Clorofenol: conhecendo off-flavors na cerveja

PIX: 007.486.114-01

Colabore com o jornalismo independente

Saudações, cervejeiros degustadores!

Hoje vamos falar de um off-flavor (defeito) relativamente comum de ser encontrado nas cervejas artesanais: o clorofenol. Ele pode não ser o off-flavor mais frequentemente encontrado, contudo, é um dos mais perceptíveis na cerveja.

Existem alguns outros off-flavors mais “triviais”, como a oxidação, o Lightstruck (ou skunk, gosto de mofo), o diacetil (gosto de manteiga) e o DMS (Dimetilsulfureto, ou gosto de vegetais cozidos). Todavia, o clorofenol é um dos mais “incisivos”, em minha singela opinião.

Para facilitar a inserção no mundo dos aromas e sabores destoantes da análise técnica da cerveja, vamos começar fazendo um breve apanhado do assunto. A seguir, vamos focar um pouco mais a descrever como a presença do clorofenol afeta negativamente a cerveja.

Off-Flavor: Entre erros e acertos

As cervejas, ou melhor dizendo, os estilos cervejeiros possuem um padrão de aromas e de sabores que são esperados ao se proceder a degustação. Ou seja, existem alguns elementos sensoriais que são a chave para determinar se uma certa cerveja está ou não encaixada em um estilo.

Então, alguns aromas e sabores podem ser considerados on-flavors (acertos) ou off-flavors (defeitos). A princípio, nenhum aroma ou sabor é um acerto ou um defeito universal, já que em um tipo de cerveja certa percepção pode ser inadequada, mas para outro estilo, a mesma percepção de aroma ou sabor pode estar em plena harmonia.

Resumidamente, um off-flavor é relativo a um estilo cervejeiro, no qual ele pode se encaixar ou não. Todavia, existem algumas exceções, em que aquele aroma ou sabor é sempre inadequado e indesejado. O clorofenol se encaixa exatamente nesse rol das excepcionalidades.

O que são Off-Flavors?

Sinteticamente, off-flavors são defeitos naquele estilo cervejeiro em apreço. Ou seja, um aroma ou um sabor diferente do padrão esperado. Existem muitos off-flavors, alguns decorrem naturalmente dos processos cervejeiros, ao passo que outros são erros de execução propriamente dita, e, portanto, podem ser evitados.

Claro que, ao se falar de análise sensorial, a premissa básica é que ela é variável subjetivamente. Isto é, algumas pessoas podem perceber certos aromas ou sabores em maior ou menor intensidade. Tal variação deriva de muitos fatores, tais como experiências prévias e também a própria aptidão fisiológica a perceber (ou não) aromas e sabores.

Assim, mesmo os off-flavors mais comuns podem até ser aceitos em alguns estilos, incorporando-se a eles. Um bom exemplo é o diacetil em alguns estilos de Lagers, o qual, em baixas concentrações é aceitável, tornando-se até mesmo parte característica do estilo.

Clorofenol – que “bicho” é esse?

Nada mais explicativo que uma imagem. Essa é a fórmula química do vilão de hoje. Claro que não vou me adentrar nas minúcias da química orgânica para explicar o que é o clorofenol, vamos transitar apenas no seu conteúdo básico.

Seu nome é bastante intuitivo (clorofenol), e com sua fórmula fica mais fácil de identificar de onde vem o defeito. Cloro-fenol, ou seja, o elemento Cloro ligado a um anel de Benzeno, somando mais uma ligação com a hidroxila (OH).

Ele é um dos produtos as reação do álcool (advindo das leveduras) na produção cervejeira com o Cloro. Ou seja, o grande vilão a ser encontrado e que causa o estrago do defeito (off-flavor), é justamente o elemento químico Cloro.

O motivo pelo qual o Clorofenol é um vilão

O Cloro é um elemento químico que integra muitos compostos sanitizantes de uso comum. Ou seja, a sua função primordial no mundo é ser um agente de desinfecção dos meios em que ele atua.

Partindo dessa premissa, o resultado que o Cloro (por meio do clorofenol) é capaz de causar numa cerveja é de te trazer a sensação de ter sido transportado diretamente para uma enfermaria hospitalar, um ambiente hermeticamente sanitizado à base de Cloro.

Por esse motivo, o off-flavor clorofenol é conhecido usualmente como medicinal. Ou seja, aromas e sabores derivados de aspectos ligados ao ambiente do nosocômio.

Similarmente, ele pode ser descrito como sendo um gosto (ou aroma) de esparadrapo, de gaze ou de antisséptico (bucal). Ademais, fica aquele gostinho de água sanitária que perfuma o ambiente e é um deleite para quem degustar a cerveja (contém ironia).

Ele também é capaz de causar certa adstringência na boca (como todos os fenóis são capazes de causar, vide os taninos dos vinhos, que são uma espécie de polifenol). Ou seja, ter clorofenol em uma cerveja é algo bastante perceptível, e não recomendado.

Clorofenol tem cura?

Infelizmente, uma vez contaminada com o temido clorofenol, a cerveja não tem mais como ser curada desse mal terrível. Cervejas frescas, dos mais diversos estilos, das Lager’s às NEIPA’s estão sujeitas ao clorofenol. Aliás, cervejas envelhecidas também podem padecer de sua pegada medicinal, e com ela ficarão para sempre.

Infelizmente, o clorofenol não se atenua no tempo, nem com a maturação da cerveja com um período maior de tempo, e muito menos com seu envelhecimento após o engarrafamento. Não há cura para esse defeito.

Todavia, o tratamento pode ser profilático. A presença do Cloro como resultado da produção cervejeira pode se dar em dois momentos distintos: na desinfecção da água utilizada; ou na sanitização dos equipamentos utilizados.

Na parte da desinfecção da água, pode ser que a companhia de abastecimento da cidade utilize hipoclorito de sódio e/ou cloraminas, algo bem comum. Faz-se necessário utilizar outros elementos químicos para neutralizar o Cloro na água, ou utilizar uma fonte de água livre de Cloro.

Na parte da sanitização, basta se utilizar de compostos de sanitizantes que não tenham Cloro na sua composição, ou, se quiser arriscar a sorte, lavar bem o equipamento para que não fique resquício de Cloro (algo bem arriscado e não recomendado).

Resumindo, não há cura, mas dá para se prevenir.

Saideira

Se você um dia já provou uma cerveja com a presença de clorofenol, com certeza, vai relembrar dessa experiência (nada agradável). O clorofenol é um dos off-flavors mais inconvenientes que se pode ser encontrado durante a análise sensorial da cerveja. Por isso, deve ser evitado a todo custo.

Ele é um problema relativamente simples, exige apenas correção da concentração de Cloro na água utilizada e uma boa sanitização de equipamentos, preferencialmente sem utilizar compostos à base desse equipamento para efetuar limpeza e desinfecção.

Em cervejarias de grande porte, a presença de clorofenol na cerveja é verificada pela cromatografia gasosa e por testes colorimétricos. Todavia, ele ainda é um off-flavor muito comum em cervejarias menores e ciganas de pouca estrutura.

Obviamente, eu jamais recomendaria uma cerveja que contenha clorofenol (só dou boas dicas a vocês). Porém, pode ser que alguém que nunca o percebeu tenha ficado curioso em “prová-lo”. Assim, indico que fiquem de olho no meu perfil do Untappd (https://untappd.com/user/ericksen), já que sempre posto lá quando encontro o clorofenol em alguma cerveja…

Recomendação musical para degustação

Ao provar uma cerveja com clorofenol é impossível não se sentir em um hospital. Aromas de um centro cirúrgico invadem sua mente. Complementados por sabores que lembram água sanitária (que leva Cloro em sua composição também).

Logo, vamos recomendar uma música que lembre o ambiente hospitalar!

A dica de hoje é de uma banda que já apareceu, o Carcass, um dos pioneiros no Grindgore/Death Metal com letras que abordam elementos clínicos e médicos (ou Gore em geral).

A música sugerida é de seu penúltimo álbum, o Surgical Steel (aço cirúrgico, em tradução direta), denominada Unfit for Human Consumption, nome bem sugestivo para o conteúdo do texto e para a presença de clorofenol.

Saúde!!

 

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

Sigam-me no Untappd (https://untappd.com/user/Ericksen) para mais avaliações cervejeiras sinceras, sem jabá (todavia, se for dado, eu só não bebo veneno).

A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

WhatsApp
Telegram
Facebook
Twitter
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais lidos do mês