Volonté foi meu primeiro entrevistado de que tenho notícia no segmento cultural. Na verdade fui escalado enquanto repórter de Cidades para cobrir, de última hora, um lançamento literário do qual sequer lembro qual. Inexperiente, sem conhecer a maioria das figuras ali presentes, perguntei a um senhor com jeito encabulado algo sobre a obra em questão e em seguida, seu nome. Ele, meio sem jeito, disse: “Manoel”. “Manoel de que?”, perguntei. “Fernandes, Manoel Fernandes”. Mais sem jeito fiquei eu, tempos depois, ao saber que talvez nem seu vizinho soubesse o seu nome, já que po poeta detinha o codinome Volonté.
Ele ficou meio cismado comigo durante um tempo, penso, por causa dessa gafe. Acho que menos de um ano depois passei à reportagem de cultura. Mas aos poucos fomos quebrando esse gelo e ficamos até amigos. Reconhecíamos uma admiração mútua, muito mais minha do que dele, embora minha mãe tenha contado um episódio engraçado. Diz ela que foi parada repentinamente por um home na rua Jundiaí. “A senhora é a mãe de Sergio Vilar?”. E ela, ainda assustada, mas mais aliviada em saber que poderia ser um conhecido, confirmou. “Seu filho é muito talentoso, escreve muito bem, viu?”. E arrancou um sorriso da velhinha.
Mas Volonté tinha sua acidez. Lembro de críticas pesadas a uma croniqueta postada no semanário O Poti, na qual, em resumo, classifiquei os anos 90 como década negra para a cultura nacional. E ele estava certíssimo. Escorregões de um jovem mancebo. E os encontros eram muitos, sobretudo pelas ruelas do Beco da Lama. Volonté e Helmut (LEIA AQUI) foram os maiores outsiders que conheci e sempre os via por aquelas adjacências históricas. E tinham muito em comum: eram andarilhos, um pouco soturnos (Helmut um pouco mais), eram leitores compulsivos e pareciam bem abrigados em seu mundo interior.
E assim se vai mais um personagem folclórico de Natal. Procurei uma entrevista bem legal que fiz com ele para o Diário de Natal, de capa inteira. Não achei, mas ficam as lembranças, minhas e a de quem conheceu esse figura agridoce, no tempero perfeito do convívio sincero, às vezes com abordagens eufóricas pelo reencontro, às vezes indiferente como se nunca tivéssemos nos visto. Se não exaltado, acredito que Volonté será lembrado, sim, como hoje ainda se fala do poeta Blackout em uma conversa ou outra. Mas ele, como um poeta radical pouco afeito aos falsos intelectuais.
Rip, Volonté!
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Crédito da foto: Eduardo Alexandre (Dunga)