Em 1967, o filme Ao Mestre, Com Carinho foi sucesso mundial, batendo recordes de bilheteria. No enredo, um engenheiro negro, interpretado por Sidney Poitier, aceita lecionar numa escola de Londres. A turma, formada por adolescentes rebeldes barra pesada, se une com o objetivo de expulsar o professor do cargo. Todavia os alunos são tratados com profundo respeito pelo mestre e, aos poucos, passam a admirá-lo e respeitá-lo.
Existem mestres e Mestres; também existem professores e Professores. Os dicionários definem mestre como “uma pessoa dotada de excepcional saber, competência, talento em qualquer ciência ou arte” e definem professores como um indivíduo que ensina uma língua, uma ciência, uma atividade, uma ou várias matérias, etc.
Num artigo recente falei, entre outras coisas, sobre alguns personagens da zona leste de Natal, mas, para que o texto não ficasse muito longo, deixei para falar hoje sobre alguns outros que, com certeza, podem ser considerados verdadeiros mestres.
Nas Rocas, por exemplo, a Escola de Samba Balanço do Morro foi fundada em 06 de Janeiro de 1966 pelo sambista morador do bairro Lucarino Roberto de Sousa. Lucarino, além de cantor, compositor e carnavalesco, se tornou também mestre da bateria da escola fundada por ele. Outro mestre do bairro das Rocas foi Cornélio Campina. Nascido em Portalegre, interior do estado, em 1908, veio para Natal em 1928 e aqui formou, em 1954, a Sociedade de Danças Antigas e Semi-Desaparecidas, popularmente denominada Araruna, por sugestão de Luís da Câmara Cascudo (o grande Mestre do Folclore), que deu todo apoio ao portalegrense residente nas Rocas na regularização do grupo.
Na Vila de Ponta Negra, zona sul da capital, existe o grupo folclórico Congos de Calçola. O Congo, oriundo da África, é uma manifestação popular herdada dos escravos brasileiros. Na época da escravidão, a dança era incentivada pelas autoridades do Império com o objetivo de manter a ordem nas senzalas, aproveitando-se do fato de que os negros gostavam de assistir seus reis serem coroados nas congadas. Em Natal, o mestre do grupo folclórico Congos de Calçolas, Pedro Santos Correia, que nasceu na vila de Ponta Negra, herdou o grupo do pai, Sebastião Francisco Corrêa. Pedro começou a participar do Congos de Caçola com 12 anos de idade.
O Mestre Manuel Marinheiro, cujo nome de nascimento é Manuel Lopes Galvão, nasceu na fazenda Morena, em Goianinha. Aprendeu com Zé Marinheiro, seu irmão mais velho, a arte do Boi de Reis. Em 1966 foi para o Rio de Janeiro, onde residiu por dez anos. Voltou para Natal já casado com Odaíza e foi morar no bairro de Felipe Camarão, onde tornou-se amigo de outro mestre que também se tornaria, como ele, um ícone da cultura potiguar: Chico Daniel, um dos maiores mamulengueiros do Brasil.
Francisco Ângelo da Costa – Chico Daniel – nasceu em Assu no dia 05 de setembro de 1941. De família humilde, nunca frequentou a escola. Com seu pai, Daniel Ângelo, aprendeu aos 14 anos a manusear os bonecos e a partir de então dedicou-se à atividade com mamulengos. Os personagens de Chico Daniel contavam histórias de Trancoso, piadas e histórias inventadas por ele, sempre usando sotaques diferentes, encantando a todos.
Há alguns anos, eu fui à FUNCARTE (Capitania das Artes) e soube que Chico Daniel estava se apresentando no local para uma turma de estudantes. Decidi assistir a apresentação do mamulengueiro e presenciei algo que me deixou lisonjeado: durante a apresentação, o negro Baltazar (personagem do mamulengo) ao “me ver” começou a cantar Um Gole A Mais, uma das minhas músicas mais conhecidas. Depois, cantou um trecho de Garotinha... e a plateia cantou junto.
Chico Daniel morreu em 2007. Foi enterrado no cemitério do Bom Pastor, a poucos metros do túmulo de Manoel Marinheiro. No mesmo cemitério está enterrado Carlos Alexandre. Todos eram de origem humilde.
No cemitério do Bom Pastor, entre centenas de túmulos de pessoas humildes, estão os túmulos de três mestres potiguares.
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