Collabs cervejeiras: colaboração – do mero marketing ao valor agregado

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Saudações, cervejeiros colaboradores!

Vamos falar de um tema hoje que está cada vez mais em voga no mundo da cerveja artesanal. A produção de cervejas colaborativas.

De modo geral, eu acredito que o intercâmbio de ideias e de métodos de produção é benéfico para a cultura cervejeira, como um todo. Ela serve como um elo, integrando diferentes pensamentos e diferentes formas de aplicar a criatividade de cervejeiros ao redor do mundo. Atualmente, as fronteiras para a colaboração cervejeira acabam sendo rompidas internacionalmente.

Contudo, o próprio conceito de “colaboração” é algo bastante fugaz, ou, minimamente elástico, no contexto do mundo do trabalho. Não é difícil notar tal fato, quando temos a troca gradual, e quase que “sem querer” (mas querendo), do termo “empregado” para o termo “colaborador”, no mundo corporativo.

Tal pequena nuance ideológica, de viés linguístico, prontamente denota como o termo “colaboração” pode servir para quase tudo que não há uma definição muito estreita.

Na cultura cervejeira, a toada é mais ou menos a mesma. Claro que uma definição muito rígida do que é uma “collab cervejeira” não serve de grande valia para definir, unicamente, se uma cerveja é boa ou não. Todavia, a frouxidão na definição pode dar azo a algumas jogadas de marketing que acabam por “confundir”, ou dar a entender uma coisa ao consumidor, quando, na verdade, outra coisa que está a ocorrer na realidade.

Assim, buscando explanar um pouco do que há por trás das colaborações entre cervejeiros e cervejaria, com um pequeno faro jornalístico (sem revelar a fonte, jamais!) – algo um tanto quanto incomum aos meus textos, já que não sou jornalista de formação –, vamos debater um pouco sobre as famosas collabs entre cervejarias.

Collab: a colaboração dos não-colaboradores

A chamada do presente subtítulo, à primeira vista, pode parecer confusa ou contraditória. Porém, faço questão de explicá-la melhor desde já.

Por collab, temos a corruptela do termo em inglês collaboration, que, por óbvio, significa colaboração. Na cultura cervejeira serve para explicitar quando dois ou mais cervejeiros, de cervejarias distintas, juntam-se para fazer uma cerveja ou uma série de cervejas colaborativas, unindo esforços produtivos de maneira bem ampla.

O trocadilho feito entre colaboração e colaboradores advém do fato que, atualmente, convencionou-se, de modo informal e totalmente ao arrepio da lei, chamar os empregados de colaboradores. Claro que empregados não são colaboradores. Eles são empregados: recebem ordens, são subordinados, tem habitualidade, om alteridade, recebem pagamento mensal e devem cumprir o seus deveres como acordado no contrato de trabalho.

Certamente, quando há uma collab entre cervejarias, supõe-se que os donos (os cervejeiros) juntam-se para produzir algum conjunto cervejeiro, ou seja, não são “os colaboradores” que colaboram para o resultado intelectual final do que foi pensado na colaboração cervejeira…

Como são feitas as collabs?

Como falado inicialmente, não existe nenhum padrão ou regra pré-definida a estabelecer como uma colaboração entre cervejarias deve ser entabulada. Daí surgem alguns questionamentos pertinentes sobre o tema.

A princípio, quando se pensa em collab cervejeira, ao menos eu imagino assim, supõe-se que os cervejeiros de cada cervejaria vão se reunir, debater a receita a ser formulada, chegar a um denominador comum, conjugar suas ideias e a sua criatividade e, finalmente, produzir uma cerveja. Assim o fazem, juntando insumos, mão-de-obra e tudo mais que possa ser útil, tanto no processo de elaboração quanto no de execução.

Porém, na realidade, o conceito de colaboração cervejeira é bem mais elástico que isso. O que dá margem a poder se pensar que, algumas vezes, a publicidade sobre a colaboração é maior do que o esforço conjunto e colaborativo propriamente dito.

Já houve relatos de que a colaboração entre cervejarias é apenas trocar ideias sobre a receita e pronto. Ou seja, qual lúpulo usar, qual tipo de malte e sua carga, quais possíveis adjuntos podem ser usados, dentre outas filigranas meramente teóricas. Ou seja, um ou dois e-mails e a colaboração está feita. Posso dizer que isso não é uma colaboração? Não, mas, será que é mesmo?

Claro que existem collabs mais colaborativas, por assim dizer. Ou colaborações em que a cooperação é real. São colaborações daquelas “internacionais”, em que o cervejeiro vem lá de uma terra que neva metade do ano, aqui para o nosso calor tropical, despejar os insumos na gororoba do mosto, junto com o cervejeiro daqui, e juntos fazem a mágica acontecer.

Nesses casos, é bem provável que toda a receita tenha sido pensada em conjunto, e os mínimos aspectos de produção, como as técnicas a serem empregadas, tenham sido arquitetadas a, no mínimo, quatro mãos. Um trabalho de parceria em todos os aspectos da colaboração, do esforço mental ao trabalho braçal, com toda a supervisão conjunta para que a cerveja resultante seja primorosa.

Nesses casos, certamente há um alto valor agregado ao conjunto cervejeiro final. As mais diversas ideias e a criatividade em profusão de todos os cervejeiros envolvidos na colaboração cervejeira tende a ter um ótimo resultado.

O pior dos cenários: a collab por marketing

O pior dos mundos, que já me foi relatado, inclusive, é quando a collab não passa de uma jogada de marketing para vender a cerveja como sendo algo colaborativo entre cervejarias distintas. Quando, na verdade, o que há, é apenas uma produzindo e a outra estampando o rótulo para ajudar a vender o produto final.

Colaboração por rótulo é algo que, de fato, é inconcebível dentro de um preceito ético minimamente razoável do que é uma collab cervejeira. O direcionamento em prol de uma maior exposição da cervejaria colaboradora de menor expressão (que efetivamente produz a cerveja) fica ainda mais evidente quando a mais famosa apenas “assina a produção”, sem ter nenhuma outra influência, nem que seja na montagem da receita a ser produzida.

Claro que esse tipo de colaboração acaba não sendo alardeada como de fato transcorre. Para todos os fins, o que importa é que no final tempos um rótulo pomposo entre duas cervejarias. Rótulo esse que foi composto pela produção efetiva de uma delas, e a outra apenas serviu como estandarte de marketing.

Em termos publicitários, essa estratégia é nota 10, em termos de transparência com o consumidor, temos muito a debater… quem sabe em um momento posterior.

Saideira

Gostaria de finalizar o texto deixando claro que as collabs, por si só, não representam nenhum sinal explícito de uma maior qualidade da cerveja produzida. Os resultados podem e variam bastante.

Já bebi ótimas cervejas colaborativas, algumas em que eu realmente não sei nem como se deu a colaboração, se de forma mais efetiva, ou mais no “plano das ideias”. De outra banda, também já tive a oportunidade de beber algumas cervejas colaborativas, de algumas cervejarias até bem conceituadas no cenário nacional, e que o resultado ficou muito aquém do esperado.

Portanto, o fato de uma cerveja ser colaborativa ou não, não faz dela necessariamente boa (tampouco, não a torna necessariamente ruim). O cerne do debate levantado é até que ponto o termo “collab cervejeira” pode servir, única e precipuamente, como um instrumento de marketing, para potencializar o alcance do produto, que, por vezes, não foi exatamente “colaborativo”, ou “advindo de uma colaboração efetiva entre cervejarias”.

Recomendação Musical

No mundo da música existem muitas colaborações, minimante inusitadas, para se falar o mínimo.

Uma das mais singulares e das minhas preferidas, sem dúvida, é a recomendação musical de hoje. É a colaboração entre a Sandy (musa pop teen adolescente dos anos 2000) com a banda de Power Metal mais famosa do Brasil, o Angra! A música ainda conta com a participação especial da Alissa White-Gluz, da banda Arch Enemy, nos vocais guturais.

Claro que o resultado foi fabuloso, confiram na música Black Widow’s Web.

Saúde!

 

 

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

Sigam-me no Untappd (https://untappd.com/user/Ericksen) para mais avaliações cervejeiras sinceras, sem jabá (todavia, se for dado, eu só não bebo veneno).

A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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2 Comments

  • GUSTAVO GUEDES

    Legal o artigo! Sugestão de pauta: a profusão de clube cervejeiros das próprias cervejarias: trilha, dogma, coza linda, salvador… virou tipo streaming…. assinar todos??!

    • Lauro Ericksen
      Lauro Ericksen

      Olá, Amigo!
      Perfeita a sua sugestão! Gostei demais do tema, vou escrever sobre isso em breve!
      Obrigado!

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