A atual Rua Chile localiza-se no bairro da Ribeira. Trata-se de um dos primeiros logradouros públicos daquele bairro. Existe registro de concessão de terras naquele local, pelo Senado da Câmara do Natal, desde 1731.
No decorrer do século XVIII foram solicitadas 69 datas de terra naquela rua. A preferência dos suplicantes justificava-se principalmente, pelo fato da rua margear o rio Potengi, sendo frequente verificar-se a expansão de uma cidade, paralelamente ao curso de um rio.
Rua da Praia
A atual rua Chile constituía o caminho natural para a Fortaleza dos Reis Magos. Sua primitiva denominação foi Rua da Praia, devido à presença do rio Potengi.
O topônimo Rua da Praia apareceu pela primeira vez, em um registro de concessão de terra, em 21 de novembro de 1769. O beneficiário Manuel Gonçalves de Oliveira, desejando ampliar o seu terreno, declarou ser possuidor de “umas casinhas térreas, de taipa, na Ribeira desta Cidade, na Rua da Praia, por compra de Isabel de Barros, cujas casinhas ocupam de fronteira 15 palmos de chão… entre as ditas casas e as de Antônio Cardoso de Moura… juntamente a terra para quintal, e na fronteira até a pancada do mar’’.
Verifica-se, na declaração acima, o tipo de construção de taipa, que deve ter povoado a rua. No início do século XIX, já existiam alguns sobrados de pedra-e-cal. Em 27 de novembro de 1816, Joaquim José da Silva alegava “ser possuidor de uma morada de casas de pedra-e-cal, sitas na mesma Ribeira, na Rua da Praia, da parte do poente… e dela para o sul terá 30 palmos de terras devoluta… pretende o suplicante levantar casa com andar para cima… para desembarque de gêneros que hajam de vir a este porto’’.
Continuou pelo século XIX, a preferência dos habitantes da Cidade, pela Rua da Praia. Até o ano de 1829, já haviam sido doados 15 terrenos destinados à construção de prédios. Multiplicavam-se, então, as edificações de pedra-e-cal destinadas ao armazenamento de mercadorias, principalmente açúcar e algodão, a serem exportadas para outras províncias.
No registro de concessão de terra datado de 14 de março de 1829, o beneficiário Antônio Correia de Melo referia-se àquele logradouro público, como a Rua da Ribeira, denunciando a importância daquela rua para o bairro.
A Rua da Praia teve a sua denominação, posteriormente mudada para a rua da Alfândega, provavelmente após 1863, ano da construção do primeiro cais da Alfândega, naquela rua. O imenso movimento de negociantes na Rua da Alfândega, mudou mais uma vez o topônimo para Rua do Comércio.
De Rua do Comércio à Rua Tarquínio de Souza
O decreto municipal de 13 de fevereiro de 1888, que reviu toda a nomenclatura urbana de Natal, transformou a então Rua do Comércio em Rua Tarquínio de Souza.
Tarquínio Braulio de Souza Amarante nasceu em Papari (atual Nísia Floresta, RN), em 20 de julho de 1839. Era filho do tenente do Exército Francisco José de Melo e Souza e de Ana de Melo e Souza. Bacharelou-se em Direito, em 3 de dezembro de 1857, pela Faculdade de Direito do Recife, recebendo dois anos depois o grau de doutor. Ainda estudante, ensinou Filosofia no Atheneu Norte-Rio-Grandense, e depois de graduado foi Promotor em Natal.
Aprovado em concurso, em 1860, passou a lecionar Direito Eclesiástico e Direito Civil na mesma Faculdade onde se graduara. Foi o primeiro norte-rio-grandense a tornar-se professor em uma Faculdade de Direito.
O imperador Dom Pedro II, em passagem pelo Recife, assistiu às provas do concurso prestado por Tarquínio de Souza, admirando então, a sabedoria demonstrada pelo candidato.
Tarquínio de Souza foi, por três vezes, Deputado Geral pela Província do Rio Grande do Norte, de 1873 a 1877, 1882 a 1885 e 1886 a 1889, além de figurar na Assembleia Legislativa Provincial, no biênio 1858-1859. Fez parte, por duas vezes, de lista tríplice para o Senado, em 1869 e 1876.
Nos últimos anos do Império, o Conselheiro Tarquínio de Souza era o chefe do Partido Conservador na Província. As reuniões do Grupo Conservador eram realizadas na farmácia do Comendador José Gervásio de Amorim Garcia, na atual Rua Chile. Era o conhecido “Grupo da Botica”.
Na visão de Câmara Cascudo, Tarquínio de Souza era um homem “sereno, sisudo, composto, circunspecto… foi um modelo de boa educação e de severidade. Justo, generoso, severo”.
Faleceu no Rio de Janeiro, em 29 de agosto de 1894. Posteriormente, a rua Tarquínio de Souza recebeu a denominação de rua Chile, que é mantida até os nossos dias.
Rua Chile
A atual Rua Chile é um dos mais importantes logradouros públicos do “Centro Histórico de Natal”. Foi uma das primitivas ruas povoadas na Ribeira, e cenário de relevantes fatos históricos ocorridos na Província do Rio Grande do Norte.
O recenseamento realizado pela Intendência Municipal de Natal, em 1897, apontava então a rua Tarquínio de Souza como a mais povoada de Natal, composta por 90 casas, onde residiam 284 habitantes. Ali nasceu, aos 27 de novembro de 1856, Pedro Velho, que seria o primeiro governador do Rio Grande do Norte, após a Proclamação da República.
No último quartel do século XIX, aquela rua abrigava na casa nº 36, a clientela médica do mesmo Pedro Velho, especialista em doenças pulmonares.
Em 9 de julho de 1869, o então presidente da província Pedro de Barros Cavalcanti de Albuquerque, transferiu a sede do Poder Executivo para o prédio de nº 106, da então Rua do Comércio, deixando o palácio de taipa e pedra da Rua da Conceição. À época, o imóvel pertencia ao comerciante Domingos Henrique de Oliveira, sendo alugado ao Governo da Província por 2:000$000 (dois contos de réis) anuais, a partir de 25 de maio de 1869.
No Palácio do Governo, como era conhecido, residiram dezenas de governantes da Província e do Estado. O velho Palácio assistiu às passeatas organizadas pelos Abolicionistas. Hospedou o Conde D’Eu, consorte da Princesa Isabel, para cuja recepção foi nomeada uma comissão de alto nível, encarregada de organizar uma recepção à altura do nobilíssimo visitante.
No dia 11 de agosto de 1889, a rua Tarquínio de Souza achava-se, então a exemplo de toda a Cidade, revestida de pompa. No Palácio da Ribeira, a limpeza e a ornamentação mereceram atenção nos seus mínimos detalhes, tudo isso para que Sua Alteza colhes-se a primeira impressão de nossa Capital.
Proclamação da República no RN
A atual Rua Chile, através do seu expressivo casarão, foi palco da adesão norte-rio-grandense à Proclamação da República, episódio ocorrido às 3:00 horas da tarde do dia 17 de novembro de 1889, quando Pedro Velho foi aclamado Chefe do Executivo, em substituição ao presidente deposto. O novo governante dirigiu-se à janela, de onde saudou às pessoas que dominavam toda a rua, vivenciando aquele momento de alegria e perplexidade. Todos deram vivas à República e ao governador aclamado.
Após a transferência do Governo para o prédio da atual Praça 7 de Setembro, fato ocorrido em 1902, o velho Palácio foi vendido à firma Tasso & Irmão, do Recife. Em seguida foi adquirido pelo ex-presidente da Província, Miguel Joaquim de Almeida Castro. Anos depois, os herdeiros do prédio venderam-no ao comerciante Galileu Pedro Lettieri, que no andar térreo instalou o seu estabelecimento comercial de bebidas e gêneros alimentícios.
Os pavimentos superiores foram alugados, e ali funcionaram uma dependência do Hotel Internacional e um cabaré, o “Wander Bar”. Este foi uma casa alegre de extraordinário movimento, muito frequentada por americanos à época da 2ª Guerra Mundial.
Posteriormente, o prédio foi doado ao Governo do Estado do Rio Grande do Norte. Ele foi restaurado, passando a funcionar como Museu de Arte Popular. Atualmente, abriga a Escola de Dança do Teatro Alberto Maranhão – EDTAM.
Em frente ao antigo “Wander Bar” funcionou o Banco de Natal (futuro BANDERN), quando o mesmo saiu do prédio da Dr. Barata, permanecendo na rua Chile até a construção do novo prédio, na esquina das avenidas Tavares de Lira e Duque de Caxias. No local, funcionou o Hotel Internacional, que pertenceu a Milcíades Bandeira, José de Carvalho, Theodorico Bezerra e Guilherme Lettieri. Era um hotel bastante frequentado, que mantinha um bar de intenso movimento, com afluência de industriais, comerciantes, políticos, fazendeiros etc.
Em 1930, o hotel hospedou a Caravana de Batista Luzardo, que iniciou um comício em uma das janelas do prédio, provocando grande tumulto nas ruas, ocasionando inclusive a morte de três pessoas.
Comércio e alfândega
A atual Rua Chile foi a de maior movimento na Ribeira. As maiores empresas comerciais, industriais e exportadoras se instalaram naquela rua. No antigo Cais da Alfândega era desembarcado todo o tipo de mercadoria, movimento que desapareceu, motivado peta utilização de caminhões como meio de transporte de carga.
No prédio da Alfândega, construído à margem do Potengi, funciona atualmente a Capitania dos Portos e a Sociedade dos Amigos da Marinha. A embarcação que fazia a travessia do Potengi, rumo à Macaíba, era o principal meio de transporte de então, pertencendo ao mestre Antônio.
As principais firmas exportadoras eram: a S. A. Whar-ton Pedroza, que também se dedicava ao beneficiamento de algodão, uma firma inglesa cujos dirigentes eram frequentemente revezados com outros vindos da Inglaterra. O prédio da firma apresentava uma arquitetura interessante e ímpar na Cidade, ocupando os dois lados da Rua Chile, achando-se interligado por uma espécie de ponte no pavimento superior, por onde passavam os fardos de algodão, após o beneficiamento. A firma Dinarte Mariz, também exportadora de algodão, adquiriu o seu prédio das mãos da firma Anderson Clayton.
Funcionou também, na Rua Chile, um jornal político, A “Folha do Povo”, dirigido por Sandoval Wanderley, um dos mais destacados jornalistas da cidade.
Na mesma rua, funcionou uma padaria pertencente a Felipe de Souza, e a “Saúde do Povo”, repartição administrada por expressivas figuras da sociedade médica de então, a exemplo dos doutores Feijó, Pelúsio Pinheiro de Melo, Mário Lira e outros; o Departamento de Correios e Telégrafos; a Junta Comercial, a EMPARN; a fábrica de bebidas dos irmãos Manuel e Cláudio Machado; a Despensa Natalense, grande mercearia que atendia aos moradores da Ribeira; uma distribuidora de automóveis, da firma Faria & Pinheiro.
Em frente ao antigo Hotel Internacional, na esquina das ruas Chile e Tavares Lira, foi construído um prédio com dois pavimentos, onde funcionavam os escritórios da Air France, no período da 2ª Guerra Mundial.
Depois o prédio, foi transferido para a Cook & Cia., e em seguida para a Wharton Pedroza. A firma M.F.do Monte & Cia. dedicava-se à compra, beneficiamento e exportação de algodão, sendo uma das principais exportadoras para as indústrias têxteis do sul do país. A firma Fernandes & Cia de Mossoró, beneficiava, enfardava e armazenava o algodão para a exportação.
Existiam ainda as empresas exportadoras de peles e couros de animais, como Huascar Purcell, firma inglesa gerenciada pelo natalense Deolindo Lima; a firma Epaminondas Brandão; além da empresa Monte e Rebouças Ltda., especializada na industrialização e exportação da borracha de mangabeira e maniçoba, desativada com a morte dos seus sócios, desaparecendo assim, uma indústria de beneficiamento de matéria prima muito abundante no Rio Grande do Norte.
Na atual Rua Chile existiam também firmas dedicadas ao comércio atacadista de tecidos, como João Galvão & Cia., Alves de Brito & Cia., cujo prédio foi substituído posteriormente por uma fábrica de sapatos de José Lagreca. Além dos atacadistas de estivas, como Cunha & Maia, e Loureiro Barbosa & Cia.; e comerciantes de cereais.
A presença do rio Potengi favoreceu o surgimento de um extraordinário esporte aquático, o remo, disputados pelos jovens de então. Naquela rua foi construída a sede do Sport Náutico Potengi, frequentada por desportistas e torcedores, que nos dias de regata invadiam a Ribeira. Além dos competidores, os barcos embandeirados das torcidas estimulavam os remadores e enchiam de graça e beleza o Potengi.
A Rua Chile, que já foi a mais povoada e importante da Cidade e ainda guarda na sua paisagem urbana, belos exemplares da arquitetura do passado, passou um período em verdadeiro estado de decadência.
Em 1996, a Prefeitura Municipal de Natal, com recursos oriundos do Ministério da Cultura, realizou obras de restauração em 45 fachadas de casas daquele logradouro, medida emergencial que restituiu uma atmosfera nova à rua e estimulou a iniciativa privada em investir na área e explorá-la para fins turísticos, a exemplo de outras capitais brasileiras.
ILUSTRAÇÃO: José Clewton do Nascimento