O samba é a nossa música popular urbana que mais se identifica com o caráter nacional. Está para o Brasil assim como o tango para a Argentina.
Já dizia Noel:
“O samba, a prontidão e outras bossas,
São coisas nossas…são coisas nossas…”
Depois do samba, a marchinha, há muito em declínio, e o baião, com maior prestígio no hinterland. Em terceiro plano: frevo, choro, modinha e maxixe, estes últimos vivendo de nostalgia.
Desnecessário dizer aqui das origens do samba, de suas raízes, predominantemente afro-brasileiras; da famosa casa de Tia Ciata, “onde o samba nasceu”. É assunto por demais sabido. E não cabe neste modesto trabalho de vulgarização.
Indicamos ao leitor não iniciado os seguintes autores: José Ramos Tinhorão (“Pequena História da Música Popular – Da Modinha à Canção de Protesto)”, Vasco Mariz (“A Canção Brasileira”), Almirante (“No Tempo de Noel Rosa”) e Lira Neto (“Uma História do Samba” – I).
Sinal de vitalidade e afirmação, o samba tem vários subgêneros:
- Samba-canção – Lento, sentimental, romântico. Dentro deste o tipo “fossa” ou de “roedeira”, cujo precursor foi Lupicínio Rodrigues, sambista curiosamente gaúcho.
Muitos estudiosos veem neste subgênero influências do bolero e do fox-blue.
- Samba de partido alto – Tradicionalíssimo, parece-nos o de maior pureza, mais próximo às raízes. Clementina de Jesus, uma grande intérprete.
- Samba de breque – Resulta de um modo especial de cantar, com o qual notabilizou-se Moreira da Silva.
- Samba-choro – Uma miscigenação musical, como o nome está dizendo. (“Com fraseado de flauta na voz”, na definição de Vasco Mariz).
- Samba-exaltação – Exemplo mais famoso é “Aquarela do Brasil”, de Ari Barroso. Este subgênero corresponde a determinada época histórica, de ufanismo verde-amarelo, artificialmente provocado. Tempos de Getúlio.
Contemporaneamente, o samba-exaltação se faz sentir, de certa forma, no samba-enredo das Escolas de Samba.
- Samba de carnaval – Alguns dos melhores sambas – verdadeiras obras-primas da MPB – foram sucessos nos carnavais de antigamente. Surgiram quase todos nas décadas de 30 e 40, daí a expressão “Época de Ouro”, com que se designa aquele período.
Havia o samba de carnaval e o samba de meio de ano. Mas, é fato que este último, se era bom, terminava, não raro, sendo sucesso também no carnaval. Por isto torna-se difícil definir-se com precisão um e outro.
Atualmente, não mais se faz samba especialmente para o carnaval, exceto samba-enredo. Mas o samba de carnaval, junto com o de meio de ano, tornou-se patrimônio maior do nosso cancioneiros; é o samba por excelência. Que o digam Chico Buarque de Holanda, Paulinho da Viola e tantos outros compositores e intérpretes, cultores da tradição musical.
Como obras-primas do samba, escolheríamos os seguintes:
Pelo Telefone
Tido e havido como o primeiro samba gravado. É samba meio maxixe. Autoria de Ernesto Santos (Donga) e Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios). Gravação primeira feita na Casa Edison, pela Banda Odeon, em 1917. Na Coleção “Música Popular Brasileira”, da Abril Cultural, reeditou-se a gravação de Baiano, surgida naquele mesmo ano.
Em seu livro “Música Popular Brasileira (Histórias de Sua Gente)”, o pesquisador Renato Vivacqua dedica todo um capítulo à história deste samba.
Gosto Que Me Enrosco
Samba amaxixado de Sinhô (Heitor dos Prazeres reivindicou a autoria), tornou-se grande êxito na voz de Mário Reis. Tal como Jura, outro samba do mesmo autor, em que também se percebe a influência do maxixe.
Se Você Jurar
De Ismael Silva, aparecendo como parceiros Francisco Alves e Nilton Bastos. Interpretação magistral de Mário Reis e Francisco Alves (1931), em dupla.
Da letra vale destacar os seguintes versos:
“Se você jurar
Que me tem amor
Eu posso me regenerar
Mas, se é para fingir, mulher
A orgia, assim, não vou deixar.”
O Orvalho Vem Caindo
Parceria de Noel Rosa com Kid Pepe. Melhor intérprete: Almirante (grav. de 1933)
Letra das mais felizes, com a marca registrada de Noel:
“O orvalho vem caindo
Vai molhar o meu chapéu
(…………)
Tenho passado tão mal!
A minha cama é uma folha de jornal.
Meu cortinado é um vasto céu de anil
E o meu despertador é o guarda civil
(Que o salário ainda não viu…)”
(…………)
Fita Amarela
Música e letra de Noel Rosa. Sucesso no carnaval de 1933.
Em “O Carnaval Carioca Através da Música”, Edigar de Alencar ressalta o contraste da “melodia bem carnavalesca sem consonância com o tema meio macabro”. Trata-se de uma espécie de humor negro.
“Quando eu morrer
Não quero choro nem vela.
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela.
Se existe alma
se há outra encarnação
eu queria que a mulata
sapateasse no meu caixão”
(…………)
Palpite Infeliz
De Noel Rosa (motivado pela polêmica com Wilson Batista). Na voz de Araci de Almeida (1936) e Nelson Gonçalves (1955). Uma das melhores letras de Noel. Versos antológicos. Pérolas:
“Fazer poemas lá na Vila é um brinquedo
Ao som do samba dança até o arvoredo.
(…………)
“A Vila é uma cidade independente
Que tira samba mas não quer tirar patente”
(…………)
Abre a Janela
De Arlindo Marques Junior e Roberto Roberti. Valoriza-o a interpretação de Orlando Silva, grav. de 1938.
“Abre a janela
Formosa mulher
E vem dizer adeus a quem te adora
Apesar de te amar
Como sempre amei
Na hora da orgia eu vou embora”
(…………)
Esse tema – malandragem, machismo – foi uma constante em várias outras composições da época. A palavra “orgia”, hoje em desuso, estava na crista da onda.
Ai, que Saudades da Amélia
Um clássico. Parceria de Ataulfo Alves/Mário Lago. Gravação original: 1941. Melhor intérprete é o próprio Ataulfo. Conta a lamentação de “um pobre rapaz”, cuja companheira, tão vaidosa, “só pensa em luxo e riqueza”, e lhe faz “tanta exigência”; ela não tem comparação com a ex do rapaz, a Amélia.
“Ai, meu Deus! Que saudades da Amélia…
Aquilo sim, é que era mulher”.
Informa David Nasser que estes versos antológicos foram calcados numa frase de Araci de Almeida a respeito de uma empregada doméstica da casa do seu irmão Ari. (“Parceiro da Glória” – 1983 – pág. 41).
Fez Bobagem
De Assis Valente. Gravações de Nara Leão e Araci de Almeira, aquela um tanto apagada, esta esplêndida, definitiva (1942).
A letra não tem lances geniais, mas, no todo, é uma graça de simplicidade:
“Meu moreno fez bobagem
maltratou meu pobre coração
aproveitou a minha ausência
e botou mulher sambando no meu barracão.
(…………)
Deixou que ela passeasse na favela com o meu penhoar
minha sandália de veludo deu a ela para sapatear.
E eu bem longe me acabando
trabalhando pra viver.
Por causa dele dancei rumba e o fox-trote
para inglês ver.”
Como se vê, Assis Valente não perdeu oportunidade de ironizar dois gêneros estrangeiros, invasores da nossa Cultura, gêneros que, diga-se de passagem, faziam naquela época o mesmo papel que o Rock faz hoje em dia.
Atire a Primeira Pedra
Perfeita integração de letra e música. Mais um tento da dupla Ataulfo Alves/Mário Lago (1944).
Sintam a beleza destes versos:
“Covarde sei que me podem chamar
Porque não calo no peito essa dor.
Atire a primeira pedra, ai, ai, ai
Aquele que não sofreu por amor”.
(…………)