A solidão da nossa casa

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Como é boa a solidão da nossa casa! Para os tímidos, o refúgio. Para os instáveis, a reflexão. Para o amante, a certeza da segurança. Para o exausto, a tranquilidade. Para o roqueiro, a liberdade que interrompe a dos outros. Para o faminto, toda a geladeira. Para o relaxado, a sala, a cozinha, o corredor e água na boca da garrafa. Para o escritor, o silêncio ou o zumbido da mosca. Para o músico, cada nota. Para o filósofo, mais um pensamento. Para o perdido, “lar doce lar”. Para o gordo, todo o sofá. Para o magro, a cama de casal. Para o ator, à volta do seu eu. Para o estudante, a mesa da sala sem o barulho das panelas da cozinha. Pro economista, menos três. Aos viúvos, novas possibilidades. Para o jornalista, o noticiário no horário da novela. Para o caricaturista, apenas seu rosto. Para a prostituta, o descanso. Para o depressivo, a cura ou o fim. Para o ecologista, tartaruga no tapete. Para o apresentador de TV, a TV. Pro artista plástico, apenas um armário, uma cadeira confortável e muitos quadros. Para o adestrador, um ursinho de pelúcia. Para o motorista de ônibus, a parada obrigatória. Para o adolescente, telefone e diarista. Para o egoísta, o êxtase. Pro caminhoneiro, o fim da viagem. Pro pintor, o ateliê perfeito. Para o mágico, a cartola sem coelhos. Para o poeta, todas as inspirações. Pro crítico de cinema, filmes de sexo também. Para a modelo, o corredor sem plateia. Para o embriagado, qualquer canto. Pro pichador, paredes limpas. Pro gari, o aroma da casa. Pra Tom Jobim, o canto do amigo passarinho. Para o exótico, incensos. Para o guerrilheiro, a paz. Pro corretor, a sua casa. Pro nostálgico, Noel Rosa bem alto na vitrola e sem reclamações. Para o faxineiro, seu próprio chão. Pro arquiteto, tudo a seu modo, sem pitacos. Pro comentarista, sem comentários. Pro pesquisador, o ambiente propício. Pra telefonista, telefonema de uma amiga. Pro piloto de avião, aterrissagem definitiva. Pro soldado, obrigações caseiras. Pro lenhador, a colher em vez do machado. Pro sonhador, noticiários desestimulantes. Pro então, Presidente Americano, peso na consciência.

Para o artista dos palcos, para o palhaço de circo, a solidão em si, na sua forma real de tormenta. Para eles, o silêncio é mais angustiante. A solidão de casa, mais duradoura. Mas há os que mesmo nas multidões não conseguem se achar. Estes sim estão condenados a um grande amor.

Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

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