Nascida em 1946, na cidade de São João do Sabugi, a poeta e escritora Diulinda Garcia, faleceu recentemente. Autora de diversos livros, dentre eles, Sob a luz das lamparinas (contos) e Sangra-se (poemas), Diulinda Garcia nos concedeu entrevista, em 2015, para o livro Impressões Digitais- Escritores Potiguares Contemporâneos – vol. 3. A seguir, destacamos alguns momentos, como forma de homenageá-la.
THIAGO GONZAGA – Onde você nasceu? Fale da infância e juventude.
DIULINDA GARCIA- Nasci no sertão do Seridó, em São João do Sabugi, na época município de Serra Negra, passando à categoria de cidade, em janeiro de 1949,três anos depois do meu nascimento. Sou descendente de um clã familiar ligado à terra, à agricultura e à pecuária. Assim sendo, desmotivados pela aridez do solo seridoense e pelos longos períodos de estiagem, meus pais mudaram-se para uma fazenda adquirida próxima a então Vila de São Sebastião, hoje Gov. Dix-sept Rosado, onde fui registrada e onde passei a minha infância e parte da adolescência. Meus primeiros contatos com as letras se deram através de minha mãe, Francisca Suzana de Medeiros Garcia, que alfabetizou a mim e ao meu irmão. Nas noites enluaradas, no alpendre de casa, vovô João Bernardo,(padrinho, assim o chamava),costumava contar lendas do Caipora e do Saci Pererê, nos levava para o seu próprio imaginário, fantasiando em torno da lua, onde dizia estar São Jorge em seu cavalo branco, além de muitas outras inventadas estórias de suas vivências lá no seu Seridó. Em Gov. Dix-sept Rosado, fiz o primeiro grau e tive o meu primeiro contato com a Língua Francesa, com o professor Severino Mendes de Freitas. A vida era simples sem muitas opções de lazer. Cantava no coro da igreja e nas rodas de amigos que tocavam violão. Brincava de roda, esperava as serenatas que me encantavam, ouvia a programação musical da amplificadora local, ia à missa e comungava às primeiras sextas feiras de cada mês, aos domingos, aula de catecismo. Estudava, lia muito e namorava pouco. O tempo passou rápido. Casei e vim morar em Natal, onde fiz o Curso Pedagógico no Instituto Presidente Kennedy, posteriormente, ingressei na UFRN me graduando em Letras.
2-Quais foram suas primeiras leituras literárias?
As primeiras leituras vieram com os contos de fadas e as nossas lendas, Monteiro Lobato, Castro Alves, Gonçalves Dias, José de Alencar, Machado de Assis, Cecília Meireles e outros. Ingressando no Curso de Letras, li quase todos os clássicos brasileiros, além dos autores locais, destacando-se Eulício Farias, Zila Mamede, Tarcísio Gurgel, os escritores mais importantes da literatura portuguesa, entre os quais, Fernando Pessoa, Camões, Gil Vicente, Eça de Queirós,Camilo Castelo Branco e Bocage. Já fazendo uma pós-graduação em Literatura Portuguesa, li José Saramago e Florbela Espanca. Ainda no período estudantil na Alliance Française, li Gustave Flaubert, Jean J.Rousseau, Marcel Proust, em seguida vieram Lygia F.Telles, Vinicius de Morais, Ariano Suassuna, Gabriel Garcia Márquez, Drummond, Kafka, Clarice Lispector.
3-Como foram os tempos de estudante universitária?
Bem corridos, já casada com um filho. Pela manhã na UFRN, à tarde dava aulas e à noite debruçava-me sobre os clássicos das Literaturas brasileira e portuguesa. Resumos, análise literária das obras estudadas, seminários, provas. Essa densidade literária me fascinava.
4-De que tratavam seus primeiros escritos?
A maioria das meninas daquela época tinham um diário, onde escreviam, seus conflitos, sonhos, questionamentos. Eu estava incluída na turma que contava ao diário os seus segredos. Confiava ao meu caderno, minhas inquietações, decepções, sentimentos e paixões, sabores e dissabores, dúvidas, próprios da adolescência. Às vezes em prosa, outras tantas em versos.
5-E o seu primeiro contato com a Literatura Potiguar, como e quando aconteceu?
Quando aluna do Curso Pedagógico, entrei em contato com as obras de Câmara Cascudo, Auta de Souza, Nísia Floresta, Jorge Fernandes, considerado um dos precursores do modernismo no Rio Grande do Norte.
6-Fale-nos do seu livro de estreia ”Caminho do Invisível”, do que tratam os poemas?
O olhar do poeta transcende a superfície de sua realidade. Em “Caminho do Invisível”, há um mergulho da autora em sentimentos, vivências, emoções, sem contudo se dissociar ou mesmo afastar-se da própria realidade, revelando assim, preocupações inerentes ao contexto social em que vive.
7-Antes de estrear no livro, você já havia participado de uma coletânea de poetas, publicada pela Fundação José Augusto, no início dos anos 90.Por que demorou tanto para publicar um livro solo?
Uma multiplicidade de fatores contribuíram para que se fizesse essa pausa de tantos compassos entre a participação na “Coletãnea Novos Poetas do Rio Grande do Norte”e a exposição dos meus poemas nus e desacompanhados em “Caminho do Invisível”. Na época o meu foco estava direcionado para as atividades profissionais desenvolvidas entre a Secretaria Municipal de Educação, minhas aulas de Língua Portuguesa e de Literatura, além de um ano à frente da Secretaria de Planejamento de Macaíba. Nesse período, ingressei no mercado varejista como lojista no segmento perfumaria.
8-E o seu processo de criação como acontece?
Não há receita, tão pouco fórmulas preestabelecidas. O processo criativo pode surgir inesperadamente de um estímulo que venha suscitar uma carga emotiva. A audição de uma música, uma palavra, um texto, uma imagem, uma lembrança, acontecimentos do cotidiano. O autor nunca determina o momento da criação que chega sem pedir licença ou permissão, às vezes com tamanha intensidade e pressa de se dizer e se fazer entender, que se faz necessário uma releitura criteriosa para eliminar os excessos. A criação poética ocorre em um momento de liberdade interior, tornando comunicáveis as dimensões da nossa sensibilidade e do nosso conhecimento. A técnica é importante, mas não é suficiente. Sem a fusão de palavras, sensações, saberes, experiências, emoções, originalidade e estilo, não há criação. O processo criativo está ligado portanto,a possibilidade infinita dessas combinações.
9-Quais suas principais influências literárias?
O crítico literário Harold Bloom, em a “Angústia da Influência”, faz uma reflexão sobre os esforços dos escritores para alcançarem a tão sonhada obra singular,sem os influxos de alguns dos autores, seus antecessores.O próprio Bloom constata,ou afirma que,sempre se há de encontrar em cada obra,por mais clássica que seja ou pareça,traços de outros criadores,os quais também beberam de outras fontes para compor a sua produção.Assim sendo,diante desse mosaico bordado por autores diversos,apresentados anteriormente quando cito as minhas leituras,componho o meu trabalho partindo dessas referências,mas procurando construir o meu próprio estilo,reflexo do que sou,do meu universo sócio-político-cultural,do que li e vivi,de minhas experiências e vivências em um cotidiano que reinvento através da literatura,formando uma junção de tudo,nada dissociado,tão pouco resumido em um punhado de técnicas e de palavras previsíveis.
10-Falemos da obra seguinte “Abstração”, publicada em 2008,segue a mesma linha do primeiro livro?
Sob o olhar atento do escritor e crítico literário Nelson Patriota, em seu livro” Uns Potiguares”, afirma que “Abstração” explicita a temática do desejo. Eu vejo essa a temática como uma tela onde estão impressos vários matizes com as cores do desejo, dos sentimentos e emoções, além das tonalidades que chamam a atenção para as preocupações sociais e as questões ambientais.
11- O que falta para o escritor local ser conhecido em outros centros?
É necessário incentivo dos gestores públicos, além de um mercado editorial atuante, que divulgue e distribua com eficácia os nossos livros, levando-os aos demais estados, feiras e bienais. Além disso, o autor potiguar precisa ser incluído nos catálogos nacionais, sem que isso aconteça, não há como ultrapassar as barreiras provincianas.
12-A poesia feminina continua de boa qualidade?
Sim. A nossa poesia feminina está em ascensão!
13-Para você o que significa escrever?
Uma catarse, um não sei quê imprescindível ao meu desassossego poético.
14-Que outro tipo de arte desperta seu interesse, além da poesia?
Gosto de todas as expressões artísticas, mas a música me faz ir além da minha incompletude e a dança me enternece a alma.
15-Quais os planos para o futuro?
Pretendo desenvolver um trabalho sobre a Literatura do Seridó, publicar o próximo livro este ano e continuar publicando o que escrevo.
16-Quem é Diulinda Garcia?
Os meus versos me traduzem.