Cerveja artesanal e o frenesi pela novidade

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Salve! Salve, cervejeiros que curtem uma novidade!

Podemos dizer assertivamente que os domínios de Mammon (o deus mercado) são bastante dinâmicos, temos que dar esse crédito ao tinhoso! Por isso mesmo seus tentáculos lovercraftianos se espraiam também sobre o mercado cervejeiro com muita maestria.

Nesse passo, é condizente afirmar que um dos seus feudos ainda mais dinâmicos é o mercado das cervejas artesanais, onde se vive, respira-se e se bebe, todo dia, uma novidade diferente!

A busca incessante por uma novidade, no meio das cervejas artesanais, é mais do que uma mera “opinião” (por mais que eu considere que meu trabalho ao escrever os textos da coluna do Blog que vocês estão lendo seja mais do que algo apenas “doxográfico”), é um fato inarredável: todo dia surge uma nova cervejaria artesanal e todo dia uma cervejaria já consolidada lança um rótulo novo!

O ritmo das “inovações” (ou pelo menos dos lançamentos e das novidades) é algo tão frenético que soa quase que impossível acompanhar tudo que é lançado, criado ou vendido. As novidades são tantas e o bombardeio de informações é feito de maneira tão incessante, que não há bolso ou capacidade de armazenamento intelectual que sejam capazes de dar conta de tudo isso.

Não obstante, vamos trazer o lado positivo de tantas novidades e também alguns efeitos não tão bons assim a respeito do ritmo tresloucado em que os lançamentos são postos no mercado.

Convido todos a ler mais esse texto sobre cervejas artesanais e o trem louco que é o seu mercado.

Ave Mammon! (Diriam os anódinos nefelibatas).

O novo, o bonito e o joiado!

Quem não gosta de uma novidade, não é mesmo? É da natureza humana perseguir o novo. Sempre esperar pelas novidades, e de certa forma, dar preferência àquilo que é novo, é algo comum da natureza humana.

A novidade é algo que conquista antes mesmo de existir. O simples fato de o desconhecido se descortinar como algo “novo” já é capaz de atrair nossa atenção e de nos fazer estar pressuposto a aceitar o que é posto.

Assim, avançando no tópico, e deixando de filosofar, podemos enunciar que o mercado das cervejas artesanais também se vale da estratégia pela novidade para nos conquistar (sim, Mammon é um grande sedutor, maldito seja!).

Como se não bastasse a miríade de estilos cervejeiros que existem, todo dia, praticamente, surge um subestilo ou uma variação de algum estilo que está fazendo sucesso para que nós tenhamos que acompanhar, vide os casos das variedades de IPA’s, ou até mesmo o exemplo das Smoothie Beers (clique aqui). A variedade pela novidade acontece tanto pelos estilos cervejeiros que já existem quanto por aqueles que estão sendo criados, inovados ou até mesmo repaginados.

As novidades não param de chegar, e mesmo em um mercado ainda em franco desenvolvimento, a tônica é sempre abastecê-lo com mais novidades a todo momento. Quanto mais o mercado cervejeiro cresce (e ainda há bastante espaço para que ele se expanda continuamente por um bom tempo), mais novidades chegam até o consumidor.

Em certo sentido, o novo é sempre mais bonito, quanto mais estilos ou quanto mais novidades de um mesmo estilo, melhor. O consumidor tem a impressão de que não há estagnação no que é posto como novidade cervejeira e, em certo sentido, há uma contínua evolução. Quanto mais novidades são lançadas, mais melhorias são implementadas e mais coisas interessantes acabam sendo postas no curso do consumo.

Todavia, essa é apenas uma faceta da inovação incessante do mercado cervejeiro, vamos analisar, a seguir, a sua contraparte.

Novidade e (não) repetição de cervejas

Um dos elementos filosóficos mais elaborados contemporaneamente foi feito por Gilles Deleuze, em sua obra “Diferença e Repetição”. De uma maneira mais simplória, a crítica (ou melhor, a observação) empenhada, por ora, também se foca no mesmo argumento. Quando há diferença (ou seja, não há identidade entre os termos), a repetição não é possível, e sem repetição não podemos formar um convencimento (dialético) sobre algo.

Aplicando tais premissas à ânsia mercadológica pela inovação e pela novidade, percebe-se que o mercado cervejeiro é focado um tanto quanto que unidimensionalmente na “diferença”, ou seja, naquilo que é lançado como “novo”. O novo é sempre diferente do anterior, ele carece de repetição para que tenha seu status de “novidade”. Já ressaltamos na seção pretérita as benesses da diferença calcadas nas novidades, todavia, ela acaba por encobrir a necessidade que os cervejeiros também possuem: a repetição dos bons rótulos.

Existem alguns elementos que tornam mais fácil lançar uma nova cerveja que repetir uma receita já feita. Dentre os elementos, podemos mencionar a questão da sazonalidade das safras de insumos e a própria imprecisão do processo produtivo artesanal. Por mais que existam “cervejas de linha”, que tentam manter um mesmo padrão de qualidade, por vezes, as cervejarias sofrem pela falta de insumos e também pelas variações intrínsecas ao caráter artesanal de sua metodologia de produção.

Nem sempre é fácil encontrar os mesmos lúpulos utilizados na receita original. As variações de safra e de oferta de safra no mercado nacional são os grandes pontos de impacto nessa variabilidade na repetição das cervejas. Ademais, mesmo quando os lúpulos originalmente utilizados estão disponíveis, nem sempre possuem a mesma qualidade de safras anteriores, o que pode ser um elemento de diferenciação no produto final.

Por serem artesanais, não se consegue aferir um padrão de resultados iguais entre lotes diversos de uma mesma receita. Isso acaba sendo mais um ponto negativo a impingir as escolhas das cervejarias em não repetir as mesmas receitas, e elas acabam por tentar novas receitas, acreditando que a comoção pela novidade é algo mais relevante para suas incursões mercadológicas.

É certo que a maioria das cervejarias possuem “cervejas de linhas” (repetição) em oposição às “cervejas sazonais” (diferença). No entanto, as cervejas de linha acabam tendo um apelo comercial mais genérico por assim dizer, são cervejas de “entrada”, mais simples, e que tendem a agradar os neófitos que estão começando a desbravar o mundo das artesanais.

Enquanto que as “sazonais” acabam por ser qualquer outra cerveja que a cervejaria não planeja reproduzir no curto prazo, algo que não tem tanto a ver com o estilo da cerveja a ser comercializado.

Saideira

De maneira bastante dividida, podemos asseverar que os consumidores gostam bastante das novidades cervejeiras, apreciam a evolução do mercado e de modo geral adoram um lançamento; porém, o excesso de novidades acaba por encobrir ou fechar as possibilidades para que as boas receitas cervejeiras sejam repetidas.

Novidade é novidade! Afinal, quem nunca ouviu falar numa Double Imperial Sour Pastry Balsamic Rye Barrel Aged Nordic Pagan Smoothie Chocolate IPA?

O novo é o que há!

Desse modo dual e um tanto quanto tresloucado na velocidade estonteante dos lançamentos, vamos vendo cada dia mais novos rótulos sendo lançados, ao passo que algumas boas cervejas já lançadas acabam não recebendo a devida atenção e não são repetidas pelas cervejarias. E assim o mercado flui!

Música para degustação

Dado o ritmo frenético dos lançamentos cervejeiros, não vejo outra música mais icônica a representar esse mercado ávido por novidades a todo momento. Fica como recomendação musical a canção Crazy Train do imortal Ozzy Osbourne.

Um brinde às novidades e aos repetecos!

https://www.youtube.com/watch?v=bwDpAfFzcRQ

Saúde!


CRÉDITO DA FOTO: Sol Pulquério/Divulgação

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

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A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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