Cartas Obscenas de Linda Baptista
Carlos de Souza
Organização Alex de Souza
Sebo Vermelho
Natal
2023
A publicação póstuma das primeiras crônicas de Carlos de Souza já é um dos mais importantes (senão o mais importante) acontecimento literário aqui da taba de Poty em 2023.
E não apenas porque Carlão foi, para quem teve a felicidade de compartilhar sua amizade, essa figura humana extraordinária dotada de uma generosidade intelectual sem parelha nessa aldeia de vaidades insuspeitas que é Natal, mas porque seus primeiros escritos, publicados em formato de cartas na Tribuna do Norte e resgatados dos arquivos daquele saudoso diário pelo seu filho, Alex de Souza, nos transportam para uma margem no tempo e uma fronteira no espaço que merecem mesmo se cronificar na memória literária da cidade.
A Natal de Linda Baptista (pseudônimo usado por Carlão nas cartas enviadas a TN) na virada dos anos 80 para os 90, era uma encruzilhada entre o quintal e o mundo, a um só tempo cercada por personagens provincianos que habitavam a pequena e exuberante fauna intelectual da cidade, mas também arejada pela brisa cosmopolita que soprava de outros litorais.
Com ironia fina e com a mira certeira do jornalista, Carlão aponta não apenas para a pequenez das futricas intelectuais da época, mas também para os ecos do que circulava pelo mundo naquele Zeitgeist de fim de século.
Referências a Godard e o Je Vous Salu Marie, andam lado a lado com o revivel do cool Jazz de Chet Baker, com a redescoberta dos The Doors depois do Apocalipse Now de Coppola; com a fama de Mickey Rourke (galã descolado do período), com a poesia Paulo Leminski e com o pensamento de Roland Barthes (novidade acadêmica que surfava na onda francófila produzida após o Maio de 1968).
O texto de Carlão se conecta com tudo isso e se antena com a parabólica pós moderna que reverberava pelos ares daquela aldeia ainda escondida do mundo por um cinturão de Dunas.
Para mim, que tinha 13 anos quando, em 1987, as cartas de Lida Baptista foram publicadas na Tribuna, retornar até as esquinas daquela Natal de nunca mais foi uma experiência tão intensa e emotiva quando imaginar a voz de Carlão, entre um e outro gole de cerveja, contando todas aquelas histórias e transitando por todas aquelas veredas poéticas, literárias e musicais que aparecem pelo texto.
Gente que, como eu, ama a literatura e que nasceu e cresceu nessa cidade feita de vento que é Natal, só tem a agradecer o trabalho de Alex de Souza e o esforço de Abimael Silva em colocar no mercado essa preciosidade, que são as cartas “ob-scenas” (mais uma referência à Barthes) de Linda Baptista.
Só deixaria aqui sugestão para as próximas edições…
O livro demanda notas como aquelas que o saudoso Cláudio Willer fez para a edição do poema Uivo, de Allen Ginsberg publicado pela L&PM, em 1984. Muitos dos personagens e das alusões a lugares (como a referência ao “Tahiti” que também era um motel aqui da capital potiguar e não apenas a ilha de Paul Gaugin) e acontecimentos (como a arenga de Jarbas Martins com Nei Leandro de Castro nas páginas da Tribuna do Norte) precisam de uma contextualização.
Obviamente que, para gente como eu, chegando nos 50, a memoria dos personagens citados por Linda Baptista e dos acontecimentos da época ainda está firme; mas para as novas gerações de leitores que não viveram naquela Natal de fim de século seria interessante um mapa como o que Willer fez para apresentar ao público brasileiro os personagens e acontecimentos da geração beat.
Até para que a areia do tempo, onipresente nessa cidade vendaval que “não suporta ser província e tem essa insaciável mania pelo que é de vanguarda”, não soterre mais uma vez as pérolas que a gente encontra seguindo a trilha do texto de Carlos de Souza.