EU PODERIA PASSAR AS NOITES SEM TEU CORPO
À sombra do meu olhar, aniquilado –
um coração maior
me perpassa os dias;
Me orienta para os eus esquecidos
– onde me perdi –
seriam vulvas negras –
manhãs de faces coloridas –
noites minhas –
boemias anoitecidas?
II
Na senda do teu olhar, eu vi manhãs
desprendendo coisas – meus corpos
jogados em camas brancas –
sem lençóis pregados ao colorido das manhãs.
Eu vi teus olhos galopando estrelas –
Eu vi teu corpo se contorcendo sobre as esteiras
de nossas almas –
almas jogadas na lama da vida,
ali, onde o corpo se renovava
no egoísmo comum
do homem que sempre fui,
do homem solitário de Deus,
do homem em meu corpo e só…
III
Eu poderia passar as noites sem teu corpo
– aquela brancura sobre o pano azul das almas
– o beijo jogado ao ar
– os olhos pequenos e singelos
– os cabelos pretos e finos
– a solidão em que me regenero.
Eu poderia passar as noites em teu corpo,
mas o teu corpo,
sozinho,
é apenas um…
– um corpo branco na noite de nostalgia
– um corpo a se contorcer em gozo e alegria.
Agora, teu corpo está em mim como uma lembrança
de uma noite de chuva e trovões
em que nossos corpos –
banhados de nadas –
sufragavam em distrações!
Eu poderia, sim, eu poderia,
passar as noites sem teu corpo,
sem a lembrança de uma manhã na praia fria,
de uma noite em ruas despidas,
de uma carreata e cânticos
sacros em nós.
Passar as noites sem teu corpo nesta cama fria,
prende-me às solidões das coisas,
às claridades em nós!
Eu poderia passar as noites com teu corpo
aqui, ao lado, ternamente…
Com teu corpo no meu – doce presença –
nas manhãs de bons-dias (diferentes).
IV
Existe, no teu corpo, uma essência
De noites e tardes e manhãs;
existe, no teu corpo, uma natureza
perdida em misericórdias infinitas.
O teu corpo é como as mil moradas
em que os homens antigos habitaram.
Teu corpo –
partido ao meio –
é minha divisa
entre a solidão
e a carne fria.
Foi no teu corpo branco onde sonhei
os dias de verões assinalados –
ondas do eu crivado
da bala de mim
noutro qualquer.
Existe, no teu corpo, uma morada –
uma coisa que em mim se diviniza –
algo que em nós nos demoniza!
No alto do teu corpo vejo o espectro
do outro que em nós
se desmorona.
Longe do corpo,
a alma é sombra…
Somente alma
na senda sozinha
do inferno de nós.
a) Há um homem em mim que me desafia
a desfilar no inferno das horas e dos dias.
Um homem a me surgir –
fugaz, efêmero –
homem de si –
apenas sereno.
No meu peito,
este homem
é um inflamado
às portas do inferno
do eu – um maltratado.
No meu peito morreu o primeiro homem –
o homem original de Adão Perdido –
o amante resignado e inibido
pela moral de si ou outro qualquer.
V
Longe do corpo –
meu coração, agora,
é apenas um reflexo
de mim em outro qualquer.
Longe do corpo –
nós –
no singular desprezo,
caminharemos em retas
pelos mundos desconhecidos
de nossas eras.
Há muitos risos lá fora –
uma multidão de pessoas
que nos espera
às portas de uma casa qualquer…
Toda a vida se esvai, assim,
pelas frestas de mim.
VI
Vinhas caminhando
pela senda amarga
e nas noites mais tristes
de minha existência,
entravas pela porta amena
de minha solidão (minha gota d’água).
Aqui, desprendida e sob a cama fria,
acompanhava-me na jornada do não-ser.
Quantas manhãs sobre teu corpo branco!
Entregues a um prazer mais que humano,
sonhei alegorias!
Minha vida toda foi uma ilusão de egos –
um desperdício de infâmias –
uma conjugação, uma estranha
Vontade de Potência e nada mais!
Em teu corpo percorri estradas –
minhas fronteiras
perdidas em horizontes –
minhas vagas!
São tantas distâncias não sabidas –
são tantas fagulhas
do meu eu –
enlouquecidas.
São tantas horas –
meu corpo sobre teu corpo nu –
na sombra que me guia
para além do sentido –
– teu beijo ao sul!
Por que tanta solidão
nesta noite de indizíveis eras?
Por que teu corpo
não me sacia
em meio à angústia
que me encerra?
VII
Eu sei que não mais virás.
Não transporás
os umbrais de minha casa –
longa habitação
(fuga sonhada).