Dank na cerveja

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Salve, salve, lupulista!

Na coluna de hoje vamos falar de um tema que, apesar de não haver consenso, não há briga por ele. Na verdade, só há a verdadeira paz de Jah! Vamos falar de um aroma e de um sabor muito peculiar, algo que é bem difícil de falar sobre, algo quase que indescritível: vamos falar sobre o DANK!

O Dank é uma propriedade organoléptica encontrada nos lúpulos que vem chamando bastante atenção de uns tempos para cá, principalmente com a sua associação com a prima proibida dos lúpulos, ela mesma, a ganja. Nela, o perfil aromático do dank é bem mais expressivo e intenso, o que não quer dizer que não seja possível alcançá-lo também nas cervejas e tentar descrever essa impressão sensorial ímpar.

Suas características sensoriais são únicas, bem diferenciadas dos demais elementos encontrados em cervejas semelhantes, as quais acabam recaindo na fórmula cansada das “frutas cítricas” em combinação com “resinoso e pinho”. A abordagem que o dank é capaz de oferecer expande os horizontes e as mentes dos cervejeiros, em todos os sentidos mais transcendentes que essa frase possa alcançar, dado o seu teor semântico “canábico”, por assim dizer.

Dada a breve introdução, vamos tentar desvendar alguns dos pormenores desse perfil sensorial que vem fazendo a cabeça de muitos cervejeiros na atualidade.

Paz… e boa leitura a todos!

Encontrando o Dank

O dank é algo que não possui uma tradução direta, não existe um termo correlato em português que seja capaz de expressar exatamente o que ele representa em termos sensoriais propriamente ditos. Por causa dessa imprecisão, ou melhor, dessa impropriedade linguística na tradução do termo, prefere-se se utilizar o vocábulo em seu original, em inglês mesmo.

Por mais que não seja o ideal, dada as dificuldades em termos de expressividade no nosso idioma, parece ser a decisão mais acertada em termos de correlação etimológica. Apesar de não ter um significado estrito e muito específico, o dank também não possui uma amplitude lexical muito grande, como veremos mais adiante.

O mais próximo que se pode chegar de uma expressão em português seria “úmido”. Todavia, úmido não é nem um aroma propriamente dito, e tampouco um sabor. Ao se falar “úmido”, como um sinônimo mambembe de dank, estamos tentando nos referir à interação entre o orvalho que cai sobre as plantas e suas propriedades terpênicas, a humulona, o mirceno e o beta-pineno seriam os terpenos que mais aproximam o lúpulo da Sativa (saiba mais sobre terpenos clicando aqui), exaladas após serem molhadas.

Certamente que essa representação imagética não é mais clara ou útil, mas serve para dar os indícios básicos do que o dank é capaz de exalar e indicar em termos de sabor.

O dank é sutil, por vezes, é necessário que você “procure” por ele. Ele não é algo explosivo ou muito expressivo, como outros aromas mais bem denotados no espectro cervejeiro, como o frutado ou o torrado (nas stouts, por exemplo). Podemos dizer, portanto, que o dank exibe um perfil sensorial muito mais delicado, que exige do apreciador um maior esmero em sua busca.

As características mais peculiares do dank são as suas percepções organolépticas resinosas e herbais. Mas, claro, não é algo simples de ser definido, pensado, ou até mesmo expressado. Não basta uma cerveja ou um determinado lúpulo ser tido como “herbal” ou “resinoso” para que o dank seja apontado de imediato como sendo um elemento que lhe é expressivamente peculiar. É necessário “algo a mais”, é necessário “o dank para que o dank seja encontrado”. Por mais tautológico que isso seja, é verdade que o dank é algo definível apenas a partir de si mesmo, e não a partir de uma mera correlação de valores sensoriais.

Lúpulos com mais dank!

O perfil lupulado mais aproximado ou que detém mais características que possam ser definidas como dank não foi algo simplesmente “inventado” recentemente. Claro que a evolução cervejeira acaba trazendo novos aromas e sabores às rodas de degustação, mas aquilo que conhecemos atualmente como dank já existia antes da utilização de certos lúpulos que reconhecidamente elevaram à máxima potência a sua percepção.

Outrossim, o dank não foi inventado agora, mas ele tem tido uma percepção exponencialmente maior a partir da utilização de certos lúpulos utilizados com mais frequência recentemente, tal fato é verdadeiro.

O grande lúpulo responsável pela popularização do dank nas cervejas artesanais certamente foi o Strata! Ele é tido como o lúpulo que concentra o maior teor e a maior capacidade de exprimir o efeito sinérgico entre olfato e sabor que pode ser encontrado em uma cerveja com características dank.

Não sei se podemos dizer que houve uma “revolução cervejeira” (товарищ!) a partir da utilização do Strata, mas é certo afirmar que ele trouxe aromas e sabores a uma expressão que não fora encontrada “nunca antes na história desse país” (sim, ele está voltando, você sabe quem!).

O importante é denotar que com o uso do Strata cada vez mais pessoas foram capazes de encontrar o famigerado dank, ele passou de ser apenas um efeito etéreo para algo mais bem escrutinado dentro da roda da percepção sensorial daqueles que se dedicam à degustação das cervejas artesanais.

O Strata é um dos lúpulos da nova geração que exalam um dank mais denotado e duradouro, e mesmo quando blendado com outras variantes de lúpulo, mesmo assim, ainda é capaz de deixar suas marcas de dank indeléveis nas cervejas em que é utilizado.

Claro que outros lúpulos também possuem certa expressividade de dank, como, por exemplo, o Chinook, Amarillo e Columbus, eles são alguns lúpulos da primeira leva da onda americana que exibem essa qualidade (em menor expressividade, ressalte-se); bem como também o Zappa, o Galaxy e African Queen, para citar outros mais recentes, e mais assertivos no dank tal qual o Strata também é. Todavia, é certo que em termos de dank, nenhum dos citados anteriormente exibe com tanta maestria a pujança de dankness do Strata.

O Dank, o frutado e seu frescor

O dank alberga um raio de expressividade mais próximo do resinoso e do herbal, o que faz com que ele não possua um espectro frutado em grande profusão (ainda que seja algo que possa vir a ser secundariamente ressaltado através dos processos de fermentação). No entanto, é certo que ele possui algum caráter frutado também. E o importante a ser denotado ao se observar o elemento frutado no dank, principalmente aquele trazido pelo lúpulo Strata, é que ele foge bastante do lugar comum do perfil cítrico encontrado nas IPA’s atuais, como sendo de manga e maracujá.

O perfil frutado que comumente acompanha o dank é algo que tende mais para frutas vermelhas, especificamente o morango em primeiro plano, e também para goiaba, o que não é algo muito comum nos demais perfis lupulados encontrados em outras variantes.

A primeira percepção que o dank pode trazer, certamente, é herbal e resinosa, e uma das plantas que ele possui muita correlação, além da Sativa, seria o manjericão. Interessante pontuar que, sinergicamente, o manjericão também possui uma associação levemente frutada com a goiaba (igualmente encontrada no dank), além de certo mentolado e muito frescor (elemento também encontrado no dank).

Dessa maneira, é possível perceber como o dank acaba se espraiando e passeando entre elementos herbais (do manjericão) e frutados (como o da goiaba), sendo uma ponte (improvável) entre eles. Existe uma verdadeira sinergia entre componentes organoléticos de aroma e de sabor, que acabam se fundindo e se tornando um verdadeiro amálgama na análise sensorial das cervejas que possuem o dank como elemento central de sua construção.

O perfil herbal do dank acaba não sendo algo tendendo ao terroso, não traz, por exemplo, percepções que o aproximem dos lúpulos ingleses, que são terrosos, e por vezes lembram terra revolvida ou cogumelos. Contrariamente, o perfil herbal do dank é sempre mais fresco, tal qual um pé de manjericão que acabou de ser cortado, ou uma folha de orégano recém triturada (portanto, temos mais uma associação com a Sativa em andamento).

Assim, um dos elementos que fecham a roda sensorial do dank seria o seu frescor, mas algo que não lembra necessariamente um mentolado (tal qual o lúpulo Idaho Gem exibe, por exemplo), e sim algo mais próprio de certas plantas, como o citado manjericão, conferindo complexidade e algo ainda mais indizível sobre o próprio dank.

Saideira

O dank é uma das características de aroma e de sabor mais intrigantes e instigantes que o mundo cervejeiro passou a exibir recentemente. Sua expressividade e sua potencialização a partir do uso do lúpulo Strata é algo bastante singular nos sabores e nos aromas da cerveja. Sem falar que sua proximidade com a planta proibida tornam sua peculiaridade ainda mais peculiar, pela simples associação possível.

O dank é algo que beira o indizível, aquilo que sabemos, mas que esbarra nos limites da nossa própria linguagem. Melhor fazer como Wittgenstein disse na proposição sete do Tractatus Lógico-Philosophicus, quando ele encerra a obra com um convite ao silêncio depois de estabelecer uma complexa compreensão da linguagem enquanto isomorfia: “Wovon Man nicht sprechen kann, darüber, muß Man schweigen[1].

Então, vamos apenas nos render ao dank e aos seus mistérios, sem mais palavras.

Música para degustação

Dada a associação clara e cristalina entre o perfil dank e as propriedades terpênicas da Sativa, deixo como recomendação musical da icônica: Mantenha o Respeito! Da banda carioca Planet Hemp.

Boa fumaça, ops…

cervejas a todos!

Saúde!

[1] Em tradução livre: “Sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar”.

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

Sigam-me no Untappd (https://untappd.com/user/Ericksen) para mais avaliações cervejeiras sinceras, sem jabá (todavia, se for dado, eu só não bebo veneno).

A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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