“Hey, Kiddos! Ya wanna a balloon?”
Existem várias formas de degustar cervejas (e essa dica de hoje talvez sirva também para vinhos), maneiras mais ou menos complexas de se degustar que se encaixam com alguns propósitos pré-definidos.
Assim, há formas menos compromissadas, situações que pedem uma session, algo sem muita pompa ou predicados sofisticados. Outras vezes, podem existir degustações temáticas, apenas com IPA’s ou apenas Stouts, ou seguindo algum outro parâmetro como apenas Single Hops com algum lúpulo em específico. Há uma infinidade de possibilidades de se pensar uma degustação temática.
Hoje vamos falar de uma modalidade específica de degustação temática chamada de degustação vertical, e a cerveja escolhida para essa finalidade ilustrativa foi a barrel aged DIPA da cervejaria potiguar HopMundi, a Wynwood.
“Safrando” as cervejas
Para que se faça uma degustação vertical é necessário que se possua uma diferença significativa entre os lotes de uma mesma cerveja a ser degustada. Assim, é comum que se escolha cervejas que usam anos para identificar a “safra” designada. A expectativa com essa metodologia consiste em uma dupla abordagem.
Em primeiro plano, por se tratarem de cervejas barrel aged na maioria dos casos, espera-se avaliar e observar a evolução da integração entre as notas que o barril conferiu à cerveja e se essa integração acabou por se arredondar com o passar do tempo.
Essa mesma premissa vale para cervejas que não são envelhecidas, mas que possuem alguma particularidade na fermentação, e neste caso a levedura é capaz de se mostrar diferente ano a ano. Este é o caso da cerveja trapista Orval, que a cada ano possui uma particularidade em sua fermentação após a sua produção, sendo comum se fazer uma degustação vertical de 5 anos diversos.
Em segundo plano, a degustação vertical tem como objetivo elementar observar diferentes interações de barris de madeiras diferentes ou barris que continham destilados diversos, e que foram usados em “safras” diferentes, conferindo notas e sabores que variam ano a ano. Assim, é possível identificar como uma mesma cerveja base passa por diferentes interações a depender do barril que lhe serviu de guarda em sua maturação.
Uma DIPA Barrel Aged
A cerveja escolhida para a degustação vertical da vez foi a Double India Pale Ale (Double IPA) da cervejaria HopMundi, uma cerveja que já existia desde a época de cervejaria caseira (que na época era maturada com chips embebidos em um famoso Tennessee Whisky que costumam beber misturado com Coca-Cola).
A receita foi aperfeiçoada e integrada ao portfólio profissional da cervejaria, e em novembro de 2019 foi lançada a primeira versão da Wynwood.
Ainda que não nomeada oficialmente de blended ou regular, essa versão passava por um processo de Dry Hopping (adição de lúpulo na etapa fria da produção da cerveja, que tende a conferir um perfil aromático mais intenso) e era “blendada”, adicionava-se uma parte de cerveja não maturada a uma proporção que havia sido envelhecida em barris de carvalho ex-Bourbon (ou seja, barris que anteriormente continham o destilado americano).
A opção por blendar e por fazer o Dry Hopping certamente consistia em dar uma maior drinkability à cerveja, ou seja, torna-la mais acessível, sem notas tão fortes do destilado.
A segunda versão da Wynwood ainda é “safrada” como 2019, ainda que já tenha sido lançada no auge da pandemia do COVID-19 em 2020, e ela recebeu o epíteto de “unblended”, ou seja, diferente da versão anterior, ela continha apenas o líquido previamente maturado nos barris ex-Bourbon, sem misturas.
A apresentação era simplesmente linda, com a arte gravada direto na garrafa e vedada com cera, um espetáculo. Nesse caso, a escolha por não blendar era ter uma cerveja mais próxima de todo o potencial que o barril era capaz de oferecer, um amadeirado mais intenso, um corpo menos intenso, mas notas bem mais marcantes.
A terceira versão profissional da Wynwood foi lançada recentemente e foi “safrada” como 2020. Diferentemente das versões anteriores, não foi envelhecida em barris ex-Bourbon, e sim, em barris ex-Whisky Japonês, uma escolha ousada, exótica, e diferente, que por si só já confere um caráter ímpar a essa cerveja, afinal de contas, não é algo que se vê todo dia, uma cerveja envelhecida em barris que um dia contiveram Whisky Japonês (que por si só já é um destilado incomum de ser encontrado no mercado brasileiro).
Verticicalizando (ou como as cervejas evoluem)
Conseguir realizar uma degustação vertical com as três versões da Wynwood não é apenas um prazer, é um privilégio. A princípio, porque guardar a Wynwood 2019 blended (ou regular) não foi uma das tarefas mais fáceis. Na época ela esgotou um tanto quanto rápido apesar de ter sido a cerveja do clube no mês em questão (novembro de 2019).
Ademais, não se sabia se haveria uma continuidade da série e tampouco poder-se-ia estimar se ela envelheceria bem em um ano, afinal de contas, IPA’s de um modo geral não seguram tão bem por tanto tempo assim, e por ser blendada o risco de que ela não envelhecesse tão bem e oxidasse bastante era alto. De toda forma, ela foi bem conservada e cumpriu seu propósito.
Guardar a versão unblended da Wynwood 2019 também não foi tão fácil porque sua produção foi bem limitada, ainda que algumas garrafas tenham até mesmo sido enviadas para comercialização em São Paulo e Minas Gerais. De toda maneira, era uma cerveja de acesso um tanto quanto limitado.
Com relação à sua durabilidade e resistência, foi um período bem menor que o enfrentado pela versão regular e ela estava bem melhor protegida pelo invólucro de cera (ainda que haja quem diga que isso é apenas “misticismo cervejeiro” e que a cera em nada protege ou influencia em uma menor oxidação).
A versão 2020 ainda se encontra disponível à venda no momento que vos escrevo. Para complementar a degustação, foi inserido um plus, uma dose de um Whisky Japonês Single Malt, o Suntory Yamazaki 12 anos, de tripla maturação em barris de carvalho americano, sendo eles: ex-Bourbon, ex-Sherry (Xerez); e em barris de uma madeira japonesa chamada Mizunara (dizem os críticos que barris de Mizunara confere notas de amargor e ressaltam notas de cevada no whisky).
Wynwood 2019
Ao abrir as três cervejas ao mesmo tempo foi fantástico perceber como cada uma evoluiu de maneira diversa.
A versão 2019 regular manteve um perfil cítrico muito destacado, um corpo um pouco mais volumoso que a sua correlata 2019 (umblended, lançada em 2020), notas amadeiradas muito distantes, e o perfil ex-Bourbon bem contido, poucas notas de baunilha e coco.
No aroma, muito cítrica, com um perfil forte de laranja lima, o barril já pouco prevalece. No sabor, leve coco, maltado mediano, cítrica, tonalidades herbais bem amainadas, resinoso de baixa prevalência. Amargor baixo, corpo mediano.
Wynwood Unblended 2019
Já a Wynwood 2019 unblended teve uma evolução com o barril mais singular, ainda reteve boa parte do amadeirado no aroma, um funky destacado, agregando notas levemente selvagens.
No sabor, um perfil caramelado mais destacado, amadeirado bem prevalente, muito coco e baunilha (se comparada com a outra versão), uma leve acidez, algo bem discreto e bem integrando, com um corpo mais baixo.
Denota-se a partir dessa análise como o barril acabou se integrando bem ao conjunto, e arredondando-se nesse espaço de tempo desde o seu lançamento.
Wynwood 2020
A Wynwood 2020 por sua vez, também é um blend, mas com uma proporção maior de cerveja maturada em barris que a sua correlata de 2019 e sem Dry Hopping.
Por ter sido envasada recentemente, das três analisadas, ela é a que tem notas do barril em maior relevo, amadeirado mais intenso, e notas frutadas em primeiro plano.
Possui um amargor mais intenso também, e um dulçor maltado menos evidenciado, ainda que notas de baunilha e de coco sejam perceptíveis logo de imediato, combinadas com notas de cereais, em um corpo de intensidade médio-baixa.
Degustando-a de modo pareado com o mencionado Suntory Yamazaki 12 anos, percebe-se como o whisky agregou com notas frutadas, de baunilha e de cereais à cerveja, um espetáculo.
A Saideira
Degustações verticais costumam parear várias cervejas, então recomenda-se que elas sejam compartilhadas, sob pena de total incapacidade civil ao final da aventura, afinal, o teor alcoólico se avoluma e a ressaca é iminente.
É um privilégio poder fazer uma degustação como essa de uma cerveja do mais alto nível, que trabalhou de forma singular o envelhecimento nos mais diversos tipos de barril.
Notar a particularidade de cada uma e a sua evolução (afinal, cada uma delas já havia sido degustada anteriormente) é uma tarefa de grande acuidade, vendo também como o barril se integrou em cada um desses conjuntos, um grande esmero cervejeiro.
Música para degustação
Finalizando, a dica musical para uma degustação pareada fica a música “Ressaca sem Fim” da banda Matanza, afinal é provável que esse seja o resultado de uma degustação vertical mais “intensa”.
Saúde!