O jornalista Carlos de Souza, o Carlão, virou notícia. E da pior maneira, quando a velha indesejada surge sei lá de onde. E numa sexta a qual ele sentaria num boteco de estima e tomaria seus porres despreocupados.
Muitos se dizem underground, mas a maioria veste a roupa de alternativo por puro fracasso. Se conseguisse oportunidade no olimpo do mainstreem, estaria lá. E não que seja errado buscar a “massa”, mas soa falso.
Carlão era um verdadeiro underground, desses que viviam mesmo à margem da moda. Contava 60 anos e desde sempre foi assim. Tinha sua estética própria, simples, alimentada por livros e cerveja. Era um boêmio e leitor, e isso bastava.
Dividi poucas vezes uma mesa de bar com Carlão. Numa delas, no Bardallos, ele me convidou assim que cheguei. Estava acompanhado de uma moça e já “alterado”. Foi quase um monólogo e eu adorei o “discurso” de palavrões e filosofias, as tirações de onda.
Quando entrei na Tribuna do Norte pela primeira vez para um teste de estágio, ainda em 2002, foi a primeira pessoa que vi. Cabelo grisalho, jeito bonachão… uma figura fácil de se aproximar. Guardei minha timidez e falei de minha admiração por seus textos. Era leitor de Carlão desde quando sequer pensava em jornalismo. E ele soltou um “home, deixe de onda, senta aí”. Comentei que já escrevia crônicas no Poti e ele alertou que jornalismo era bem diferente, que eu iria aprender muito ali. Não aprendi porque foram poucos dias, ainda estava “muito verde”, segundo Carlos Peixoto. Mas recordo de sair de lá com sentimento de que a curta experiência na TN tinha valido só por ter conhecido Carlão.
A TN foi a casa profissional de Carlão, onde figurou como repórter, editor e colunista. Mas o cara tem bons livros publicados, nas searas de poesia, contos e ficção. Li apenas Cachorro Magro (poesia, 1999), muito bom! E até hoje tenho curiosidade em ler ‘Urbi’, de contos, muito elogiado.
Dividiríamos a edição da revista Ginga, idealizada por César Revorêdo na Funcarte. Estaríamos mais próximos e de certo tomaríamos algumas brejas pós-trabalho. Mas a publicação não vingou, infelizmente. Seria um aprendizado jornalístico e boêmio.
Mas seu legado maior não são os livros, as reportagens, os textos, mas a figura humana querida por todos; um cara que debochava dos luxos da vida e se agradava com o pouco que lhe preenchia; um socialista convicto desejoso de leitura e o mesmo copo cheio de cerveja para todos; um poeta beatnik de estrada provinciana; um boêmio livre porque a boemia carece mesmo dessa liberdade e sempre convida a noite para dançar. E Carlão era desses dançarinos da noite, que tirava onda com a vida e gozava as horas, os segundos.
Que esse espírito hedonista do Dom Carlon seja seu maior legado, seu exemplo; o “mais valia” da vida de um cara que abraçou tudo e todos como um verdadeiro underground.