A interrogação do título é inútil e a resposta é óbvia dentro do contexto usado neste texto: comentários a respeito das atrações do Carnaval de Natal 2025 no Polo Zona Norte, o polo mais popular da capital. A pergunta foi feita por pelo menos cinco artistas escalados para apresentações no Palco Nélio Dias. E, claro, o público gritou em uníssono: “Putaria!”.
É isso o que o público quer, deseja e consome – claro, no sentido mais figurativo da expressão. Ponto! Acho desnecessário jorrar argumentos comprobatórios para essa assertiva. A multidão reunida em todos os cinco dias de shows para conferirem artistas, em maioria, de apelo extremamente popular e a resposta pronta na boca de cada um para a pergunta, já são provas suficientes.
E por esse preâmbulo, este editor é quem questiona: qual o papel de uma gestão pública nessa situação? Entregar o que o público deseja ou propor uma lenta, ardorosa e, mais das vezes, inútil tentativa de mudança de paradigma ao oferecer o “biscoito fino” à grande massa? É remar a favor da impopularidade ou da popularidade? É atrair 10 ou 50 mil pessoas ao show?
Gostaria de convidar você, que está lendo esse texto, a conferir esta entrevista feita com o então secretário de Cultura de Natal, Dácio Galvão. Escute a partir dos 51 minutos até 53,22”. PAPO GALADO #8 – DÁCIO GALVÃO – YouTube Está dentro do nosso assunto e traz o ponto de vista do gestor que administrou a cultura de Natal por 14 anos.
Certa vez ouvi um pai reclamando que novelas atuais trazem péssimos exemplos aos filhos, com traições, personagens alcoolatras, etc. E pensei: “Poxa, novelas são tramas para entretenimento. Elas não têm, por dever, o fator educativo, formativo, como também não uma peça de teatro, uma canção, ou qualquer expressão artística que se vale muito mais de sentimentos, de expressões, de imaginação, do que de ensinamentos”.
E será que o mesmo princípio cabe à gestão pública? As prefeituras e governos não teriam que atacar, prioritariamente, pelo menos, a raiz da questão ao investir em educação? Um povo educado, com pensamento crítico, naturalmente busca atrações mais sofisticadas. E diante desse apelo popular, os gestores selecionariam, por consequência, esse tipo de atração.
Mas como combater essa manada advinda a cada segundo das redes sociais, do marketing poderoso desses artistas, dos refrões pegajosos, da falta de oferta do “biscoito fino” durante todo o ano, durante todo o tempo? Daí o trabalho, lento, ardoroso e praticamente inútil dos gestores públicos em driblar o que é tendência, é moda, é consumo, pelo menos a curto e médio prazo.
Atrações e infraestrutura no Palco Nélio Dias
A estrutura montada no entorno do Ginásio Nélio Dias foi impressionante. Mais de 200 profissionais garantiram a segurança sem uma única ocorrência durante todos os cinco dias. A equipe da STTU deu conta do trânsito e da fiscalização do Transporte Cidadão, que ofertou ônibus gratuito no período até 2h30 da madrugada. E ainda posto médico montado, bombeiros civis e equipe da Semsur diariamente fiscalizando a atividade dos ambulantes que levaram uma rendinha extra considerável.
A logística de palco e backstage talvez tenha sido a melhor entre todos os polos. Uma infraestrutura geral impecável montada pela Secult Natal em parceria com outras pastas, sobretudo em uma primeira experiência no local (como também se viu na Avenida da Alegria, na Redinha) e com apenas dois meses de administração.
Foram mais de 200 mil pessoas reunidas nos cinco dias de festa no Nélio Dias. O sucesso foi inquestionável. A questão levantada é mesmo sobre as atrações que subiram ao palco. Vi artistas realmente profissionais, compromissados com suas carreiras, muitos com ônibus milionários já adesivados, todos muito abertos à imprensa e aos fãs. Do Henry Freitas, com mais de 4 milhões de seguidores no instagram, à banda local Dirrocha, recém formada e com apenas 3 mil.
Mas minha impressão, salvo poucas exceções, é de que da primeira à ultima atração (eram quatro por dia) a música parecia a mesma. Forrós eletrônicos, arrocha e suingueiras com mesmas batidas e melodias, mas que levavam a multidão presente à euforia. As bandas potiguares Grafith e Cavaleiros, a cearense Marcia Fellipe, o baiano Ricardo Chaves e, sobretudo, o recifense radicado em Natal Henry Freitas, foram os mais ovacionados.
Me impressionou mesmo o número de artistas potiguares do gênero já com bastante popularidade. Caso de Giannini Alencar, Raynel Guedes, Pagode do Coxa, Pedro Lyan e outros. Bons artistas, com performance de palco, banda afinada, composições autorais… Todos com dezenas de milhares de seguidores no insta, investimentos vultosos em infraestrutura de som, marketing e locomoção e, com certeza, retorno popular e financeiro para bancar tudo isso.
Mas as letras das canções de praticamente todos passeiam pela já costumeira referência à farra, à putaria e à ostentação, quando não ao machismo. E são essas canções as que dominam o spotify, as rádios e todos os streamings. É a onda a se surfar caso queira se inserir na massa. E a massa presente ao Palco Nélio Dias era heterogênea: do jovem ao adulto, de famílias, de amigos, de gays e heteros realmente interessados no shows. Todos unidos na vibração do hit Vai no Trem, do “Grafithão” e outras músicas do gênero.
E voltamos à questão: contribuir para o bem estar coletivo não é proporcionar conforto, segurança e alegria à população? Ou seria dever do gestor a formação educativa, remar contra uma maré claramente tendenciosa ao mal gosto? São perguntas sem viés afirmativo para qualquer lado. Questões que deixo para você, leitor, pensar e até comentar aí abaixo. E aí, você vai no trem ou fica na estação?