Como toda crítica, o texto contém alguns spoilers. Nada demais para o que vem a ser, talvez, a melhor
das três temporadas da série Demolidor. Ou pelo menos a mais densa do ponto de vista psicológico e religioso, sem deixar as cenas de quebrapau de lado.
Por essência, o advogado Matt Murdock, o Demolidor, é mentalmente perturbado pelo abandono durante a infância e adolescência. Isso ficou claro nas duas temporadas iniciais, mas nesta última, com 13
capítulos disponíveis na Netlix desde sábado, ganhou intensidade.
Matt parece cansado e confuso sobre seu papel de justiceiro. A todo instante se martiriza sobre perdas de pessoas próximas e se isola com medo dos amigos Foggy e Karen também sofrerem o mesmo destino. Parece querer fugir da sua essência e, de fato, em nenhum episódio ele veste a farda do Demolidor.
Na tentativa de reencontrar seu eu, ele se refugia no orfanato onde viveu sua infância. Enquanto isso, o Rei do Crime, Wilson Fisk arquiteta seu plano dominante com ajuda de um galado especialista em foder os outros por tabela, que viria a ser o Mercenário e durante boa parte da temporada, ele comanda geral.
A aflição do espectador perdura bastante com esse crescimento vertiginoso do poder de Fisk. O Demolidor apanha mais que sovaco de aleijado nessa temporada. Talvez pela confusão mental que lhe perturba, talvez pela falta do traje que alivia as pancadas. Por vezes me lembrou Logan, o derradeiro filme de Wolverine. E não só pelo tom um pouco mais decadente do herói, mas pela dramatização da série. Um drama com heróis e não o inverso.
E os dramas, muitas vezes provocados pela linha tênue que separa o bem e o mal, afligem também outros personagens, como a agora “jornalista” Karen Page, o agente Ray ou o “falso Demolidor” e grande vilão da nova temporada, Dex. Alguns capítulos, inclusive, pouco se vê ação; alguns até com participação bem reduzida do protagonista, o que, penso, ser um dos poucos defeitos.
Embora o personagem Dex, interpretado por Wilson Bethel tenha sido construído como o grande antagonista desta temporada, é impressionante o impacto do Wilson Fisk de Vicent D’Onofrio. Não só pelo trabalho majestoso de interpretação, com todos aqueles trejeitos de um ser frio e calculista, mas pela identificação com cenários políticos atuais mundo afora, de compra de subornos a instituições de poder e de manipulação da mídia. Muito disso visto em séries baseadas em fatos, como Narcos.
E diante deste cenário, a quem recorrer, se a Justiça está comprada, se a polícia foi subornada e a mídia distorce os fatos? A um super-herói cheio de conflitos internos? Aos heróis da realidade, como uns poucos advogados, jornalistas e agentes de polícia idôneos? O que sei é que a Marvel se salvou mais uma vez com esta terceira temporada de Demolidor.