Da injustiça com Zé Dantas, principal parceiro de Luiz Gonzaga

zé dantas e luiz gonzaga

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Luiz Gonzaga, grande sanfoneiro e cantor, cognominado Rei do Baião, distingue-se na História da Música Popular Brasileira, principalmente, como compositor. Mas, os seus maiores sucessos foram criados não por ele só, mas em parceria com Humberto Teixeira e Zé Dantas, de modo que estes compositores também são reis, com direito a todas as honras…

Zé Dantas (José Dantas de Souza Filho – 1921/ 1962), talvez o mais importante dos três, como compositor – letrista e criador de música – não tem obtido o reconhecimento que bem merece. Por que? Em sua carreira sempre se houve com muita discrição.

Autopropaganda não era com ele. Nunca se preocupou em administrar a própria glória. E, morrendo moço, exatamente quando o baião estava em declínio, seu nome apagou-se no mundo musical, ficou relegado ao esquecimento, por bastante tempo, somente voltando o merecer homenagens na década de 70, face à ressurgência do gênero nordestino. Ainda assim, não lhe foi dado, então, o devido realce. Zé Dantas continuou sendo ofuscado por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, o que, aliás, se explica, no caso de LG, que sempre apareceu mais, por ser, além de compositor, intérprete e homem-show.

Note-se, porém, que as composições de Zé Dantas/ Luiz Gonzaga foram, mais do que as de Humberto Teixeira/ Luiz Gonzaga valorizadas pelos grandes nomes da Nova Música Nordestina. Alceu Valença, Fagner e Quinteto Violado – compositores e intérpretes – ressuscitaram êxitos como Vem Morena, Cintura Fina, Riacho do Navio, Sabiá, Vozes da Seca, A Volta da Asa Branca, e se abeberaram no trabalho de Zé Dantas & Luiz Gonzaga. Fagner, em dueto com o Rei do Baião, deu magnífica interpretação a Acauã, composição de autoria só de Zé Dantas (LP “Luiz Gonzaga & Fagner”, 1984). Já o Quinteto Violado havia revalorizado esta mesma composição – pequena obra-prima, diga-se de passagem – em seu LP de estreia, 1972.

Não obstante essa preferência, as publicações especializadas e a grande imprensa subestimaram e continuam a subestimar o grande compositor pernambucano.

Veja-se a “História da Música Popular Brasileira”, publicação em fascículos da Abril Cultural (1970 a 1972), que dedicou um número à dupla Luiz Gonzaga/ Humberto Teixeira, concedendo a Zé Dantas apenas uma página do fascículo. Tremenda injustiça!

Já a Enciclopédia da Música Brasileira (São Paulo: Art. Editora Ltda, 1977) incorre em erro semelhante: apresenta longo verbete sobre Humberto Teixeira, enquanto dedica a Zé Dantas poucas linhas. Observe-se que a referida Enciclopédia, obra digna de respeito, cita, equivocadamente, Acauã como sendo resultante da parceria Gonzaga/ Zé Dantas.

Ninguém pode negar a relevância histórica da dupla Luiz Gonzaga/ Humberto Teixeira. Deve-se a esta o lançamento do Baião, como gênero musical, “uma forma de integração da cultura popular nordestina à comunicação de massa”. Além de tudo, o patrimônio musical que a dupla doou ao Brasil e ao mundo é inestimável. Lamentamos, no entanto, que se queira superestimá-la, em detrimento de uma presença não menos importante na História do Baião: Zé Dantas.

OBRA DIVERSA

Autor de numerosos baiões, cocos, xotes, toadas, e de alguns rojões, rancheiras e um maracatu, em todos estes gêneros Zé Dantas manteve-se fiel à temática sertaneja e nordestina; saiu dela, somente, em duas ou três marchas carnavalescas, uma toada natalina, duas “batucadas”, pouquíssima coisa mais. E, quase sempre, usou a linguagem matuta.

Dedicado à pesquisa do folclore, desde a juventude, soube em muitos casos, estilizar e adaptar a música rural sertaneja; valeu-se do Desafio e da Literatura Oral, em tudo conservando a autenticidade, homem do sertão, que era, exilado na cidade grande.

Na letra que fez para o xote Riacho do Navio (música de Luiz Gonzaga), podemos constatar uma grande nostalgia do sertão de sua infância:

“Riacho do Navio
Corre pro Pajeú
O Rio Pajeú
Vai despejar no São Francisco
(O Rio São Francisco
Vai bater no meio do mar) Bis

Ah! se eu fosse um peixe
Ao contrário do rio
Nadava contra as águas
E nesse desafio
Saía lá do mar pro Riacho do Navio
Eu vinha direitinho pro Riacho do Navio

Pra ver o meu Brejinho
Fazer umas caçadas
Ver as pegas de boi,
Andar nas vaquejadas
Dormir ao som do chocalho
E acordar com a passarada
Sem rádio e sem notícia
Das terras civilizadas.”

Esta belíssima composição recebeu, há algum tempo, nova roupagem na interpretação de Marina Elali, neta de Zé Dantas, grande divulgadora da sua obra musical.

Manoel Onofre Jr.

Manoel Onofre Jr.

Desembargador aposentado, pesquisador e escritor. Autor de “Chão dos Simples”, “Ficcionistas Potiguares”, “Contistas Potiguares” e outros livros. Ocupa a cadeira nº 5 da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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2 Comments

  • Valmir Lopes

    Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira e Zé Dantas são a nossa versão da língua portuguesa. Estabeleceram nossa comunicação com outras regiões do país. Nos fizeram ser conhecidos, mesmo que ainda não completamente respeitados. São nosso orgulho.

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