Tempus regit actum: bebendo cervejas com a devida calma

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Saudações, cervejeiros que bebem com calma! O texto de hoje é para vocês.

O tempo rege o ato. Essa é a tradução mais próxima do brocardo (ditado) latino utilizado pelo “juridiquês” (tempus regit actum) atual para expressar a conformidade do tempo com as ações humanas (no processo).

Tudo que fazemos na vida é regido pela sucessão de momentos que costumamos chamar de tempo. Existem mil e uma teorias filosóficas e científicas que tentam explicar o que é o tempo e como se dá o seu transcurso.

Hoje, falaremos de algo ligeiramente diferente. Não falaremos sobre o quê (é o tempo), e sim, brevemente, para não tomar-lhes muito tempo, do porquê (que devemos dar tempo ao degustar uma cerveja), principalmente, se for uma cerveja artesanal.

Isto é, bebendo cervejas com a devida calma necessária.

Assim, calmamente, pegue uma cerveja e deguste lentamente o texto!

Dar tempo ao tempo e deixar a cerveja “aparecer”

Antes que uma legião ensandecida de antípodas obtusos invada os comentários e comece a dizer que eu estou querendo ditar regras sobre como beber sua cerveja, antecipo, não se trata disso.

Você pode beber sua cerveja na velocidade da luz, pode beber ela estupidamente gelada e tão rapidamente que seu cérebro congele. Ou se você acha que o correto é nem deixar a cerveja mudar de temperatura a ponto de ter que ser bebida instantaneamente…

Eu não me importo como você vai beber sua cerveja, juro!

Apenas vou expor outra possibilidade de se apreciar uma boa cerveja.

A possibilidade que eu quero levantar demanda algo que muitos dizem não ter, mas quem quer arruma: tempo. Pois, para poder se degustar apropriadamente uma cerveja, procedendo a uma análise sensorial minimamente eficiente, demanda-se ter uma oportunidade de tempo adequada.

O tempo faz com que as coisas se transformem, no caso do tempo dado às cervejas, faz com que alguns parâmetros mudem, quando se compara o início da degustação e o seu final. A temperatura, a espuma, a carbonatação, e, dependendo do estilo, até mesmo a oxidação, mudará o que a cerveja tem a oferecer.

Então, posso dizer que degustar uma cerveja com tempo faz com que ela “apareça”. Ela vai mostrar algumas nuances inexistentes no início da degustação, e isso faz toda a diferença.

O tempo, a pressa e a perfeição

Diz o ditado popular, mais universalmente conhecido do que aquele que eu citei no título do texto, que: A pressa é inimiga da perfeição.

Primeiramente, há de se compreender que o ditado mencionado é errado por si mesmo. Já que perfeição não existe. Daí ele ser um paradoxo linguístico construído sobre uma premissa falsa.

Secundariamente, e de modo a contradizer o paradoxo, o ditado é correto. Principalmente quando se está falando de cervejas e da cultura cervejeira artesanal como um todo.

Quando paramos para pensar que uma cerveja Barrel Aged pode demorar mais de 12 meses, às vezes 14, 24 ou até mesmo 36 meses maturando. Em barris, das mais diversas madeiras, que continham destilados ou vinhos, chegamos à compreensão que a paciência é um dos melhores ingredientes.

Sem dar o tempo adequado para que as cervejas maturem e extraiam o que há de melhor dos seus ingredientes, dos seus adjuntos, ou das técnicas de envelhecimento aplicadas ao conjunto, não podemos esperar resultados maravilhosos.

Por mais que a perfeição, em seu rigor de linguagem conceitualmente inexista. O que há de mais próximo nisso só é alcançado sem pressa. Dando tempo ao tempo, e dando tempo às cervejas, belíssimos resultados são alcançados. Somente sem pressa e com muito esmero, cervejas fantasticamente envelhecidas chegam aos nossos copos e taças.

Bebendo com calma, bebendo com tempo à disposição

A equação que envolve o cálculo do tempo disponível com as cervejas que planejamos beber nem sempre é algo fácil de resolver. Qualquer pessoa que já esteve em um evento cervejeiro em que haviam cervejas excepcionais à disposição sabe o quanto é difícil resolver esse enigma.

Por mais complexa que a situação seja, a resposta certa é: não exagerar.

Inobstante, o fundamental a se compreender é que beber ou degustar uma cerveja com tempo para tanto é um ato altruísta para consigo mesmo, por mais egoísta e paradoxal que isso possa parecer.

Decerto, somente apreciando as cervejas com o tempo necessário para tal é que se é capaz de notar as nuances mais sutis. Observar as notas de cada cerveja e perceber se elas, de fato, encaixam-se ou não no estilo proposto para a cerveja.

Claro que uma degustação mais aprofundada assim requer outros pormenores, como um espaço adequado, taças apropriadas, porém, o elemento principal de tudo isso é o tempo. Sem tempo à disposição para proceder a uma degustação mais detida, de nada adianta os demais elementos citados.

É o tempo que permite tudo florescer ou esvaecer. É sob sua égide que as boas cervejas surgem, e também é sob seu jugo que elas oxidam. Então, degustem com tempo, apreciem o momento em sua singularidade.

Saideira

Como tudo que está à mercê do tempo acaba, o texto já finalizou. Acabou que nem tomei muito tempo de quem leu.

Mal deu tempo de abrir uma cerveja e o texto findou. Ainda assim, fica a dica para dar tempo para o florescimento das cervejas. Tudo que é bom demanda tempo, seja para a criação ou para a degustação.

Ademais, a premissa é inteiramente válida para as cervejas, como bem foi analisado no decorrer temporal da progressão do texto.

Assim, degustem com tempo e aproveitem cada segundo as suas cervejas!

Recomendação Musical

Certamente que a recomendação musical teria a ver com algo “temporal”.

Dessa forma, a recomendação e hoje é o cover da música Got The Time, originalmente escrita por Joe Jackson, e melhor executada pela banda de thrash metal, Anthrax!

A tradução da música, ter tempo, é justamente o que casa com o texto!

Confesso que nem sou fã dessa banda, mas essa música ficou estupenda!

 

 

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

Sigam-me no Untappd (https://untappd.com/user/Ericksen) para mais avaliações cervejeiras sinceras, sem jabá (todavia, se for dado, eu só não bebo veneno).

A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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