Cellina Muniz: uma das “mais desenvoltas contistas do Estado”

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A escritora Cellina Muniz dispensa apresentações; como pesquisadora desenvolve estudos sobre humor e imprensa alternativa, professora do Departamento de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da UFRN. Publicou inúmeros artigos, ensaios e capítulos de livros, além das obras voltadas para pesquisas acadêmicas como, por exemplo, Nietzscheanismos (2009), Fanzines: autoria, subjetividade e invenção de si (2010), Na tal cidade do humor (2013) e Notícias da Jerimunlândia: a imprensa de humor em Natal na Belle Époque (2016).

Reconhecendo a importância da pesquisadora, pretendemos, no entanto, abordar a Cellina Muniz como artista da palavra, autora das obras ‘O livro de contos de Alice N.’ (2012), ‘Uns contos ordinários’ (2014), e mais recentemente, ‘Contos do mundo delirante’ (2018).

CELLINA MUNIZ – UMA CONTISTA VEROSSÍMIL

Contista firmada, Cellina tem como suas principais características narrativas o humor, a crítica à sociedade, o pitoresco e a ironia, tudo dentro de um ambiente urbano. A narrativa leva o leitor para o universo ficcional criativo, todavia muito próximo da realidade.

A propósito o filósofo grego Aristóteles, na Poética, um dos textos mais conhecidos sobre o conceito de arte literária, afirma que arte é imitação. E justifica: “O imitar é congênito do homem, e é isso que o difere dos outros viventes, pois, de todos, é ele o mais imitador e, por imitação, aprende as primeiras noções, e o os homens se comprazem no imitado”.

Ou seja, o imitar faz parte da natureza humana e os homens sentem prazer nisso. Todavia, precisamos compreender o conceito de arte como imitação. Aristóteles afirma que não é oficio do poeta (artista da palavra) narrar o que aconteceu, e sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade.

Compreendemos que o artista da palavra, recria a vida, mostrando-nos não como ela é e sim como ela poderia ser, dai o artista cria as obras de ficção. Ora, como todos sabem, a palavra ficção vem do latim, fictionem e significa o ato ou efeito de fingir, de simular; é produto da imaginação, da invenção.

Em face do exposto podemos classificar a narrativa de Cellina Muniz como verrossímil, pois guarda muitos pontos de contato com a realidade, os fatos narrados aproximam-se bastante da realidade, fazendo que o leitor sinta, presencie o acontecimento, como se estivesse vivendo-o, por exemplo, no conto “Operário-Padrão”, narra-se a estória de um personagem, que sentado no banco de uma praça, relata para alguém ter sido porteiro e que foi demitido, por dar em cima das secretárias que iam trabalhar nos apartamentos do prédio.

Entendemos também que os contos de Cellina, no seu universo ficcional, criam uma realidade mais ampla que a realidade concreta e palpável que conhecemos. Por meio da sua ficção podemos nos transportar para um universo em que certas situações nos parecem um pouco absurdas, como no conto “Catrevagens e Cotovias”, mas são perfeitamente plausíveis. Nesses casos os contos apresentam uma lógica interna, e o leitor acaba aceitando como verdade o universo ficcional da autora.

HUMOR E A REALIDADE

Alguns dos contos partem do pressuposto de que, o humor, parece servir como estratégia de desconstrução dos conceitos usuais atrelados aos fatos cotidianos e, também são, na verdade, de reflexão sobre a condição humana. Talvez este seja um dos pontos mais fortes na narrativa da autora, além claro, da crítica social. Outro aspecto digno de nota na narrativa de Cellina Muniz, é a linguagem literária. Interessante observar como ela usa os recursos linguísticos em favor do texto e os emprega em cada tipo de discurso.

Nos textos literários, com predomínio da linguagem, existem aspectos que devem ser considerados e neles se acha o diferencial da autora: as particularidades da narrativa da sua narrativa, como, por exemplo, a conotação das palavras, certa complexidade (entenda-se que a literatura não tem a obrigação de dar às palavras o seu sentido exato), a plurissignificação, dentre outros aspectos. O mais interessante de tudo isso é a própria experiência estética que textos dessa natureza podem nos trazer.

Narrativas inteligente e criativas erguem seu mundo imaginário, valorizando, de modo especial, os seus personagens. Observamos após a leitura dos contos de Cellina Muniz, por exemplo, os excelentes “A Grande Ocasião”, “Nada de Novo Sob a Lua”, além dos já citados, que a autora consegue o máximo de significados, em uma narrativa moderna, inclusive, em alguns momentos, assaz criativos, dialogando/homenageando de forma irreverente outros autores, como Câmara Cascudo, Juvenal Antunes, Paulo Mendes Campos, Lima Barreto, Belchior…

MERGULHO NA EXPERIÊNCIA HUMANA

Na obra “Notas de teoria literária” (1978. p.31), Afrânio Coutinho nos diz que a ficção distingue-se de outras formas, pois é produto simplesmente da imaginação criadora, embora como toda arte, suas raízes mergulhem na experiência humana. Mas o que a distingue sobremodo das outras formas de escrita é que ela é uma transfiguração ou transmutação da realidade, feita pelo espírito do artista, num imprevisível e inesgotável laboratório. Para Coutinho, a ficção não pretende fornecer um simples retrato da realidade, mas antes criar uma imagem da realidade, uma reinterpretação, uma revisão. É o espetáculo da vida através do olhar interpretativo do artista. Tal como acontece nos contos de Cellina Muniz.

A intimidade da escritora com as palavras, e a desenvoltura com o fluir do conto curto deram à sua prosa um ritmo singular (não temos visto, pelo menos aqui no Estado, escritoras com o estilo e a desenvoltura, no CONTO, que Cellina possui). Entendemos que a flexibilidade do conto oferece essa possibilidade, pois, o conto é um gênero literário sobremodo maleável, podendo se aproximar da poesia e da crônica. Enfim, o gênio Mário de Andrade defendeu que “conto é tudo aquilo que o autor batizar com o nome de conto”.

Vale dizer, ainda, que a escritora tem contos de sua autoria inclusos nas obras Humor no Conto Potiguar, de Manoel Onofre Júnior, e Novos Contos Potiguares, de Thiago Jefferson Galdino, dentre outras coletâneas.

Todos esses quesitos relevados na prosa de Cellina a colocam entre os principais nomes da literatura produzida aqui no Estado.

Thiago Gonzaga

Thiago Gonzaga

Pesquisador da literatura potiguar e um amante dos livros.

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