Os Festivais da Canção, realizados no eixo Rio-São Paulo especialmente entre 1965 e 1972, em pleno período do Regime Militar e transmitidos pela TV via vídeo tapes para diversas regiões do Brasil, mostraram uma participação maciça do público que torcia apaixonadamente por suas canções favoritas.
Esses festivais devido à grande popularidade e aos brilhantes compositores e intérpretes que surgiam na época influenciaram que aqui em Natal também fossem organizados eventos no mesmo estilo e igualmente com enorme presença e participação do público.
Os nossos festivais eram realizados no Palácio dos Esportes, no Ginásio do SESC, no Teatro Alberto Maranhão e até no Forte dos Reis Magos.
Por aqui, havia forte participação de jovens poetas, alguns deles atrelados às nossas primeiras bandas de rock que representavam a opção de mudança no tradicionalismo da MPB, com guitarras e influência tropicalista.
É nesse contexto de efervescência cultural, mesmo com a censura tentando limitar as coisas, que vamos destacar uma das figuras de maior relevância no cenário vanguardista da nossa capital…
Imagine-se numa roda de amigos, um papo agradável que vara a madrugada e transcende gerações. Dela fazem parte um poeta, um professor, um cantor, um menino, um médico, um compositor, um avô, um ator, um observador, um humorista (que ri de si mesmo), e outros que vêm chegando. Imagine agora que todos esses personagens são uma pessoa só: Ivanildo Cortez.
O livro-CD Pássaro Novo (edição do autor – Natal-RN 2012) revela um pouco do que representa esse natalense, particularmente para a música potiguar e nordestina.
Discreto, Ivanildo não se debruça sobre o seu currículo científico, mas deita e rola quando os temas são os amigos, sua cidade, a epidemiologia, o ensino, a música, os festivais e a boemia. Formado em Medicina pela UFRN, é professor nascido em Natal, 1950, pelas mãos de Alice Fernandes.
Entre amigos, ele revela o que chama de detalhe anatômico: vive sorrindo. Como epidemiologista sua frase preferida é: a vida é uma doença sexualmente transmissível, com coeficiente de mortalidade geral de 100%. Como gente sua frase preferida é: eu não presto, mas eu te amo.
O que dizer de um músico vencedor de festivais que não é músico? De um rapaz, sem pressa para estudar que conquistou o primeiro lugar no vestibular da Área biomédica da UFRN. Isso enquanto servia o Exército como recruta, que, na época, lhe exigia destreza, rapidez e agilidade em atividades físicas intensas.
Petit das Virgens, jornalista e participante do agito pop dos anos 1960-1970, comenta: “Ivanildo foi o maior compositor potiguar dessa época. Fazia parte do conjunto The Funtus. Era uma banda formada por meninos vanguardistas da classe média. Ele tinha uma maneira inusitada de compor suas músicas. Como não tocava qualquer instrumento musical, sentava-se no vaso sanitário e fazia o acompanhamento rítmico com as mãos espalmadas batendo nas pernas como se fosse um instrumento de percussão. Dali sempre saiam composições lindas, criativas e inteligentes. Ganhava todos os festivais”.
Para Ivanildo, “cada música que se cria é um livro de poucas palavras transformadas em melodia”. Assim, ele conquistou concorridos festivais, inclusive o Nordestino de Música Popular em Recife, onde obteve a nota máxima de todos os jurados com a instigante “Quero Talvez uma Nega” em parceria com Napoleão de Paiva.
Em “Mística”, temos inversões musicais criativas baseadas no candomblé, evoluindo para um ritmo frenético num misto de música caribenha com tambores, atabaques e o belo solo na guitarra de Joca no estilo Carlos Santana.
Em 1999 homenageou os 400 anos da cidade com “Natal Querida”, uma das melhores traduções poéticas onde o iluminado compositor convida o ouvinte a “visitar” uma parte da história da nossa capital, captada na voz doce da eclética Silvia Sol: “…E da maneira que recebes / As tuas visitas / Tu ficas com saudade delas / A perder de vista / E na ternura do teu povo / Guardas o segredo da tua magia / Por todos os teus lares / Eu amo você, minha Natal querida”.
Dentre tantas canções com estilos bem variados, diversas com a parceria de Napoleão, ficaram também marcadas: Homo Sapiens, Procurando Alice, Redinha Lenheira, Safra de Fole e Viola, Dar nome aos Bois, Ribeira do Desamor, Pássaro Novo, Pitanga Doce e a belíssima valsa Sopia.