Jeanne Araújo e a tradição da poesia seridoense

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Seridoense, a poeta e escritora Jeanne Araújo nasceu na terra de grandes nomes da nossa cultura literária como, por exemplo, José Bezerra Gomes, José Gonçalves de Medeiros, Luís Carlos Guimarães, Moacy Cirne e Paulo Bezerra, além de outros nomes, firmados, como Nei Leandro de Castro, Nivaldete Ferreira, Humberto Hermenegildo de Araújo, Valdenides Cabral de Araúo Dias, Muirakitan Kennedy de Macedo, e outros valores que estão traçando sua trajetória literária na atualidade, como por exemplo, os componentes do Casarão da Poesia, em Currais Novos.

Atuando como professora, Jeanne Araújo radicou-se na cidade de Ceará-Mirim, onde se afirmou como escritora e é membro da Academia de Letras e Artes de Ceará-Mirim (Acla), publicou três livros “Monte de Vênus” (poemas), “Corpo Vadio” (poemas) e “Combustão” (romance), este último em parceria com o poeta, escritor e jornalista Cefas Carvalho. Além de ter participação em várias coletâneas e diversas premiações literárias e menções honrosas, como, por exemplo, “Prêmio Luís Carlos Guimarães”, da Fundação José Augusto, “Concurso Zila Mamede”, “Prêmio Othoniel Menezes”, da Funcarte, e várias outras, pelo Brasil.

ENTRE DEDOS…

Tivemos oportunidade de escrever sobre uma dessas coletâneas de que a autora participou, “Entre Dedos…” Jeanne Araújo foi incluída com o conto “A carona”, mostrando sua faceta como ficcionista, na primeira reunião de contos eróticos de escritores nascidos no Rio Grande do Norte, organizada pelo editor e escritor José Correia Neto.

“Entre Dedos…” prova mais uma vez a sintonia literária potiguar, e seu valor estético, em relação ao que tem sido produzido em outras capitais, com bons autores e com sensibilidade artística para tratar de um tema difícil: o erótico na literatura.

Editada pela Caravela Selo Cultural, a obra foi muito bem produzida e organizada, e merece todos os confetes, pois entra, inclusive, para a nossa história literária como a primeira desse tipo no Estado.

“Entre dedos…” tem a participação de outros escritores experientes, além de Jeanne Araújo, dentre eles, João Andrade, Cefas Carvalho, Maria Maria Gomes e Sheyla Azevedo.

Nos contos selecionados tanto do erotismo masculino como do feminino, relatos e fantasias são ingredientes indispensáveis que instigam a imaginação do leitor a mexer com a audição, o olfato, o tato e a visão, mesmo sem a presença física de um dado estímulo. É que as fantasias ligadas à sensualidade e ao erotismo têm o potencial de aumentar o nível de interesse pela leitura.

Em suma, “Entre Dedos…” se serve da descrição detalhista da aventura erótica como pretexto para o derramar-se da mais fina literatura.

CORPO VADIO

Também escrevemos sobre o segundo livro de poemas de Jeanne Araújo, “Corpo Vadio” (Editora Penalux, 2015) para o livro “Os Grãos – Ensaios Sobre Literatura Potiguar Contemporânea” (2016). Do ensaio com o título “A tradição reinventada de Corpo Vadio”, resumimos o trecho a seguir:

Um erotismo sutil, em forma de arte, esta é a principal característica da obra “Corpo Vadio” (Editora Penalux, 2015) da poeta seridoense Jeanne Araújo. A relação que Jeanne estabelece com os modelos poéticos da tradição poderia chamar-se de uma tradição reinventada. Pois a característica mais evidente da sua poesia é o viés erótico, que chegou até a nossa literatura, de maneira mais evidente no final dos anos 70 com Socorro Trindad, Diva Cunha e Marize Castro, mas que ganha novo fôlego e formato com os novos exercícios que se tem feito com a palavra nesse viés, no Estado.

O caráter marcadamente metafórico adquirido pelos poemas de Jeanne Araújo representa uma expansão no alcance da poesia. Muito se tem versado sobre tal temática, nos últimos anos, no Rio Grande do Norte, mas, não com a sutileza que a poeta seridoense expressa.

Alargando as fronteiras do erotismo feminino, o eu lírico utiliza-se de metáforas e sugestões verbais inúmeras. Revela anseios e desejos, num evidente enriquecimento poético-erótico, digno de colocá-la em destaque na poesia do Estado. Observamos que a poeta lançou mão da combinação de elementos que transcendem a simples materialidade linguística e remetem a significações outras, ao mesmo tempo em que cria uma poesia com uma linguagem intensamente erotizada, como vemos no poema a seguir:

Fruto

Em suma
teu sumo doce
fez fruto
na minha árvore genealógica.

Por meio de metáforas, os elementos constitutivos do poema passam por um processo simbólico de significação que une corpo e linguagem, explorando e sugerindo, assim, o erótico na palavra. Escritas, como estas, são capazes de criar novas perspectivas, numa poesia de caráter, também, de militância. Não há como descartá-las na construção do discurso literário feminino e potiguar.

COMBUSTÃO

Sobre o livro de Jeanne Araújo, em parceria com o escritor Cefas Carvalho: é uma espécie de romance epistolar, ou seja, estruturado em forma de cartas trocadas entres os personagens Hilda e Gregório, na linha do clássico “As Relações Perigosas”, de Choderlos de Laclos

Jeanne Araújo participa ativamente da cena literária no Estado, seja escrevendo, ou participando de eventos. Em 2015, estivemos juntos numa campanha que fizemos para ajudar flagelados da seca na cidade de Acari, arrecadando meia tonelada de alimentos para a comunidade ribeirinha, próximo ao açude Gargalheiras.

Jeanne também teve, recentemente, o privilégio de poucos, um poema dela foi lido em público pelo escritor moçambicano Mia Couto em evento no Estado de Pernambuco. A escritora foi recentemente selecionada, com o conto “A mortalha do amor” no “Concurso Literário Toda Forma de Amor”, para histórias curtas com temática LGBTQ+, promovida pela Editora Cartola, de São Paulo.

Abaixo, destacamos alguns trechos da entrevista que fizemos para o livro “Impressões Digitais- Escritores Potiguares Contemporâneos” – V.3 (2015) com a autora.

1-Jeanne Araújo onde você nasceu? Fale-nos um pouco de como foi sua infância e juventude.

Nasci em Acari, no Seridó. Minha infância foi vivida intensamente pelas ruas do Acari, em meio a brincadeiras de roda e tomando banho de chuva e de rio. Estudei no Jardim de infância com Dona Jória e no Grupo Escolar com carteira de dois. Fiz educação física na sombra da matriz. Meu pai era de Jardim do Seridó. Autodidata. Minha mãe era parelhense. De forma que, aos 13 anos, eles voltam a morar em Parelhas e eu passei minha adolescência lá. Minha juventude foi marcada por participações em agremiações escolares e políticas, grupos de jovens religiosos e blocos carnavalescos. Eu participava de tudo. Tinha (e ainda tenho) a ânsia de viver até a última gota.

2-E quais foram suas primeiras leituras literárias?

Li muito quando criança em Acari. Cheguei a ganhar prêmios por ser a criança que mais fez empréstimos de livros na Biblioteca Pública durante um ano. Lia de tudo. De Monteiro Lobato a Vinícius de Morais. Li quase toda a coleção Vaga-lume e muitos outros que, hoje, me fogem à lembrança.

3-Como surgiu especificamente seu interesse pela poesia?

Desde o Jardim de infância eu já era fascinada por poesia. Eu adorava o texto do Pinguim, de Vinícius de Morais. Decoramos para uma apresentação na escola. Depois, no primário, tive professores que trabalhavam muito poesias como produção textual a partir de um poema dado. Mas foi na adolescência que comecei a escrever sistematicamente. E participei de concurso literário na escola no qual fui premiada. Como eu adorava ler e vivia na Biblioteca Municipal, um dia encontrei um Livro de Hilda Hilst e me apaixonei completamente. A partir daí, passei a produzir mais enfaticamente.

4-Fale-nos um pouco da estreia em livro, foi com “Monte de Vênus”? Do que tratam os poemas desse trabalho?

Eu comecei a participar do grupo da SPVA – Sociedade dos Poetas Vivos e Afins, já morando em Natal e comecei a conhecer algumas pessoas ligadas à literatura como Jânia Souza, Carlos Souza, Grilo, Dorinha Timóteo, enfim, e através destes conheci Tácito Costa, Moacy Cirne e Nei Leandro de Castro. Com a participação em concursos literários em Natal e premiações, esse trio começou a insistir que eu lançasse um livro de poemas. Então, tirei os poemas da gaveta, muitos escritos durante minha adolescência e Nei e Moacy fizeram um apanhado do que tinha de melhor juntamente com os poemas premiados. Então lancei Monte de Vênus.

5-Jeanne Araújo, fale-nos um pouco do seu mais recente livro, “Corpo Vadio”. Do que tratam, na maioria os poemas?

No livro tentei abordar o erótico feminino porque ainda hoje vivemos cercadas de opressão, moralismos e tabus quando o assunto é sexualidade, apesar da liberdade e autonomia que temos atualmente. Precisamos quebrar esses tabus através da criação literária e a poesia em si já é um ato de ruptura subjetiva. O erotismo está presente no nosso dia a dia, mas ainda carrega uma pesada carga de estigmas. Ele está intrinsecamente ligado ao mundo feminino: vejo erotismo quando a mulher anda na rua, quando amamenta, lava a louça ou deita na cama, não há como separar isso, como determinar onde começa e onde termina o erotismo na vida de uma mulher. Para mim, o erótico pode ter pornografia ou não, sensualidade ou não. Por isso a criação literária erótica representa um espaço de libertação e emancipação, principalmente feminina, já que sua produção literária é menor e menos divulgada. A arte não pode ser apenas entretenimento, ela tem que provocar reflexão e transformação.

6-Jeanne, o seu processo de criação, como acontece? Poesia para você é inspiração ou transpiração?

Houve um tempo em que eu escrevia quando vinha inspiração. Hoje, acho que a transpiração é mais presente no meu trabalho. Sento e escrevo e reescrevo, até achar que está bom.

7-Quais são suas principais influências literárias?

Muitas. Assim de cabeça, logo me vem à mente Hilda Hilst, Cecília Meirelles e Clarice Lispector.

😯 que você tem lido na atualidade?

Muito de Anaïs Nin, Florbela Espanca, Hemingway e alguns autores como Clotilde Tavares, Bartolomeu Correia, Carmen Vasconcelos e outros autores potiguares.

9-Para você o que significa escrever?

Libertação.

10-Hoje em dia, com a internet e as mídias sociais, o escritor pode chegar mais perto do leitor?

Sim, muito mais perto. Eu mesma divulgo meus textos nas redes sociais com ótima aceitação.

11-Quem é a poetisa Jeanne Araújo?

Uma mulher que nunca deixou de ser menina, uma menina que luta para ser uma grande mulher.

Thiago Gonzaga

Thiago Gonzaga

Pesquisador da literatura potiguar e um amante dos livros.

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