O que é necessário para que um ser humano se isole completamente de outros? Ou melhor, o que esse ser humano precisaria viver para querer algo assim? Imagine uma sequência de eventos terríveis, os piores que você possa imaginar. Imagine os sentimentos acarretados disso. Imaginou? Vamos filtrar alguns agora. Pensemos na dor de perder alguém que se ama, na culpa de ter abandonado a sua filha, na vergonha sobre como você lidou com tudo e no medo de morrer como um monstro.
A mescla desses sentimentos em um filme poderia gerar o mais terrível enredo, carregado de um pessimismo cruel, em horas e horas de uma história feita para que o público se sinta mal, muito mal. É a fórmula da desesperança. É a fórmula certa para validar sentimentos ruins. A Baleia (2023) vai na contramão de tudo isso. Mesmo ao utilizar essa fórmula em uma narrativa opressora e desconfortável, o filme dirigido por Darren Aronofsky esbanja esperança.
Por mais que não pareça no início, a história de Charlie (Brendan Fraser), um recluso professor de redação com obesidade severa, é uma luz de esperança em um mundo cruel e desolador. Charlie vive com a dor do luto pela morte de seu parceiro e com a culpa por seu relacionamento com sua filha, enquanto ministra aulas online para uma turma de alunos desmotivados e apáticos que jamais viram o rosto de seu professor.
O filme nos conta, não apenas em seu enredo, a história de um homem preso. Preso no seu corpo, na sua casa, no seu sofá, no seu passado. Aronofsky emprega o formato de tela 4:3 como um reforço a esse sentimento, fazendo com que os personagens estejam presos em seu frame. Somado a isso, toda a ação do filme, com pequenas exceções, se passa dentro da mesma casa, com a maioria das cenas dentro do mesmo cômodo. A casa, por consequência, ganha dimensões de um personagem. De imediato, vemos um apartamento muito bem organizado, pouco iluminado, pequeno e repleto de objetos cênicos. Ao longo do filme, vemos uma história oculta sendo trazida à tona quando os personagens exploram suas estantes e seus quartos. Percebemos, então, a casa como um reflexo do protagonista.
Charlie sempre recebe as pessoas com um sorriso amigável, olhos gentis e uma presença carinhosa, um grande mérito da atuação sem-igual de Brendan Fraser. Isso se choca com o passado conturbado do personagem e com todos os sofrimentos e angústias que existem em seu presente. Angústias essas que são sentidas pelo público nas montagens de cada cena, nos movimentos de câmera, nos movimentos dos personagens, nas pequenas tensões criadas em cenas cotidianas. Se Charlie se sente impotente, você se sente impotente. Se Charlie sente desconforto ao levantar da cadeira, você sente esse desconforto. Esse não é um filme de direção, é um filme de atuação, mas ainda é um ótimo trabalho de um diretor tão sensorial como Darren Aronofsky.
Além disso, há o excelente trabalho de Hong Chau. Embora outros personagens possuam grandes e imponentes monólogos, apenas a enfermeira Liz ascende tão alto quanto o protagonista. Os dois, inclusive, são excelentes parceiros de cena. Um complementa o outro, um soma ao outro durante os diálogos. A interação entre ambos é verídica e autêntica. Hong Chau é a que melhor aproveita o fato de que, originalmente, A Baleia era uma peça em uma atuação potente e singela.
Por fim, destaco o maior dos pecados do filme que reside em seu roteiro. Embora esse possua excelentes diálogos que sabe utilizar o melhor de seus atores (características vindas da peça original, suponho), ele peca em seu excesso de rumos narrativos, onde muitos acabam em lugar algum. Talvez isso aconteça por uma necessidade do roteiro preencher as duas horas de filme. Talvez aconteça para tirar a atenção do público do plot principal por um tempo. Não sei. Sei que esse excesso se mostra desinteressante e desnecessário ao agregar pouco ao principal fio narrativo.