ENTREVISTA – Eduardo Lacerda: “A qualidade do escritor(a) não se mede pelos livros vendidos”

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Nesta série de quatro entrevistas, o escritor Theo G. Alves conversa com personalidades envolvidas com o universo literário em diversos papéis para trazer, além de pessoas interessantes, a palavra de quem está intimamente ligado ao mundo dos livros e da palavra.

A cada semana um nove nome trará suas impressões a respeito da literatura brasileira, sejam escritores, poetas, professores ou editores.

O terceiro convidado é Eduardo Lacerda, editor responsável pelos trabalhos da Editora Patuá, que tem exercido um papel de protagonismo junto às chamadas pequenas editoras.

Quem é Eduardo Lacerda:

Eduardo Lacerda é poeta, produtor cultural e editor da Editora Patuá. Trabalhou como assistente de coordenação cultural na Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura e como produtor cultural no Programa São Paulo: um Estado de leitores.

ENTREVISTA – EDUARDO LACERDA

Theo G. Alves: Para começarmos esta conversa pelo essencial, eu ousaria dizer que você está à frente de uma das mais importantes pequenas editoras do país, e a partir disso perguntar que papel essas editoras ditas pequenas ocupam no processo de produção literária no Brasil neste momento?

Eduardo Lacerda: Agradeço dizer que a Patuá é uma das mais importantes, mas as importâncias são as mesmas. Temos um catálogo grande, ganhamos alguns prêmios, mas não pode existir uma hierarquia de importância. Quero acreditar que uma editora com dois livros em catálogo é tão importante pra saúde da cadeia do livro e da literatura quanto uma editora com dois mil livros. Nesse sentido, também não acho que as pequenas editoras são mais importantes do que as médias ou grandes editoras. Não estou na edição para concorrer ou disputar mercado, reconhecimento, nem nada. A Patuá cresceu muito porque tenho uma vontade, uma urgência, muito grande de dar espaço para novos autores e autoras, então fui abraçando cada vez mais projetos, livros, ideias. E outras pequenas editoras cresceram na mesma proporção, pois o que nos sobra são escritores e escritoras de qualidade que não tinham muitas opções de publicação, por um lado e milhares de leitores e leitoras ansiando por esses livros, por outro. Todas estas pequenas editoras atenderam essa demanda por literaturas (no plural mesmo).

E também, pequenas editoras, editoras independentes, projetos editoriais diferentes, diferenciados, em pequena escala, sempre existiram, nós não inventamos nada – claro que não com a mesma configuração de agora. As novas tecnologias de produção, divulgação e comercialização mudaram a forma de produzir, divulgar, vender e distribuir nossos livros, mas também foi assim em todas as épocas e continua acontecendo. Jovens editores, editoras, já não trabalham da mesma forma que eu pois integram novas tecnologias e modos de produzir. Posso pensar em vários projetos editoriais que começaram muito antes, produzidos de forma independente e são de extrema importância. Só para citar alguns, eu gosto de lembrar do que fez o Massao Ohno com a poesia a partir dos anos 60, publicando jovens poetas estreantes como Claudio Willer, Roberto Piva, entre centenas de outros, além da poeta Hilda Hilst. Também do Cadernos Negros, que se não chegou a ser uma editora – em um sentido estrito e limitante –, editou e edita as antologias por quase 45 anos (e eles continuam esse trabalho), entre os autores publicados nomes como Cuti, Zainne Lima da Silva, Esmeralda Ribeiro, entre centenas de outros importantes autores e autoras.

Mas é clara a importância das pequenas editoras que ocupam espaços que médias e grandes empresas não têm interesse. Nós fazemos muitos projetos que vendem apenas 10, 20, 50, 100 exemplares. E a qualidade de um livro, de um escritor ou escritora, não se mede pela quantidade de livros vendidos, então damos espaço para pessoas muitas vezes com poucos resultados financeiros, mas muitos resultados literários. Como as editoras maiores, com maior estrutura, precisam ter um retorno financeiro para seus projetos (até mesmo para manter a estrutura, pagar seus funcionários etc.), não se arriscam muito editando projetos com número baixo de vendas.

É muito comum que escritores e escritoras reconhecidos, que agora vendem muito bem, tenham começado publicando em pequenas editoras. Posso destacar um autor como o Itamar Vieira Júnior, que editou livros pela editora Mondrongo e, após receber o Prêmio Leya, é o autor do livro mais vendido do país nos últimos anos. Também na Patuá publicamos autores e autoras que estão agora em editoras grandes, com uma estrutura maior.

Mas também as pequenas editoras não podem ou devem ser vistas apenas como um trampolim ou uma porta de entrada para um mercado editorial maior. Nosso trabalho é muito maior e melhor que apenas isso.

As pequenas editoras também anteciparam a necessidade urgente de uma maior diversidade na publicação de literatura brasileira, dando espaço para autores e autoras que não encontravam espaço nas editoras maiores, seja por um potencial de vendas menor, seja por questões que passam por nosso machismo e racismo estruturais.

Também acho que as pequenas editoras têm um papel fundamental na democratização não só da publicação do livro, mas também na divulgação da literatura brasileira e, principalmente, na formação de público leitor.

TGA: Eduardo, você é reconhecido frequentemente como um editor capaz de enxergar muitos novos talentos literários. A que você atribui essa capacidade e como se reflete no trabalho desenvolvido por você na Editora Patuá?

EL: Eu amo literatura e por isso amo conhecer novos autores e autoras. Quero estar sempre atento ao que é produzido, não só no que recebemos, mas leio as revistas literárias que posso, busco comprar e apoiar autores e autoras de outras pequenas editoras independentes, participar de eventos como saraus, bate-papos etc. A literatura ultrapassa nosso próprio mundo, quero estar sempre em diálogo e em movimento.

Acho que a partir dessa observação, de tentar estar “antenado” (se os artistas são a antena da raça, como afirmava Pound, acho que o editor precisa ser uma espécie de antena também), faço minhas escolhas.

O editor precisa captar o que deseja e acha que merece ser publicado (e estas escolhas obedecem tanto a critérios objetivos quanto subjetivos), depois fazer o trabalho braçal, do dia a dia, de fazer nascer um livro e tornar público o que é publicado. A etimologia da palavra editar é bem próxima a dar à luz, colocar pra fora. Hoje, publicar é muito fácil, tornar público ainda é um desafio. Um bom editor não só reconhece um novo autor ou autora de qualidade, mas no seu trabalho do dia a dia consegue tornar público as literaturas desses escritores, é o meu desafio.

Mas é impossível publicar todas as pessoas que nos procuram, nem sempre os autores entendem isso, o que gera algumas insatisfações que me deixam bem triste.

TGA: quanto ao mercado literário, a Editora Patuá trabalha com frequência publicando poesia, que é considerada um gênero de grandes dificuldades comerciais, mas de significativa importância para um catálogo. Como você percebe essa dualidade, se é que ela existe de fato?

EL: Talvez em grandes editoras o romance realmente tenha um apelo comercial maior, mas nas pequenas editoras a poesia, a crônica e o conto vendem tanto quanto o romance. Como disse, a qualidade de um escritor ou escritora e da literatura não deve ser medida pelo número de livros vendidos. Vender livros é bom, tenho alguns livros no catálogo que vendem muito bem, tanto quanto livros de grandes editoras, de ótimos autores e autoras, mas esses autores não são melhores ou piores.

A poesia é importante, muito importante, mas não gosto de enxergá-la como um gênero que nos dá prestígio apenas. Quando o livro é valorizado ele também vende. E é um trabalho do editor junto aos autores buscar o público disposto a valorizar qualquer gênero.

Criei uma teoria de que todos os escritores iniciantes têm três tipos de público. O primeiro é composto pelo círculo íntimo de toda pessoa: amigos, familiares, colegas de trabalho. É um público que não pode ser ignorado, nem desprezado, mas é restrito. O segundo público é o de outros escritores, alguns críticos. Também são pessoas que se interessam por um livro a partir de relações pessoais dos autores (escritores que leem os amigos, que trocam livros etc.). Por fim, há o público em geral, pessoas que não conhecem o escritor, mas que vão se interessar pelo livro, pela literatura que foi escrita. Grandes editoras investem em marketing e divulgação, conseguem legitimação em grandes jornais, com resenhas, prêmios, eventos.

Seja em prosa ou poesia, todos os autores estreantes ou em pequenas editoras estão lutando para conseguir seus leitores.

TGA: Eduardo, a Editora Patuá apenas recentemente começou a publicar livros digitais. Por que a demora para entrar nesse mercado dos e-books? E esse tipo de mercado interessa à Patuá e seu público?

EL: Sobre o livro digital, acho que toda nova tecnologia pode trazer benefícios – pode, nem sempre traz ou não necessariamente traz – e é incrível que as pessoas tenham à mão quase toda a biblioteca da humanidade para leitura, é uma forma de democratizar os livros e a literatura, mas considerando que o número de leitores no Brasil é pequeno (e que precisamos trabalhar para formar leitores) e a maior parte dos brasileiros ainda não possuem um leitor de livros digitais, como o Kindle, o número de livros digitais vendidos ainda é muito baixo. Pesquisas recentes apontam que a venda de livros digitais corresponde algo entre 4% e 6% do faturamento das editoras. Não é algo a se desprezar se o referencial for alto, mas como por aqui vendemos uma média de 50 a 100 exemplares impressos, o custo de produção do e-book (conversão) acaba não sendo pago pela venda de duas a seis cópias digitais do livro, em média.

Acredito que o livro digital vai crescer muito ainda, mas o livro impresso se manterá forte por muitos anos também, só não me arrisco a apostar quantos anos.

TGA: E quanto à vida e realizações profissionais, Eduardo, quais são as grandes alegrias e os maiores obstáculos no trabalho de um editor de livros neste país?

EL: Os obstáculos de um editor não são maiores do que o de qualquer brasileiro. Obstáculo é um trabalhador pegar dois ônibus por três horas por dia seis dias por semana. Obstáculo não, crime. Então eu tenho evitado reclamar da minha profissão, embora reconheça os problemas e saiba as soluções, sei que essas soluções não estão na ordem do dia da nossa sociedade.

Temos problemas, quase todos são problemas estruturais: baixa escolaridade, baixa renda, falta de cultura do livro, falta de incentivo à leitura, falta de livrarias (e condições injustas das livrarias que existem), falta de bibliotecas, preços altos etc. O que podemos fazer é contornar esses obstáculos e fazer os melhores livros possíveis dentro do que é possível (e o que é possível, infelizmente, não é o melhor).

Já as alegrias são várias. Fazer livros é uma alegria, espalhar livros, espalhar literatura, poesia. Ver escritores e escritoras felizes (nem sempre ficam, mas alguns ficam). Ajudar a melhorar nosso país.

TGA: E para terminarmos, como você percebe as possibilidades de futuro para o mercado editorial brasileiro?

EL: Qualquer pessoa que queira falar sobre mercado editorial deve falar obrigatoriamente sobre a necessidade urgente de formação de público leitor, democratização do acesso ao livro, criação de bibliotecas públicas, incentivo às livrarias e editoras, valorização dos profissionais da cadeia do livro (designer, diagramadores, revisores, gráficos etc.) e valorização do escritor, com a criação de bolsas, prêmios, editais, concursos, eventos. Acho que sem uma postura política coerente e preocupada com toda a sociedade, editores ficarão eternamente reclamando das dificuldades que enfrentam, sendo que essas dificuldades só existem por vivermos em um país de descaso – com tudo – e não podemos participar desse descaso.

Os editores, as editoras, as pessoas que amam livros e literatura, devem lutar juntas por uma sociedade melhor, com mais acesso à educação e cultura, com mais livros e nenhuma arma.

Theo Alves

Theo Alves

Theo G. Alves nasceu em dezembro de 1980, em Natal, mas cresceu em Currais Novos e é radicado em Santa Cruz, cidades do interior potiguar. Escritor e fotógrafo, publicou os livros artesanais Loa de Pedra (poesia) e A Casa Miúda (contos), além de ter participado das coletâneas Tamborete (poesia) e Triacanto: Trilogia da Dor e Outras Mazelas. Em 2009 lançou seu Pequeno Manual Prático de Coisas Inúteis (poesia e contos); em 2015, A Máquina de Avessar os Dias (poesia), ambos pela Editora Flor do Sal. Em 2018, através da Editora Moinhos, publicou Doce Azedo Amaro (poesia).

Como fotógrafo, dedica-se em especial à fotografia documental e de rua, tendo participado de exposições que discutiam relações de trabalho e a vida em comunidades das regiões Trairi e Seridó. Também ministra aulas de fotografia digital com aparelhos celulares em projetos de extensão do IFRN, onde é servidor.

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