Ao centenário de Clarice Lispector

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O que aprendi com Clarice

A não se levar a sério

A olhar o céu

E vê os dragões e Órion – o caçador

Brincar com as Três Marias

Sentir o coração das florestas

E quando perguntado pelo tempo, responder:

É a hora da Estrela

(D´Mata)

 

Clarice no Cinema

A Casa 9 e o conto “Ovo e a Galinha” filmado por Luiz Carlos Lacerda.

No dia em que é comemorado o dia D de Clarice Lispector, neste 10 de dezembro, lembro do belo conto “Ovo e a Galinha” do livro Legião Estrangeira. Esse conto foi filmado com roteiro a quatro mãos do cineasta Luiz Carlos Lacerda em parceria com Clarice.

Luiz morava na famosa Casa 9 no bairro de Botafogo – RJ, reduto de grandes artistas e abrigo para muitos que chegavam ao Rio de Janeiro. Na casa 09 não tinha telefone e o cineasta narra no documentário homônimo como recebeu um telefonema – via vizinho – da famosa escritora.

Ao atender o telefonema, entre perplexo e maravilhado, o Luiz respondia com palavras isoladas. Não podia demonstrar toda a sua euforia na frente dos vizinhos desconhecidos que ouviam a conversa.

Depois Clarice vem à Casa 09 para conversar com Lacerda de viva voz e sugere coisas mirabolantes. A presença daquela mulher bem vestida e séria chamou a atenção de todos.

Pena que não ficou registro da visita da nobre senhora. O roteiro foi concluído em 1974 e filmado com grande elenco: Lucélia Santos, Carla Camurati, Chico Diaz, Louise Cardoso, Karla Martins, Claudio Perotto e Rodney Pereira.

O filme foi dirigido pela sobrinha de Clarice, a cineasta Nicole Algranti. Um curta-metragem de 11 m em 35mm. Uma bela homenagem à escritora da Hora da Estrela, outro belo texto seu filmado.

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Clarice no Teatro

Uma grande atriz interpreta uma escritora maravilhosa e singular na literatura brasileira, na peça ‘Simplesmente Eu, Clarice Lispector’. O enorme Teatro Riachuelo lotado para ouvir as confissões de uma escritora que não gostava de se mostrar.

A atriz Beth Goulart vestiu-se de Clarice e nos presenteou com um grande banquete literário. Clarice estava ali, viva, e bem vestida. Ela gostava de se sentir bonita. Recebia muitas cartas. Numa delas, um cidadão a chamava da Mãe do Brasil. A maternidade dói, mas é bom. Sem o filho ficamos mais solitário.

Na obra ‘Perto de Um Coração Selvagem’, Lídia vê um cego mascando chiclete e fica transtornada. Beth trouxe esse cego para nós. Lídia perde a estação de chegada do bonde e cai dentro do Jardim Botânico, com seus cérebros apodrecidos. “Tão bonito que ela teve medo do inferno.”

A súbita percepção do coração Selvagem do jardim que apodrecia, gotejava, germinava, levava-a à beira da insanidade. “A loucura é vizinha da mais cruel sensatez, escreveu Clarice. (in Clarice por Benjamin Moser)

Algumas palavras, não foi possível ouvir-entender com o sotaque ucraniano. Estava distante no Balcão Nobre de luneta para ver as circunvoluções gestuais e fisionômicas de uma atriz perfeita no papel da escritora de ‘A Paixão Segundo G. H. Espetáculo’.

O espetáculo começou morno, ganhou em amplidão e a atriz foi aplaudida em cena aberta. No final, a consagração e o agradecimento à atriz pela troca daquele momento único na cena potiguar.

Com as palavras ditas daquela forma não temos palavras. O cenário clean, sépia, só contrastava com o vermelho escarlate do vestido de Clarice, digo Beth. Muito obrigado. Poucos adereços para tão grande desenvoltura cênica. Joana, umas das Clarices, era impetuosa e, Lucrécia, seu alter ego. Joana gostava de matemática. “Deus devia ser um matemático”.

Mesmo com um teatro imenso para um monólogo e um espetáculo intimista, a atriz não perde o time e segura a atenção de uma plateia atenta e selecionada.

Houve, em minha opinião, um certo exagero na caracterização da atriz com Clarice. Não é preciso incorporar o outro para representá-lo.

O teatro é amplo para um monólogo intimista. A atriz que tinha dificuldade para dormir tomava muito remédio. Casou e separou e ficou com o amor filial que completa a mulher. Nascemos para fazer o bem e servir o outro.

‘O ovo e a galinha’ se complementam, para lembrar um de seus contos eternos de ‘A legião Estrangeira’:

“De manhã na cozinha sobre a mesa vejo o ovo. Olho o ovo com um só olhar. Imediatamente percebo que não se pode estar vendo um ovo. Ver o ovo nunca se mantém no presente: mal vejo um ovo e já se torna ter visto o ovo há três milênios. – No próprio instante de se ver o ovo ele é a lembrança de um ovo. – Só vê o ovo quem já o tiver visto. – Ao ver o ovo é tarde demais: ovo visto, ovo perdido. – Ver o ovo é a promessa de um dia chegar a ver o ovo. – Olhar curto e indivisível; se é que há pensamento; não há; há o ovo. – Olhar é o necessário instrumento que, depois de usado, jogarei fora. Ficarei com o ovo. – O ovo não tem um si-mesmo. Individualmente ele não existe.”

Clarice não gostava de dar entrevista. Era reservada. Mesmo assim, na peça e na vida, é nas entrevistas que ela mais se mostra. Ziraldo entrevistando-a, perguntou:

– O que é um amigo?

Ela responde:

– Uma pessoa que me veja como eu sou. Que não me mistifique. Que me permita ser humilde

– Te incomoda ser tratada como uma pessoa ilustre, né?

– Muito elogio é como botar água demais na flor. Ela apodrece.

– Assusta?

– Morre.


ILUISTRAÇÃO: Arte Lunetas

Damata Costa

Damata Costa

Professor de Física da UFRN. Poeta. Amante da literatura, dos livros e das artes.

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