Beba menos, beba melhor: em defesa da moderação cervejeira

beba melhor

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Saudações, bebericadores semiprofissionais!

O título do texto de hoje é bastante explícito, não deixa muita margem de seu conteúdo… todavia, por mais que seja algo a ser repetido em uníssono, muitas e muitas vezes, tal qual um mantra, é algo que eu ainda vejo certa necessidade em ser revisitado!

O mercado das cervejarias artesanais é o ambiente propício para que se beba menos, mas que se beba de uma forma melhor, ou seja, produtos de maior qualidade, cervejas melhores, mais bem elaboradas, com bons insumos, com estilos variados, enfim, com todo apreço e esmero possíveis de serem aplicados ao ato de “degustar” e não de simplesmente “beber”.

Degustar acaba sendo o sinônimo de beber melhor, beber com mais qualidade, saber apreciar bebidas com um grau mais elevado de complexidade e que agreguem mais em harmonizações gastronômicas. Ou seja, degustar é mais do que simplesmente beber por beber, ou beber para “se saciar”, ou, no popular, beber para “encher a lata”. Degustar não é se embriagar, é justamente nesse quesito onde mora o “beber melhor”, ao se beber menos, se bebe melhor porque se aprecia melhor aquilo que é degustado.

Assim, no texto de hoje vamos abordar as nuances que envolvem as degustações cervejeiras, e a perspectiva do mercado, que também assume a bandeira do beber menos, mas beber melhor.

Um Ícone religioso pop no movimento do “beba menos, beba melhor”

O papa é pop! Já dizia a música do Engenheiros do Hawaii… e não somente o papa, eu diria.

Por mais que soe um pouco contraditório, encampar a defesa de uma degustação mais elaborada, na qual se bebe menos (em quantidade), mas, que se bebe mais (em qualidade), é algo que a maioria das cervejarias (ao menos as artesanais) se dedica a fazer diuturnamente (ou deveriam, caso ainda não o façam). Aliás, até mesmo grandes cervejarias e conglomerados como a AmBev, também passam a se dedicar à essa perspectiva de redução quantitativa em prol de uma degustação mais bem feita.

A inspiração do texto em curso foi justamente o anúncio que a AmBev havia contratado a Monja Coen, do Zen Budismo Japonês, como embaixadora da moderação (cervejeira) – verdade seja dita, eu também fico bem Zen quando degusto minhas cervejinha…

Algumas pessoas no meio cervejeiro trataram a situação como se fosse um opróbrio que um líder religioso pudesse liderar tal campanha. A propósito, como se fosse um pecado ao líder religioso sequer degustar uma cerveja ou falar sobre tal tema (em que mundo vivemos, meu Deus?).

Muitas críticas foram tecidas, calcadas na suposta incongruência de um conglomerado cervejeiro defender a moderação, já que um aumento das vendas reflete diretamente no aumento do lucro, e nesse mundo de Mammon, tal premissa é a única razão de viver dos seres que respiram (um viva aos magos “CAPETAlistas”!). Nessa lógica tacanha, um mundo de alcoolatras seria o ideal, já que o consumo altíssimo se reverteria, automática e claramente em mais lucros e mais ganhos. De modo que não seria aceitável defender a moderação (no consumo de bebidas alcoólicas, principalmente de cervejas que costumam ser ingeridas em maior quantidade) quando o objetivo primordial é vender mais (cerveja) para que os bebedores façam aquilo que já fazem, ou seja, bebam mais.

De fato, pouco me importa (aliás, pouco me interessa) a religião professada por ela, que, na verdade, é um ícone pop religioso. Tanto quanto não me interessaria se a campanha fosse feita por líderes de outras religiões, como, por exemplo, Padre Fábio de Melo ou Henri Sobel, para citar figuras midiáticas judaico-cristãs. O mais interessante é reparar na mensagem passada, que a campanha de marketing da AmBev busca atingir, ao veicular a Monja Coen e a premissa da moderação. Esse ponto é muito mais relevante do que saber exatamente quem está veiculando o que está sendo dito, poderia ser um ícone religioso cristão, do candomblé, da Fé Ba’hai, ou um ateu/agnóstico (até mesmo o Bispo Edir Macedo ou o Malafaia!), se qualquer um deles repassasse a mensagem do “beba menos, beba melhor”, eu o apoiaria (o apoio se restringiria única e exclusivamente nessa questão em específico, ressalve-se!).

O papel social desempenhado pela Monja em prol de se beber com moderação suplanta qualquer barreira religiosa ou ideológica.

Como diria Arnaldo Cezar Coelho: a regra é clara! (O pior que nem é, se assim o fosse, ainda usaríamos o adágio latino do: In claris cessat interpretatio). Se defendeu o beba menos, beba melhor, está valendo! Claro que um ícone pop (ainda que religioso) defender isso soa ainda mais estridente, e mais visceral, mas a moderação e a consciência da necessidade da moderação é algo que transcende as fronteiras da religião e da própria cerveja!

Bebendo menos na quantidade e mais na qualidade

É o óbvio ululante que as cervejarias querem aumentar seus lucros. Isso é algo que não se deve questionar quando campanhas publicitárias são feitas em prol do “beba menos, beba melhor”. Todavia, por mais que o lucro seja a finalidade específica de tais campanhas, há de se dar o crédito pela promoção da cultura cervejeira, algo que vem a reboque de todo o frisson criado ao redor de tais promoções publicitárias.

Se por um lado, o “beba menos, beba melhor” é um desincentivo ao consumo exacerbado individual, por outro, preza pelo aumento de receitas em duas vertentes: na compra de cervejas melhores (ou seja, cervejas mais caras, que apresentam um elemento qualitativo maior, em detrimento das cervejas de massa); e na difusão da cultura cervejeira (quanto mais gente comprando, mais se lucra, menos que se venda menos para uma pessoa só).

Quem começa a se embrenhar no mundo das “cervejas artesanais” (ou “especiais”, como prefiram chamar) logo de cara nota a grande diferença em termos monetários. Enquanto que uma cerveja de massa usualmente não chega a uma dezena de reais (na cotação de hoje, 18/08/21), uma cerveja artesanal muito provavelmente não vai custar menos que isso, provavelmente custará o dobro, o triplo, ou o décuplo, a depender do estilo, da disponibilidade e de outros fatores qualitativos (mais ou menos abrangentes, a variar em função da própria cerveja escolhida).

Ou seja, ao embarcar na premissa do “beba menos, beba melhor”, sabe-se, logo, de imediato, que escolher beber menos também significa, de plano, também dispender um valor maior pelo que se está bebendo. Bebe-se menos, paga-se mais.

Todavia, o cálculo envolvido no beber menos, mas beber melhor, não fica adstrito, unicamente, à aritmética prosaica do menos garrafas e mais dinheiro (pago). Seria idiossincrático e futre abordar a questão meramente por esse viés reducionista. Os termos de ganhos em qualidade superam, em muito, a experiência trivial das cervejas que se bebe muito, que se bebe em quantidades homéricas.

Há quem diga que essas cervejas para se beber até passar mal (cervejas de massa) sempre possuem um nicho direcionado (algo que eu discordo), e que seus consumidores sempre existirão (nesse ponto, eu até concordo, porque coisa ruim pode vender bastante, sempre). Contudo, a mudança de mentalidade promovida por campanhas como a da AmBev buscam alterar profundamente esse cenário.

De outra banda, o intuito de difundir a cultura cervejeira, por si só, é deveras nobre. Logicamente que ele se encontra atrelado à expansão do mercado cervejeiro artesanal (que ainda engatinha, em seu prognóstico econômico mais amplo, tendo bastante para onde crescer). A expansão mercadológica pretendida, portanto, passa necessariamente por um incremento cultural, não há como se distender o mercado cervejeiro de massa por meio de um consumo consciente da cerveja, sem que, por outro lado, preze-se por cervejas de maior qualidade (cervejas artesanais).

As cervejas de maior qualidade, que são o conteúdo essencial do que se pode denominar de mercado cervejeiro artesanal, necessita dessa mudança de mentalidade, a qual se transforma, por tabela, em uma mudança de hábitos de consumo, de hábitos culturais cervejeiros propriamente ditos. Consumir melhores cervejas, em menor quantidade, prezando por atributos qualitativos; esses são os elementos-chave de qualquer campanha publicitária cervejeira que incentive o consumo moderado e consciente de cerveja.

Saideira

Beber menos, mas beber de uma forma mais consciente, que priorize cervejas com mais qualidade, e em menor quantidade, é uma forma de beber melhor. Toda e qualquer campanha publicitária, mesmo que advinda de um grande conglomerado capitalista, que seja um incentivo à difusão da cultura cervejeira (artesanal, ainda que não se fale abertamente nesse sentido) é bem-vinda. Toda campanha em prol da moderação cervejeira é útil e necessária, já se passou o tempo em que o cervejeiro se associa ao alcoolatra.

Quanto mais pessoas forem capazes de apreciar e de efetivamente “degustar” (e não apenas beber tresloucadamente) cervejas artesanais, mais esse mercado tende a crescer, e, consequentemente, a cultura cervejeira tende a se fortalecer. Com isso, mais estilos diferenciados tendem a ser produzidos, novas cervejarias tendem a entrar no mercado, e, com o tempo, consolidar-se, e no longo prazo (se Deus quiser) os preços tendem a baixar, já que mais pessoas terão acesso a um produto com uma demanda mais bem estabelecida.

Beber menos e beber melhor não é uma mera escolha entre cervejas caras e cervejas baratas, é uma escolha que demanda consciência do consumidor, que deve saber escolher e pautar o seu consumo por produtos de mais qualidade e produtos que sejam capazes de lhe proporcionar uma experiência gustativa mais ampla e mais sólida. As cervejarias possuem um importante papel social nessa conscientização, e a ação de marketing da AmBev com a Monja Coen retrata bem tal tendência.

Beber menos equivale a escolher melhor aquilo que se bebe, mesmo sabendo que o custo mais elevado do que se está consumindo tende a ser compensado pelo prazer de beber algo melhor, algo que possua um retorno qualitativo mais elevado, e que fortaleça a cultura cervejeira artesanal como um todo. Beber com moderação é sempre a melhor alternativa possível!

Recomendação para degustação

A recomendação de hoje não poderia ser outra: O Papa É Pop, da banda de rock nacional Engenheiros do Hawaii.

Claro que o ícone pop religioso (Monja Coen) que encampa a publicidade em prol da moderação não é o papa, tampouco tem um status hierárquico ou litúrgico similar ao do pontífice, mas a associação com a música é inevitável!

Aliás, um bom rock nacional oitentista é sempre bom, não é?

“[…] (nós somos pop também) […]”

Apreciem!

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

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A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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