Cervejas “Ultra”: Cervejas para quem não busca cerveja

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Saudações, cervejeiros de vida fitness!

Na coluna de hoje, vamos falar sobre uma moda cervejeira que está ameaçando voltar, apesar de não ter sido algo bem sucedido em sua primeira empreitada no mercado nacional: as cervejas que são feitas para mirar um público que não é propriamente cervejeiro, são as cervejas “Ultra”.

Cervejas com essa nomenclatura, “Ultra”, parecem ter mais a ver com o mercado dos isotônicos que com o mercado cervejeiro propriamente dito, já que sua principal premissa não é sabor ou aroma, e, sim, baixos teores de calorias e carboidratos.

A partir da premissa dada, o público-alvo da comercialização desse tipo em específico de cervejas são aquelas pessoas que se dedicam a uma vida fitness e que não podem se dar ao luxo de beber uma cerveja “normal”, sob pena de saírem do seu regramento dietético habitual.

Pretensamente, essas cervejas “Ultra” visam colmatar essa lacuna mercadológica, possibilitando que mesmo as pessoas que têm uma vida fitness, eventualmente, também possam beber uma cervejinha, não é mesmo?

Mas, a pergunta que fica é: essas cervejas são boas? O fato de terem poucas calorias interfere no seu aroma e no seu sabor? Vamos debater isso mais adiante.

Cervejas “Ultra” e seus baixos teores

O mercado, de uma forma geral, e, mais especificamente o cervejeiro, busca sempre nichos de oportunidades, mesmo que eles não sejam exatamente novos. Por vezes, como é o caso do nicho que vamos abordar na coluna de hoje, ele estava apenas “adormecido”, apesar de já ter sido desbravado outrora.

O renascimento aludido do nicho dos esportistas e das pessoas fitness que querem beber uma cerveja, ainda que de modo casual ou eventual, não está se dando propriamente pelo interesse no consumo de cervejas, e, sim, pela crescente procura por outra bebida: o Gin.

O destilado em apreço vem sendo a escolha preferida justamente do público-alvo mencionado, pessoas que valorizam a saúde e também as formas corporais sempre em dia, mas que, nos finais de semana, não se furtam a tomar “uns bons drinks”.

O Gin se tornou a bebida preferida por ser um destilado, ter poucas calorias e muitas misturas sinérgicas, sejam com as mais diversas especiarias, como canela, noz, pimenta, folhas aromáticas, dentre outras, bem como com outras bebidas, como soda, água-tônica, refrigerantes, chás, e, até mesmo, kombucha. Ou seja, é uma bebida muito versátil, com várias combinações, com sabores bem pronunciados, e com um grande diferencial para suas concorrentes: baixos teores de carboidratos.

A experiência de se lançar no mercado de bebidas alcoólicas fitness (por mais que possa ser contraditório o termo) não é algo totalmente novo para o mercado cervejeiro. A experiência já havia sido tentada nacionalmente em 2015, quando foi lançada a Skol Ultra (tentando pegar carona nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, que viria acontecer no ano seguinte), uma “cerveja para atletas”.

A princípio, pode-se pensar o quão contraditório o marketing soa, já que, não se costuma imaginar que atletas, ao menos no nível profissional, tenha o hábito costumeiro de ingerir bebidas alcoólicas. De toda forma, serviu para sedimentar o termo “Ultra” no imaginário cervejeiro nacional.

Cerveja Light e Cerveja Ultra

O mundo das cervejas “Light” não é novo, tanto é que a Bud Light é a cerveja mais vendida do mundo há algum tempo, talvez há mais de uma década. Todavia, as cervejas que carregam a pecha de “Light” não focam no mesmo público das cervejas “Ultra”. Claro que elas compartilham algumas semelhanças, principalmente em termos gustativos, no entanto, elas visam atingir parcelas bem diversas do público cervejeiro.

Se a estratégia da Skol Ultra, anteriormente, deu-se em focar especificamente nos “atletas”, com suas propagandas exaltando treinos de alto rendimento, provavelmente filmadas até mesmo com atletas profissionais, o ressurgimento do estilo vem repaginado.

Pegando carona justamente com o pessoal que costuma consumir Gin, o foco da campanha da Michelob Ultra, a mais nova empreitada da AmBev no seguimento, não tem direcionamento propriamente dito aos “atletas”, é algo mais amplo, e busca atingir aquele que almeja manter a forma, ou seja, o pessoal “fitness”, sem abrir mão de degustar uma cerveja nas horas de lazer.

No entanto, as cervejas tidas como “Light”, precussoras das “Ultra’s”, apesar de apresentarem menores teores, já que eram versões mais leves das cervejas de massa já consagradas, não tinham nenhum apelo fitness, pelo contrário. Ao exaltarem a alta drinkability das cervejas “Light”, por serem mais leves e de maior capacidade de consumo, o marketing acabava saindo do consumo moderado de calorias, para uma alta litragem de consumo pessoal. Algo que não se coadunava, de nenhuma maneira, ao espírito fitness de parcela do público-alvo cervejeiro.

Já as cervejas “Ultra” tentam direcionar o consumo para uma mentalidade diversa. Por mais que em termos de aroma e sabor sejam bem próximas das cervejas “Light”, ou seja, possuam quase nada de aroma ou de sabor, e sendo detentoras do famoso corpo “aguado”, a premissa de consumo consciente é que elas sejam ingeridas em pequenas quantidades, justamente para que os seus teores de carboidratos não sejam o empecilho ao consumo, para aqueles que querem se manter em forma.

Claro que nem as cervejas denominadas “Light” nem as “Ultra” almejam ser uma explosão de aromas e sabores (algo que o Gin ainda consegue oferecer, sendo bem mais competitivo nesse aspecto, dentro do espectro de consumo do público alvo em apreço). Ademais, suas estratégias se fundamentam em elementos distintos, para consumidores distintos. No entanto, a aproximação em termos gustativos acaba sendo uma constante, o que faz com que elas se aproximem.

Um último diferencial que pode ser apontado entre ambas as espécies de cerveja, é que as “Ultra” acabam tentando se vender como um produto mais diferenciado, como se estivesse mais próxima do universo das cervejas artesanais (algo que, de fato, não procede de maneira alguma).

Essa tentativa de se valorizar acaba sendo refletida no seu preço, e no caso recente da Michelob Ultra, na sua escassez no mercado. Por seu turno, as cervejas “Light” não tentam se vender como diferenciadas, sempre aparecem como uma alternativa mais leve aos seus “Doppelgänger[1]” de linha mais tradicional.

Assim, a cerveja “Ultra” acaba sendo comercializada por lojas que possuem como grande fatia de mercado as cervejas artesanais e seu preço também finda por refletir essa “glamourização” da vida fitness, já que ela chega a custa o equivalente a uma cerveja artesanal de qualidade (sendo esta bem superior em termos qualitativos, diga-se de passagem).

Na verdade, os valores das cervejas “Ultra” e “Light” deveriam ser muito similares, haja vista que seu processo produtivo não se diferencia tanto. O grande dissenso entre elas está no direcionamento do seu marketing.

Saideira

Certamente, as cervejas “Ultra” não são o alvo prioritário de quem gosta de cerveja ou busca descobrir novos sabores através de cervejas artesanais, pelo contrário, o público-alvo dessas cervejas é um “público não-cervejeiro”, mas, que, eventualmente, as consomem por causa dos baixos teores de carboidratos. Resumindo: são cervejas para quem não gosta de cerveja (mas que talvez goste de Gin – ou de isotônicos… quem sabe?).

Ademais, por mais que não seja esta a intenção, as cervejas “Ultra” deixam uma valorosa lição: beba menos. E a partir do beba menos, podemos concluir que se bebe melhor. As justificativas para se beber menos e uma bebida com menos calorias possui a fundamentação na vida fitness do público-alvo das cervejas “Ultra”, no entanto, é bastante válido transportar essa mentalidade para todas as degustações que envolvam cervejas artesanais.

Beba menos, beba melhor!

Música para degustação

Se a premissa essencial das cervejas “Ultra” é manter a boa forma, a recomendação musical da semana vai no mesmo embalo, com o hit oitentista da Olivia Newton-John, que agitou muitas academias na época (quiçá, até hoje): Physical.  

Saúde, e mais saúde com boas cervejas!

[1] Doppelgänger é um termo que os alemães usam quando encontram uma pessoa muito parecida com outra.


FOTO DE CAPA publicada em Blog Mundo da Cerveja

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

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A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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