Da Ribeira onde só o que passa, permanece

grupo teart de teatro

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O curto poema de Diógenes da Cunha Lima para o bairro da Ribeira é de uma precisão ímpar: Ribeira, só o que passa, permanece. Subentende-se um bairro vivente e sobrevivente do passado, onde nada se sustenta no tempo-hoje. Repartições públicas sucateadas, um jornal resiliente, ruelas históricas esquecidas, beco da (em) quarentena e um porto saudosista das velhas embarcações norte-americanas que chacoalharam o bairro.

A Ribeira é abandono quando deveria ser protagonista. É assim em qualquer cidade marromenus daqui e de alhures que preservam minimante seu recanto histórico. Moradias de Ferreira Itajubá, de Café Filho… Visitei, faz poucos meses, a cidade baiana de Ilhéus. Lá, um cabaré tradicional que recebia Jorge Amado e outros ilustres, virou ponto de visitação com cobrança de ingresso. O que dizer do nosso velho Arpege? E do Cabaré de Maria Boa?

Esse “arrodei” todo foi apenas para gritar socorro em nome de quem ainda acredita no bairro. Sim, há quem finque pé por ali: pequenos comerciantes e artistas, numa esperança vã de revitalização e resgate daqueles chãos cansados de guerra. Ontem mais um estabelecimento foi arrombado. Talvez tenham assaltado até essa esperança, dita como última que morre. Levaram quase tudo mesmo do espaço ocupado pelo Grupo Teart de Teatro.

E eu diria sem qualquer sarcasmo, que foi um assalto emblemático. Não foi só à sede do Grupo Teart de Teatro, foi também à velha casa do maior poeta modernista de Natal, Ferreira Itajubá. Um local que deveria ser atrativo turístico, tombado, foi saqueado. Na foto que ilustra esse post, um retrato da peça “Fogo de Palha”, uma farsa com livre adaptação do livro do jornalista Carlos de Sousa. Até o nome parece zombar dos propósitos do poder público.

Sério, dá pena. Pena de Natal, de sua história. E pena dessa galera resiliente, que tenta transformar esse mundinho pelo viés sempre nobre e dificultoso da arte, que paga seus impostos e recebe em troca a insegurança, o abandono, o foda-se governamental. E governo não rima só com Estado, responsável pela segurança pública. Prefeitura deveria dotar o bairro de vida, para que moribundos mal intencionados não planassem pelos becos e ruas do bairro. Não há uma linha sequer sobre revitalização da Ribeira no plano de governo para a cultura de Natal do novo governo.

Que o Teart consiga superar o tombo, mais do que a superação diária de se fazer teatro nessa cidade. Vários artistas não só mostraram solidariedade, mas se colocaram à disposição para ceder espaços culturais e talentos em prol da recuperação dos danos estruturais e recompra dos materiais roubados. Os ladrões levaram tomadas, portas, fios, mas deixaram o grupo Teart intacto, embora com corações quebrados. Dá pra se reerguer.

Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

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1 Comment

  • Lamentável!
    A violência física e simbólica ao espaço nos submete a uma realidade que precisa ser alterada, mexida, movida. Que a Arte potiguar seja capaz de continuar a contribuir com essa mudança tão necessária.

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