E como se a vida fosse mesmo brincadeira, os segundos passam sem dar satisfações. E, mesmo sendo leves os segundos, eles carregam consigo pedaços pesados de nostalgia. É o tempo – essa entidade abstrata a deixar em tudo, o concreto de sua marca infalível.
Da moldura da janela do meu quarto vejo as dunas do Tirol. Parecem eternas, a respirar o ar de uma cidade agonizante. Para mim, é o retrato do tempo: parados, mas vivos, imponentes; indiferentes ao cotidiano estressado da humanidade.
Por vezes fico a observá-las, sem pressa. Mas é impossível acompanhá-los em seu ritmo lânguido de vida, presas apenas ao destino morto, em sina semelhante ao do farol, a passar a vida mirando o mar, fatigado pela rotina mesma. E se tem esse instinto de eternidade, ele vem emprestado do mar, também parente do tempo e do eterno.
Quando a noite cai e o céu se descortina em estrelas miúdas, as dunas do Tirol parecem dormir um sono profundo, uma noite sem sonhos, a despertar nas horas de sempre do dia seguinte, quando uma gaivota qualquer solta um grasnado e acorda a gigante adormecida. Mergulhados em tédio, as dunas do Tirol acenam um bom dia costumeiro ao farol ao longe, no balançar manso de sua vegetação.
E da minha janela, naquelas primeiras horas da manhã, sequer me resta tempo para agradecer mais um dia, ou mesmo mirar a paisagem tranquila daqueles morros, escutar seu silêncio, seu barulho de destino, de natureza viva. Apenas… “tic-tac, tic-tac…”. É o relógio do tempo, da coerção da vida, nos alertando sobre atrasos, obrigações, deveres do dia, que como o barulho incansável do relógio, aparecem em sons, cheiros e visões; estão presentes na bagunça do quarto, no noticiário da TV, na visão da varanda, nas esquinas da vida. É o relógio de parede, de pulso; o relógio do tempo que deixa rugas, úlceras e mau humor, a lhe levar para longe do silêncio das dunas do Tirol, pra longe do mar e do farol que contempla.