BIBLIOBUNKER: Imagens da África – da antiguidade ao século XIX

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Imagens da África: da antiguidade ao século XIX

Organização e Notas: Alberto da Costa e Silva

Editora: Penguin/Companhia das Letras

Ano: 2012

496 páginas

 

Para quem mora em Natal, no Rio Grande do Norte, esse território onde o continente faz a curva, uma realidade geográfica é incontornável: estamos mais próximos de Praia, capital de Cabo Verde, na África, do que de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul.

Essa proximidade geográfica, mediada pelo maroceano, não impede, no entanto, que a nossa visão acerca do continente africano seja turvada pelas lentes dos colonizadores europeus. Uma parte muito significativa dos estereótipos sobre o continente mãe, ligados, no imaginário brasileiro, à violência, barbárie e miséria, foram construídos por relatos produzidos no correr dos últimos cinco séculos por militares, cientistas, missionários e jovens aventureiros europeus.

Essa coletânea de textos, publicada pela parceria da Companhia das Letras com a editora britânica Penguin Books e organizada por Alberto da Costa e Silva, ninguém menos do que um dos maiores especialistas brasileiros na história do continente mãe, autor do clássico A enxada e a lança (um dos mais minuciosos estudos sobre a história africana publicados no Brasil) traz um panorama fascinante sobre como a imagem da África foi construída pelo olhar do colonizador.

Remontando a textos de Heródoto, Deodoro de Sicilia e Plínio, o velho, até fragmentos dos relatos de David Livingstone, Richard Burton, e Mary Kingsley (no século XIX), Alberto da Costa e Silva nos apresenta um panorama essencial para que a gente possa compreender o modo como os europeus consolidaram uma visão da África (especialmente a subsaariana) vista como um território permanentemente imperfeito, destinado a ser arrancado das trevas da ignorância pela mão civilizadora de uma Europa de luzes.

É muito interessante, ao acompanhar esse percurso de relatos, como, junto ao mapeamento dos rios, das montanhas, à nomeação de acidentes geográficos e a descrição pormenorizada de costumes e hábitos sociais, os viajantes europeus transitaram de visões religiosas envolvendo descrições demonológicas marcadas por referências ao diabo (nos séculos XVI e XVII) para uma perspectiva fortemente racializada e cientificista de superioridade moral branca (nos séculos XVIII e XIX). Essa transição deixa bem evidente como o racionalismo do século XVIII e o positivismo do século XIX se articularam, de um modo muito sofisticado, para afastar as bases teológicas e metafísicas medievais, e fundamentar filosoficamente o racismo contemporâneo.

Também é muito interessante, nessa seleção de textos curtos, comparar os relatos dos europeus modernos com os de muçulmanos como Ibn Battuta, Al-Idrisi, Ibn Al-Fakih e Al-bakri; de chineses como Tuan Ch´eng Shih e Chao Ju-Kua, ou mesmo dos antigos greco-romanos. Com essa comparação fica fácil entender, por exemplo, porque o povo do Níger, Burkina Faso e do Mali anda está revoltado com a presença francesa no Sahel ou o porquê de inúmeros países africanos estarem se movendo em direção à zona de influência econômica chinesa “sem medo de ser feliz”.

Me chamou atenção, particularmente, a riqueza de detalhes de alguns relatos, como, por exemplo, a do francês René Caillié, que chegou em 1828, vindo do Senegal, na cidade de Tombuctu; ou a descrição de Frederick E. Forbes sobre as amazonas guerreiras do Damoé. Para quem se interessa pela história da África esses relatos, guardadas as ressalvas ideológicas e a lente racista em que se enquadram, aparecem como uma fonte primaria muito útil, especialmente se você quiser saber mais sobre a história do império do Mali, do Reino do Daomé, dos povos de Angola e do Congo, do Benin ou da Etiópia.

Um detalhe curioso é que os textos dos viajantes portugueses, a maioria registrado nos séculos XVI e XVII, são um pouco mais complicados de se ler pelo fato de se apresentarem em seu formato original, escritos em um português antigo. Por vezes, quando passamos pelos relatos dos nossos irmãos da terrinha, a gente tem a sensação de estar lendo uma sequência de cartas de Pero Vaz de Caminha, só que relativas ao “lado de lá” do oceano Atlântico. No fim das contas, o fato dos textos dos viajantes árabes, ingleses, franceses, alemães e holandeses serem fruto de traduções para o português moderno do Brasil faz com que a leitura fique mais fluída e as apropriações que esses caras faziam do continente africano, bem mais evidentes.

Depois que terminei de ler esse livro, tomando o cuidado de filtrar as informações que os diversos autores apresentavam e focando nas tecnologias desenvolvidas pelas nações africanas para sobreviver à vida nos trópicos, fiquei mais convencido ainda de duas verdades: (1) todo brasileiro, especialmente nordestino, deveria ter como prioridade botar os pés na África pelo menos uma vez na vida e (2) no fim das contas (os portugueses que me perdoem), o Brasil foi colonizado, se não de direito, mas sim de fato, pelos africanos.

Pablo Capistrano

Pablo Capistrano

Escritor, professor de Filosofia e Direito do IFRN. Dramaturgo do grupo Carmin de Teatro.

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