Cumprimentos, cervejeiros compartilhadores!
Existem meios e meios de se beber ou degustar cervejas. Um deles, que particularmente nunca foi o meu preferido, é que se chama “bottle share”. Trata-se de uma forma mais pomposa e americanizada de se dizer “confraria cervejeira”.
Inobstante, o bottle share é uma modalidade de se compartilhar várias cervejas, entre várias pessoas, em que cada uma bebe uma quantidade do que é servido. Até aqui, novidade zero. É uma forma quase que ancestral de se socializar e beber ao mesmo tempo.
Assim, tirando pelo nome em inglês, todo mundo deve conhecer alguém que faça algo parecido, e não necessariamente com cerveja, pode ser com vinhos, whiskies, cachaça, e, até mesmo, com cafés especiais (com a única peculiaridade que nesse caso não há “bottle” – garrafa – a ser compartilhada entre os participantes.
Os pontos positivos em se participar de um bottle share parecem bem fáceis de serem identificados. É uma forma “acessível” de se provar ao mesmo tempo muitas cervejas diferentes. Pressupondo-se, obviamente, que cada participante leva uma cerveja diversa para ser bebida (ou seja, não é bottle share quando seu cunhado faz um churrasco, leva Itaipava e bebe sua Heineken).
Porém, o que busco debater no texto de hoje, um pouco mais profundamente, são algumas distorções feitas em alguns bottle share’s, em específico, a quantidade ínfima de cerveja por participante e a mercantilização da modalidade, ou, o bottle share pago (mas trarei mais minúcias no momento oportuno sobre isso). Assim, convido-os a mais uma breve leitura.
A quantidade ideal de cerveja por participante
Existem muitas variáveis que influenciam a formação de um bottle share cervejeiro, e, que, consequentemente, afetam o sucesso ou insucesso da empreitada. Por mais que esses elementos sejam de uma grande amplitude, o mais relevante, creio eu, seja a definição da quantidade de participantes e a quantidade de cervejas a serem degustadas.
Se forem poucas pessoas e muitas cervejas, corre-se o risco do excesso e da consequentemente embriaguez (ainda que esse risco possa vir a ser mitigado pelo simples bom senso de se parar antes disso). Contudo, o maior problema pode ser o inverso.
O bottle share pode acabar virando uma degustação de conta-gotas, ou, como descrevi no título do texto, um bottle share de conta-gotas.
Acredito ser difícil mensurar exatamente qual a quantidade ideal mínima de cada cerveja por participante. Na verdade, inexiste um critério fixo, levando em conta que os mais diversos estilos de cerveja vão ter teores alcoólicos diversos, impactando diretamente no total consumido ao final.
Contudo, acredito ser viável definir uma quantidade mínima de cada espécime cervejeira por participante. Não raramente, já vi bottle share estimando uma quantidade de 25 a 50 ml por participante, em cada cerveja a ser aberta. Esses quantitativos são deveras insuficiente.
Para chegar a essa conclusão não é difícil, basta ter em conta que a maioria das medidas de taças de “taster’s” (ou, degustação) variam entre 60 e 80 ml. Ademais, uma taça ISO, utilizada comumente para degustações e avaliações possui 220ml, tirando-se por base que é servido 1/3 de seu volume, o total aproximado seria de 75ml, um pouco mais que o meio termo do volume médio das taster’s.
Assim, qualquer bottle share que estime menos que 60ml pode ser tido como insuficiente, já que sequer será possível recordar apropriadamente os aromas e sabores de cada uma das cervejas degustadas, principalmente quando se empilham cervejas aos montes apenas para completar figurinhas no Untappd.
Levando gato e bebendo lebre
Outro problema recorrente do bottle share tem a ver com o compromisso de cada participante em levar cervejas do mesmo nível para serem degustadas. Essa problemática costuma ocorrer quando a escolha é simplesmente livre e cada um leva o que quer.
Dessa forma, por mais que a quantidade a ser degustada não seja especificamente um problema, a questão narrada na introdução sobre as Itaipavas e as Heinekens do churrasco pode acontecer, de maneira similar. Ou seja, leva-se gato, mas se bebe lebre.
Dito de outra maneira, leva-se uma cerveja muito boa para se degustar a do colega que levou algo bem abaixo do esperado. Algo bem aquém das demais a serem servidas, por exemplo. Em regra, todos os problemas relacionados às degustações cervejeiras, de uma maneira ou de outra, passam por alguma questão de bom senso.
Se todos tivessem bom senso, nenhum bottle share seria de conta-gotas. De maneira parecida, em nenhum bottle share haveria discrepâncias salutares entre os níveis das cervejas a serem bebidas pelos participantes. Quando alguém leva uma lebre para beber o gato do coleguinha todos acabam perdendo, e o próprio bottle share finda por ser desvirtuado em seu escopo mais próprio.
O Bottle Share comercial: pague e beba (pouco)
Apesar de eu indicar terminologicamente essa modalidade como sendo uma espécie de bottle share, na verdade, trata-se mais de uma forma de desvirtuamento de bottle share. Em sua essência, o bottle share é a reunião de pessoas com a intenção em comum de provar e degustar cervejas diversas. Para tanto, cada um se compromete a levar uma cerveja sua para que todos possam, de forma compartilhada, provar a do outro.
Porém, existem algumas modalidade de bottle share em que as coisas não acontecem dessa maneira. Pois alguém, com a intenção de lucrar em cima da reunião, organiza o bottle share, seja com cervejas de sua própria adega ou fornecendo cerveja de “mala-amiga” para serem compartilhadas mediante um pagamento prévio.
Acredito que não precisa ser gênio para imaginar que essa modalidade de “bottle share pago” é aquele em que normalmente são servidos menos de 50ml de cada amostra de cerveja. Afinal, o intuito aqui é lucrar e não compartilhar. Subverter a essência do bottle share cobrando pelo acesso, já que, bottle share pago não é algo verdadeiramente compartilhado.
Mas, claro, quem organiza esse tipo de reunião vai sempre tentar vender a “raridade do momento” ou a “dificuldade de acesso às cervejas”, como se isso fosse um bottle share ou como se ele fosse um vendedor de sonhos…
Há de se fazer uma breve separação entre esse tipo de bottle share pago com aquela outra modalidade em que as pessoas acordam previamente que uma delas seja encarregada de adquirir as cervejas em um site da cervejaria ou em seu brewpub para quem posteriormente sejam bebidas conjuntamente. Por não haver um lucro sobre o evento, é fácil separar as modalidades como diversas entre si.
Saideira
Bottle share: há quem ame-os e há quem não lhes seja muito simpático (eu). A sua grande valia é a oportunidade de se degustar (e até mesmo comparar cervejas de estilos similares ao mesmo tempo) várias cervejas de uma vez.
Teoricamente, quando feito de forma adequada e compartilhada, o bottle share se converte em uma oportunidade de reduzir custos e se provar cervejas de acesso mais restrito, em uma forma de confraria. Desde que as quantidades sejam adequadas, e não haja apenas uma bebericagem de migalhas de cada rótulo, é possível que o bottle share atinja perfeitamente aos seus objetivos traçados.
Possivelmente, um problema maior é quando o bottle share é desvirtuado de seu caráter compartilhado quando algum esperto vende o evento do compartilhamento falseado, o que outrora foi denominado de “bottle share pago”.
O contrassenso nesse caso é patente, e deixa de haver o levar e o beber em compartilhamento apenas para se pagar a entrada em um evento qualquer, provavelmente servindo quantidades ínfimas e inflacionadas de algumas cervejas importadas.
Fujam desse tipo de coisa.
Recomendação Musical
Sem mais delongas, a recomendação musical de hoje é aquele conselho que toda mãe dá aos seus filhos: Don’t Talk to Strangers, de uma das maiores vozes do heavy metal: Ronnie James Dio!
Saúde!
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CRÉDITO DA FOTO: Postado no site Clube do Cervejeiro
2 Comments
Perfeito o texto, Xará!
Valeu, amigo!!! Agradeço a leitura 🍻🍻