Afinando terremotos com os Irmãos Quay

Irmãos Quay

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Os Irmãos Quay fazem um cinema fantástico como poucos hoje em dia. Eles começaram a produzir curtas-metragens de animação em 1979, na Inglaterra, país que adotaram e onde montaram o seu estúdio, o Atelier Koninck, junto com Keith Griffiths.

Em sua segunda incursão pelos longas-metragens, os agora septuagenários Stephen e Timothy Quay se superaram e legaram ao mundo um excelente espetáculo visual surrealista, intercalado com cenas de animação em stop motion.

O filme em questão é O Afinador de Terremotos (The piano tuner of earthquakes), uma coprodução entre Alemanha, Inglaterra e França, do ano de 2005, cujo produtor executivo foi Terry Gilliam, um fã confesso desses animadores e cineastas gêmeos.

Em O Afinador de Terremotos, os Irmãos Quay utilizam uma estética vintage, com fotografia envelhecida em tons escuros (entre o preto, o azul e o ocre), para contar a história de Malvina van Stille (Amira Casar), uma cantora de ópera assassinada no dia do seu casamento pelo misterioso Dr. Emmanuel Droz (Gottfried John).

O Dr. Droz traz Felisberto Fernandez (Cesar Sarachu), um prestigiado afinador de pianos, à Vila Azucena, lugar onde reside. Informa ao inocente rapaz que a sua missão é afinar sete instrumentos criados por ele, os automata. Quando Felisberto terminar de afinar todos, um forte terremoto será criado, coincidindo com um eclipse solar e propiciando um momento perfeito para o retorno de Malvina aos palcos.

Enquanto está afinando os automata, Felisberto passa a ter sonhos estranhos, e a governanta Assumpta (Assumpta Serna) lhe fala sobre alguns mistérios que rondam a Vila Azucena, onde o Dr. Droz também mantém alguns “pacientes”, entre eles a própria Malvina.

Não levando em conta a proibição de entrar em contato com os pacientes, Felisberto passa a dialogar com uma mulher solitária, que se encontra, na maioria das vezes, sentada num banco, contemplando o mar à sua frente e chamando por Adolfo. Ele se apaixona por essa mulher e descobre os planos maquiavélicos que o Dr. Droz havia engendrado. A partir daí, fará de tudo para salvá-la.

A narrativa é entrecortada por sonhos que revelam a Felisberto uma outra realidade espaço-temporal. Nesses sonhos há cenas recorrentes, como a de um homem que segura um machado, numa floresta. O homem olha diretamente para Felisberto e dá uma gargalhada. Nessas cenas, o live-action dá lugar a uma animação em stop motion. Essas animações são uma metáfora, informando-nos que todos os personagens são marionetes do Dr. Droz, o qual brinca com as realidades espaço-temporais numa intrincada teia diabólica para colocar Vila Azucena na história da humanidade.

O Afinador de Terremotos é um drama de fantasia onírico e surrealista, cuja pegada remete à Máscara da Ilusão (2005), de Dave McKean, a O Labirinto do Fauno (2006), de Guilhermo del Toro, e a Franklyn (2008), de Gerald McMorrow, além de ter uma forte influência do cinema de Jan Svankmajer.

Outro fã famoso de Stephen e Timothy é o diretor Christopher Nolan. Em 2015, Nolan idealizou o projeto The Quay Brother in 35mm, o qual reunia três curtas selecionados por ele (In Absentia, The Comb e Street of Crocodile) e o documentário de oito minutos Quay (roteirizado, produzido e dirigido por Nolan), exibido em cinemas de onze cidades norte-americanas, com o objetivo de difundir o trabalho dos Irmãos Quay em seu país de origem.

Dentre seus curtas, destaco Eurydice – She, So Beloved (2007), que mistura ópera, dança, escultura e pintura, e Maska (2010), adaptação do livro homônimo do filósofo e ficcionista polonês Stanislaw Lem (cuja obra mais famosa foi Solaris).

A Europa é bastante receptiva a Stephen e Timothy, cujos filmes sempre estão sendo exibidos em vários festivais de cinema ou participando de alguma exposição em Museus e Galerias. Uma das exposições mais concorridas deles foi Dormitorium: cenários dos filmes dos Irmãos Quay, no Museu da Marioneta, em Lisboa, no ano de 2008 (essa exposição também fez parte da mostra Fourth Wall Project, um projeto que visava divulgar artistas que trabalham de forma multidisciplinar, em Boston).

Os Irmãos Quay fazem com que o cinema volte a habitar os domínios de Morpheus, fazendo-nos delirar por loucas imagens kafkianas, com uma leve pitada de Lewis Carroll.

Seus trabalhos são altamente aconselháveis para fãs de Tim Burton, Terry Gilliam e Luís Buñuel.

Quem tiver interesse de assistir a O Afinador de Terremotos, ele está disponível gratuitamente no site Internet Archive, mas sem legendas. Basta se cadastrar para poder assistir on-line ou fazer o download do filme:

https://archive.org/details/pianotunerofearthquakes

Milena Azevedo

Milena Azevedo

Mestre em História (Unisinos/RS), já foi professora e empresária, e desde 2005 milita no campo das histórias em quadrinhos. Atualmente segue como diagramadora, letrista e roteirista de HQs e games, com trabalhos publicados em coletâneas locais, nacionais e em Portugal e Angola, finalistas do Troféu HQ Mix, do Troféu Angelo Agostini e da categoria Quadrinho Alternativo do Festival de Angoulême (França), entre eles: Visualizando Citações - vols. 1 e 2, Fronteira Livre, Máquina Zero - vol.2, Imaginários em Quadrinhos - vol. 4, Haole (webcomic), Amor em Quadrinhos, Penpengusa, Contos Urbanos e Café Espacial #19. Vencedora do Troféu Angelo Agostini de 2019 (Melhor Lançamento) e dos HQ Mix de 2019 e 2020 (Melhor Publicação Mix e Melhor Publicação Aventura/Terror/Fantasia) com Gibi de Menininha 1 e 2. Em 2022, roteirizou as HQs “Oscar e o Pan de 87” e “Viúva Veneno”, ambas publicadas pela editora Ultimato de Bacon. Também criou a webtira Aprendiz de Bruxa, em parceria com Ju Loyola, e atualmente a parceria segue com a desenhista Mari Santtos. Em 2018, fez sua estreia na literatura infantojuvenil com o livro Dara, Dora e as estrelas, escrito a quatro mãos com Glacia Marillac.

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