A arte de Alexandre Alves

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Poeta, músico, pesquisador, crítico literário, professor de literatura na UERN. Alexandre Alves, tem toda uma carreira dedicada às Letras. É doutor em literatura comparada pela UFRN, publicou diversos livros, artigos e ensaios sobre nossos autores.

Recentemente deu mais uma contribuição para os leitores e interessados na literatura produzida aqui no Estado. No livro “Poesia Moderna no RN: Primeiro tempo 1925-1930″ (Queima-Bucha, 2022), o crítico traz para conhecimento do público importantes nomes da nossa poesia, que de certa forma deram uma contribuição ao movimento modernista; Câmara Cascudo e Jorge Fernandes, afora outros, como Palmyra Wanderley, João Lins Caldas, Othoniel Menezes e Francisco Amorim. Um livro interessantíssimo e muito apropriado nos 100 anos do Modernismo brasileiro. O trabalho foi dividido em 6 capítulos, onde o estudioso se debruça sobre os poemas dos autores citados, com uma boa contextualização. Um trabalho bem fundamentado que merece ser lido.

Ano passado, Alexandre Alves publicou “Poesia Marginal da Esquina Atlântica” (Sol Negro Edições). Estudo sobre esse gênero, existente no RN, nas décadas de 1970 e 1980.

Polivalente, em 2020, o autor publicou um livro de poemas, “Ossos da Urbe” (Sol Negro Edições), vencedor do Premio de Poesia Othoniel Menezes- 2019. Abaixo destacamos um dos poemas:

limbo

 

no balé  sórdido

da aurora sombria

dançar no limbo

faz qualquer um

ser um mapa ordenado

sem fim

sem pulso

expulso

de um paraíso

mero artifício

do próprio limbo

que sempre existiu

 

Em 2016 organizou “100 discos do rock potiguar para escutar sem precisar morrer”, sobre discos considerados fundamentais para a história do rock no Rio Grande do Norte. Como está visto o autor é bastante versátil quando o assunto é arte.

Alexandre Alves é o band-leader da THEE AUTOMATICS; banda de rock, com vários anos de estrada, que está lançando em vinil transparente a coletânea, Shadowbox, com oito faixas compreendendo o período 2011/2021. A capa do disco é assinada por Falves Silva, artista renomado do movimento da Mail Art.

CRÉDITO: André Gustavo Silva

O escritor nos concedeu, em 2015, uma entrevista para o livro “Impressões Digitais- Escritores Potiguares Contemporâneos”, v. 3, último trabalho de uma série de entrevistas que fizemos com mais de cem escritores potiguares. Abaixo destacamos alguns momentos:

01-Alexandre Alves, onde você nasceu?  Fale-nos um pouco de como foi sua infância e juventude.

Nasci em Natal, um domingo de 1973. Casa da família bem simples, perto do atual Mercado de Petrópolis. Lembranças mais antigas nas poucas fotos em preto e branco com meus pais na Praia dos Artistas, ainda sem esse nome. Minha avó paterna, Rita, era um anjo cuidador de mim. Oníricos veraneios sem energia elétrica na Praia de Pitangui, na casa de Elias, amigo de meu pai. Bons tempos sem video-game. Muitas febres – rostos preocupados de minha mãe, pai e avó –, mas uma infância normal no decorrer dos anos de 1970.

Nova casa da família em 1977 na outrora longínqua Candelária, meu irmão já como quinto membro familiar.  Estrutura básica bem deficiente no bairro: falta de água, de energia, sem linha de ônibus. Trecho da Avenida Prudente de Morais ainda de barro em Candelária. Muitos vizinhos crianças, uma farra infante. Futebol crepuscular na rua, mas sem essa de time de coração, até hoje. Estudo na Escola Walfredo Gurgel, cravada no meio do bairro. Reprovado duas vezes em Matemática, uma no EF e outra no EM. Professores horríveis, com aulas de pura decoreba, inclusive as de Português, uma prisão gramatiqueira. Boas notas em História, Geografia e Inglês, especialmente. Nessas disciplinas, professores de alto nível.

Aos doze anos, fui ajudante em uma pequena gráfica arrendada por meu pai no Alecrim. Entre 1988 e 1990, fui vendedor de livros e discos (mais do segundo que do primeiro) no Sebo Vermelho. Figuras incomuns por lá todo dia. Entre outros, além de Abimael Silva, dono do Sebo, Newton Navarro, Bosco Lopes, o designer Afonso Martins, o poeta marginal Blackout e integrantes do Florbela Espanca e General Lee, bandas de rock da cidade. Tentativas de surf entre 1988 e 1991, alguns dias de ondas perfeitas em Ponta Negra sem calçadão e ruas de barro. Linda como nunca mais será.

Após término do EM, fui reprovado três vezes no vestibular, mas, enfim, fui aprovado em Letras na UFRN em 1995. Acertei só uma questão em Matemática, o bastante para o famigerado “ponto de corte”. Em 1997, fui bolsista da base de Semiótica e Literatura. A escolha era pelo currículo e a minha média era a mais alta entre os alunos. A Profa. Maria Lúcia Garcia, coordenadora do projeto, falava que o vestibular era muito injusto, pois um aluno como eu ter sido reprovado três vezes até passar era um caso absurdo. Terminei Letras em 2000. Tenho que afirmar que o curso mudou minha vida. Aprovado também em Jornalismo na UFRN, depois de ver alunos brigarem por causa do BBB e um famoso professor finalizar a disciplina dele só conversando e contando história da Carochinha, fui embora e nunca mais voltei.

Ainda em 2000, na prova para o Mestrado em Literatura na UFRN, fiquei de fora por menos de um décimo, quando havia apenas dez vagas. Fiz a prova de novo em 2001, passando em último lugar. Terminei o Mestrado em 2005, mesmo ano da admissão em terceiro lugar para Professor de Inglês no concurso do ensino público estadual. Em 2010, passei no Doutorado em Literatura na UFRN, terminando-o em 2013. Desde 2011, sou Professor concursado de Literatura Brasileira na UERN.

02-E quais foram suas primeiras leituras literárias?

Foram as piores possíveis na escola. Como leitura obrigatória, li Iracema, de José de Alencar. Esse deveria ser proibido como leitura adolescente. Cheguei a escrever um ensaio sobre os clichês desse livro na disciplina de Literatura Brasileira II na UFRN e o professor João Neto anotou que aquilo era uma leitura para o futuro, mas que no presente iria ser um zero mesmo! Depois, resolveu dar nota dez pela ousadia e por ser um trabalho fora dos padrões. Lendo O último dos moicanos, vi que Alencar copiou o estilo do norte-americano James Fenimore Cooper, mas sem a capacidade narrativa deste. Nunca li nada “literário” até os quinze anos, excetuando essas obrigações escolares, como O rapto do garoto de ouro, de Marcos Rey, outra desgraça narrativa.

A primeira obra que lembro ter lido duas vezes foi O estrangeiro, de Albert Camus, que estava nas estantes de meu pai. Acho que eu a entendia melhor antes do que hoje (risos). Li porque ouvia uma banda inglesa chamada The Cure e eles têm uma faixa chamada “Killing an Arab”, inspirada no romance de Camus, lido aos quatorze anos. Lembro de ter tentado ler Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, mas parei no meio. Meu pai também costumava comprar quadrinhos quando sobrava dinheiro e, para mim, aquilo era Literatura da melhor qualidade. Você ler uma graphic novel como “O cavaleiro das trevas”, de Frank Miller, ou “Watchmen”, de Alan Moore, e achar que não há Literatura ali é porque ainda está com os conceitos literários do século XIX.

03-Você tem mais de dez livros publicados. Pode destacar alguns?

Na verdade, há dois tipos de produção, como a série chamada Guia Literatura UFRN, lançada por encomenda da Editora Sol e focando a leitura sobre diversas obras do vestibular da UFRN entre 2009 e 2012, incluindo leituras sobre Auta de Souza e Câmara Cascudo e que venderam centenas de exemplares. Por outro lado, há as obras de caráter acadêmico. Minha dissertação virou Silêncio, mar: a poesia de Zila Mamede nos anos 50, lançada em 2006. Há também Linguagem, lirismo, destino em 2010, um livreto com três artigos sobre áreas distintas: música pop, tradução e cinema versus literatura. Desde 2014, minha tese de doutorado está sendo publicada através da trilogia Poesia submersa, um estudo focando a poesia no Rio Grande do Norte no século XX. Fui co-organizador de dois e-books, um ligado ao Curso de Especialização em Estudos Literários da UERN e outro ligado à base de pesquisa da qual faço parte, que é o GPELL (Grupo de Pesquisa em Linguística e Literatura).

Meu interesse maior sempre foi a poesia, pois vejo nela uma arte que atravessou milênios, sobrevivendo às inúmeras transformações que a humanidade passou. E ela ainda continua aqui hoje, talvez sendo o último baluarte anti-capitalista, pois ela mal vende de forma geral, excetuando alguns autores escolhidos pelas universidades, o chamado “cânone”, que agrega novos nomes de forma muito lenta. Fui a uma das maiores livrarias do país na Avenida Paulista e a parte em que fica a estante de poesia é irrisória se for comparada com a que é destinada à prosa e com o tamanho da livraria. Senti-me ali como um integrante de uma seita secreta: a poesia.

04-Quem é o escritor Alexandre Alves?

Minha avó, nascida no sertão potiguar e vinda depois da Paraíba para Natal, de trem trazendo dois filhos nas costas, dizia sempre para eu contar aos meus alunos que essa história de que o Brasil é o país do futuro é uma mentira, pois ela escutava isso desde pequena. Ela nasceu em 1919 e dizia que iria morrer e o futuro não chegava. Infelizmente, ela veio a falecer em 2011 e o futuro, realmente, não chegou. Há um governo, independentemente de ser de esquerda ou direita, que há mais de meio século finge propor que a Educação, especialmente a básica, é o pilar da sociedade. Se assim o é, onde está o investimento e a seriedade sobre isso? 10% do PIB para a educação em 2022? Pelo visto, nada mais ficcional, não sendo à toa que há um livro do austríaco Stefan Zweig, de 1941, chamado Brasil, o país do futuro.

Sou uma pessoa completamente inconformada com isso tudo. A minha década e meia lecionando na rede pública, e também na rede particular, me fez ver que o ensino básico brasileiro está muito longe do ideal e o ensino de Literatura mais ainda. Há excesso de conteúdos, excesso de alunos por sala e profissionais mal preparados pelas próprias universidades, assim como diretores de escolas perdidos entre teoria e prática. Tento passar uma visão bastante crítica de tudo isso e sobre o papel da arte na sociedade capitalista para meus alunos. Gosto muito de lecionar e fazer os alunos descobrirem obras, artistas, saindo da sala de aula com os olhos incomodados, no bom sentido. Minha missão é essa.

Vou ter que passar também todas essas lições para o pequeno Alex Dylan, meu filho ainda nas primeiras estações de vida. Será minha maior missão como escritor sobre a Literatura, tentar avisá-lo que a sociedade do espetáculo, como diria Guy Debord, esconde a vida de verdade em suas variantes. Não acredite nos best-sellers, nos vídeos mais vistos no Youtube, nos filmes que ganharam um Oscar, na música que mais toca nas rádios. E tomara que ele entenda, e não se conforme com o que lê, escuta ou vê, como eu. Existe bem mais que isso em nossas vidas.

Thiago Gonzaga

Thiago Gonzaga

Pesquisador da literatura potiguar e um amante dos livros.

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