As palavras não ditas têm um destino estranho. Elas não morrem, mas também não vivem como deveriam. Ficam suspensas no ar, flutuando em algum limbo entre o peito que queria gritar e a garganta que recuou no último segundo. Já se perguntou para onde vão? Pois eu já, e sinceramente, acho que tenho a resposta: elas se alojam no silêncio, como hóspedes incômodos que nunca fazemos questão de expulsar. Um silêncio que pesa, que às vezes vira rancor, outras vezes apenas melancolia, mas que sempre carrega consigo o rastro do que não foi dito.
Não sei exatamente quando comecei a acumular essas palavras. Logo eu, geminiana, falante como sou, é uma luta grande calar. Talvez tenha sido numa tarde qualquer, aos 12 anos, quando alguém fez uma piada sem graça sobre meu cabelo, e eu preferi engolir a resposta em vez de devolver o comentário com a força que ele merecia. Ou talvez tenha sido naquela briga adolescente com a minha mãe, quando o “desculpa” ficou preso na garganta porque o orgulho era maior que o amor. O fato é que, com o tempo, a gente vai se habituando a guardar as palavras que poderiam magoar, mas que também poderiam libertar. Afinal, “o que é delicado toca mais fundo do que o que é forte”, como já disse o poeta contemporâneo Affonso Romano de Sant’Anna.
E aí vem o grande dilema: dizer ou não dizer? Machucar ou preservar? Esconder ou se expor? Parece que cada escolha vem com um preço embutido, e eu, como boa devedora das emoções alheias, sempre optei por não cobrar sentimentos que poderiam virar dívidas de arrependimento. Só que isso também me transformou numa espécie de colecionadora de silêncios. Um acervo imenso de frases inteiras, monólogos elaborados e até gritos inteiros que nunca viram a luz do dia.
Não que eu ache que devemos sair por aí falando tudo o que pensamos. Ah, isso seria uma tragédia anunciada. Imagina virar aquele tipo de pessoa que diz: “Sou sincera, doa a quem doer”, mas que, no fundo, só usa a sinceridade como desculpa para ser cruel. Não, obrigada. Não quero sinceridade brutal; prefiro uma honestidade cuidadosa, que sabe pesar as palavras sem machucar o outro.
A questão é: como encontrar esse equilíbrio? Como falar o que importa, o que precisa ser dito, sem atravessar os limites de quem ouve?
Talvez a resposta esteja na forma como escolhemos o tom. Já percebeu como o “como” é mais importante do que o “o quê”? Às vezes, uma frase dura, mas dita com ternura, pode abrir portas em vez de fechá-las. A chave está em aprender a traduzir os pensamentos brutos em algo mais palatável. É um exercício, claro, mas um necessário para quem não quer viver soterrado por palavras engolidas.
Outro ponto importante: o momento certo. É quase uma arte saber identificar a hora exata para soltar o que estava preso. Tem coisa que precisa ser dita na hora, no calor do momento, enquanto outras precisam de tempo para maturar. É um aprendizado constante, errar o timing faz parte, mas é assim que a gente descobre o quanto as palavras podem ser um presente quando usadas no tempo certo.
E o que fazemos com as palavras que continuam não sendo ditas? Porque, sejamos honestos, nem tudo dá para falar. Há pensamentos que magoariam mais do que ajudariam, verdades que são melhores quando ficam guardadas. Mas mesmo essas precisam de um lugar para existir. Não dá para deixá-las acumularem como roupas velhas num armário que já não comporta mais nada.
Eu, por exemplo, escrevo. É aqui que despejo tudo o que não cabe no silêncio, mas que também não cabe na conversa. Escrevo cartas que nunca envio, textos que ninguém lê, bilhetes que eu mesma esqueço onde guardei. Funciona. É quase terapêutico.
Talvez, no fim das contas, as palavras não ditas não vão para lugar nenhum. Elas ficam dentro da gente, fazendo morada nos espaços vazios do peito. E cabe a nós decidir se vamos deixá-las apodrecer ali ou transformá-las em algo mais. Porque, se tem uma coisa que aprendi, é que as palavras podem nos salvar tanto quanto nos ferir. Basta que saibamos usá-las.
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