 2024), a poeta pode constituir um material coeso, consolidado. Há, na autora, um projeto literário que agora, em conjunto, ganha reconhecimento. Menciono “volumes aqui acolhidos” pois nem todos os livros já publicados estão aqui presentes. Literatura infantil, livros publicados em parcerias e ainda um outro em que o experimentalismo dos haicais ganha forma são, não deixados de lado, mas postos num terreno para logo mais estarem visíveis aos nossos olhos (quem sabe em outra antologia?).

Revisitando o tema da memória subjetiva e da memória social, a obra de Anchella Monte ganha as terras e céus da poesia norte-rio-grandense, promovendo uma fixação na linha de escritoras potiguares que se debruçaram no fazer poético. Ao sobrevoar a paisagem (as paisagens) local revela, de cima, que as formas visualizadas são, também, universais. A poética de Anchella traz essa reflexão, conforme tive a oportunidade de averiguar em duas obras anteriores, que aqui se fazem presentes (Temas Roubados, 2006 e Entre Tempos, 2015). Nessa síntese, entre a terra potiguar e outras terras, temas como o tempo, a infância, família, amores, mudanças, poesia, arte e finitude perfazem o olhar (sobrevoo) dessa mulher-poeta-pássaro.

Acerca do fazer poético, tema recorrente em sua atividade criadora, seja em intertextos, seja na apropriação criativa, Anchella Monte busca definição em imagens tiradas lá da infância da poeta, ao constatar que “o que me levou à poesia não foi inicialmente a palavra, a musicalidade da leitura nem o encantamento das metáforas, foi primeiro o desenho que formava no papel” (Monte, 2024). O desenho, essa lógica da construção da imagem, pousa aqui na poesia dessa natalense de coração (Anchella nasce no Ceará) como metáfora didática do conjunto de imagens sugerido na obra.

Em letra de uma conhecida canção, a voz que se pronuncia se coloca enquanto sujeito que se põe a desenhar: “Numa folha qualquer, eu desenho um sol amarelo / E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo” (Toquinho, 1983). Desenhar, para ele, serve à finalidade do que pretende realizar, uma aquarela, técnica de pintura na qual os pigmentos de cores se encontram suspensos ou dissolvidos em água. Tênue e delicada (leve), a aquarela lembra, em sua transparência, uma imagem se desfigurando, distante, qual a efemeridade das coisas, da vida, sentido geral evocado pela canção.

Com essa metáfora, portanto, a do desenho como representação da vida e de sua fugacidade, estabelecemos uma possibilidade de leitura dos poemas de “Sobre voos e outros temas”. Afinal, para Anchella, a consciência da poesia e seus desenhos no papel, vindos lá dos tempos de criança, revelam a busca, a procura pela “palavra mágica para um poema, para um poema ser de fato poesia”. Nessa procura, agora cabe ao leitor se debruçar sobre palavras, desenhos e páginas de gramaturas leves, qual pássaro a se perder pelo céu. Nessa “Eterna procura” (Monte, 2024) encerro esta breve apresentação sobre a poesia de Anchella Monte com uma resposta de Marco Siscar (2024) sobre o que se requisita da poesia em geral: “uma coerência, uma atitude, uma função – sempre contrariadas ou decepcionadas pela voracidade da própria exigência que as solicita”.

Wellington Medeiros de Araújo é doutor em Ciência da Literatura (UFRJ); professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN); membro do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses (NCCEN).

Redação

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1 Comment

  • Rejane Monte

    Quanta sensibilidade e precisão em seu texto!
    Parabéns pela escrita linda, poética também quando fala de poesia.

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