Alex Nascimento está de volta

Alex Nascimento

PIX: 007.486.114-01

Colabore com o jornalismo independente

Aproveitando a ocasião em que a Editora Escribas está reeditando duas obras do escritor Alex Nascimento, publicamos hoje em nossa coluna uma síntese de um ensaio que fizemos sobre o livro Alma Minha Gentil, (Edições Clima, 1992), de sua autoria.

“…Alex Nascimento é um escritor de talento que a nossa literatura revelou ao Brasil.  Seu livro de estreia Recomendações a Todos (1982), foi suficiente para o colocar, de imediato entre nossos melhores artistas da palavra. Tarcísio Gurgel, em sua obra Informação da Literatura Potiguar (2001), afirma que Recomendações a Todos foi o maior acontecimento editorial da cidade, superando, na noite de autógrafos, lançamentos como o de Jorge Amado, que tinha vindo a Natal para lançar Tieta do Agreste.  Repassado de muito humor e ironia, Recomendações a Todos tornou-se uma espécie de obra cult da literatura produzida no Rio Grande do Norte.

Antes de se dedicar totalmente aos versos, Alex Nascimento, publicou outro romance, em forma de crônicas, Quarta Feira de um País de Cinzas (1984). A seguir uma das passagens irreverentes da ficção do autor:

…Substituo o café por uma garrafa de whisky, sem gelo, e saio pronto para enfrentar o mundo. Como é belo enfrentar o mundo! O carro não pega e eu convoco o pessoal da rua para empurrar. Como a galera é grande, aproveito e faço um comício. NASCIMENTO(1984)

Como está visto, a narrativa do autor é repleta de humor, ironia e crítica, o que o firmou quase que imediatamente em nossa prosa. Ao contar a estória de um personagem que ao sair de manhã para trabalhar anseia por whisky, ironiza a situação do brasileiro, que parece ter que se embriagar para enfrentar o dia-dia, ao mesmo tempo que crítica a ação de políticos, indiretamente relatando a situação de que toda ocasião é oportuna para se fazer um comício.

Manoel Onofre Jr., (2010), se referindo à ficção do autor diz: “Importa constatar a qualidade do texto de Alex, humorista-filósofo. Iconoclasta. Anárquico. Poucos, como ele, no Brasil atual, sabem colocar o humor em função da crítica social, com tanta irreverência e mordacidade”.

Em 1992, Alex Nascimento publicou Alma Minha Gentil, livro de sonetos repleto de figuras de linguagem, intertextualidades e outros recursos linguísticos. Alma Minha Gentil além de uma espécie de releitura de alguns sonetos camonianos, muitas vezes em forma de paródia, contém versos plenos de humor e ironia, numa relação que podemos observar repleta de invocação ao passado, à tradição, fazendo referências a outros textos literários, que nos levam a outros mais, transformando a obra em foco em um bom exemplo de como dar início a uma rede de intertextualidade literária, tudo de forma muito criativa, dentro do chamado soneto shakespeariano. Como atentou Assis Brasil (1998), o autor tem “um forte domínio técnico do chamado soneto inglês”.

Para Constância Duarte e Diva Cunha (2001), Alex Nascimento possui uma prosa fragmentária e pós-moderna, e o seu livro de sonetos Alma Minha Gentil atesta a sua criteriosa leitura de Camões. Além disto, destacam as pesquisadoras a ironia ágil e desconstrutora dos textos do autor, que segundo elas “introduz uma nota originalíssima no conjunto da literatura potiguar”.

Com Alma Minha Gentil, Alex Nascimento se afirma pela harmonia de vários elementos baseados em suas leituras. A objetividade que a caracteriza está ligada intimamente à sua sensibilidade criativa. A linguagem utilizada – ressaltemos – é atual, moderna. E o estilo, ágil e leve.  Estamos diante de um poeta que faz com que cada leitor seja tocado com sua arte, numa atividade de criação poética, que resulta em momentos, não raros, sublimes, de valor artístico. São poucos os que conseguem isso com êxito.

Alex Nascimento nos traz uma obra rica de intertextualidade, como já dissemos. De algumas das qualidades que observamos na sua poesia, podemos destacar a criatividade, a oralidade, a originalidade e a metalinguagem, o uso de elementos anteriormente chamados de antipoéticos. Quanto ao conteúdo, especificamente, sua obra não deixa de ser uma interpretação da sua alma, o seu grito de liberdade através da poesia, a ironia, o humor, a paródia. É claro, que, por ser uma manifestação artística, não pode e nem deve ser julgada pela primeira impressão. Mas, sim, através de dedicada leitura, pesquisa e aferição de valores literários.

É de se ver que cada poema do livro em foco enseja uma possibilidade de leitura, contudo sempre com referências a outras obras e autores; cabe ao leitor perceber, criar ou melhor recriar o sentido deles. Evidentemente, quanto maior for o seu universo de conhecimento literário, melhor e mais apurada será a sua interpretação, e poderá notar várias alusões a poetas como Gregório de Matos, Fernando Pessoa, etc., o que fica bem claro, em relação a este último no seguinte poema:

 

Meus conhecidos são bastante ocultos,

Releram toda a obra de Marcuse,

E com qualquer um deles que eu cruze,

Hei sempre a sensação de grandes vultos.

Me sinto um quase-verme entre adultos,

Um vil inseto a pilha, um luze-luze,

Temendo que um deles me abuse

E enterre meu amor por sob insultos.

Discutem: por que a vida é tão amarga,

Primeiro foi o ovo ou os motores,

O xis é curto, a equação é larga,

Quem está nu, pupilas ou reitores.

Mas se tu os achares, dá descarga:

Ganha o mundo, perdendo tais senhores.

 

São versos construídos e baseados em várias leituras e que nos remetem de imediato ao “Poema em Linha Reta” de Álvaro de Campos, “Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”. O poema de Alex Nascimento faz uma crítica aos conhecidos do eu lírico que ao lerem Marcuse, ficaram alienados pela sociedade industrial, alienados pela tecnologia, e de maneira irônica demonstra a hipocrisia dessa sociedade, com pessoas vaidosas, mas vazias. Seres humanos repletos de fraquezas, mas que se mostram “grandes”, muitas vezes com discussões inúteis. O eu lírico ironiza a situação dizendo-se quase um verme entre eles, pois se acham grandes personalidades, mas na verdade estão nus, (como no conto do Rei) são pessoas destituídas de inteligência, e o melhor a fazer quando alguém se encontrar com elas é dar descarga (não lhes dar atenção).

Em suma, analisando os poemas de Alma Minha Gentil, de Alex Nascimento, observamos a sua aproximação com a poesia lusitana e o seu diálogo com autores portugueses, ao mesmo tempo que traz para a nossa época uma contribuição importante de como tem se comportado nossa produção literária contemporânea.  Evidentemente, se o livro em foco não chega ao ápice da sofisticação linguística ou formal, atinge claramente o seu objetivo, dentro de sua proposta formado por figuras de linguagens, símbolos, ritmos e imagens simbólicas.

Com este livro, Alex Nascimento afirma-se como um poeta de valor, pelo zelo com a palavra, o cuidado com a temática e a busca pela universalização dos versos, e claro, merece destaque dentro da nossa tradição literária por estas e tantas outras qualidades que já frisamos. É pena que escritores locais de inestimável valor, como o autor em estudo, veem suas obras fulminadas por uma tremenda conspiração de silêncio, tão somente porque não trocaram o “sossego” provinciano pelo tumulto das grandes metrópoles, além de outros fatores.

Citando Rômulo Wanderley (1965), “jamais se escreverá corretamente a História da Literatura Brasileira enquanto não se fizer o exato balanço das nossas literaturas regionais”. Como expomos, muita coisa, da maior importância, “estanca” na província, não conseguindo ultrapassar os limites que injustamente a separam dos grandes polos culturais. É o caso da obra poética do Alex Nascimento e de outros valores dos quatro cantos do Estado.

As novas publicações de Alex Nascimento, Recomendações a Todos e Uma Outra Estação, podem ser adquiridas no site da editora Escribas.

———-

CRÉDITO DA FOTO: Alex Régis

Thiago Gonzaga

Thiago Gonzaga

Pesquisador da literatura potiguar e um amante dos livros.

WhatsApp
Telegram
Facebook
Twitter
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais lidos do mês