Zila: um rio de poesia

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Zila: um rio de poesia

Rosa
De pedra
Brava
Da roseira
Em flor
Brotou
Zila Mamede
Do arado
De corpo
A corpo
Do poético
Mar
Fez
Exercício da palavra
Desabrochou
Zila
Um rio de poesias.

(Luciano Capistrano)

A poesia de Zila Mamede me chega em uma tarde qualquer dos anos 1980, eu com papai no Sebo Cata-Livros, na rua da Conceição, Cidade Alta, nas proximidades da Praça Padre João Maria. Papai tinha comprado uma caixa com livros e entre eles um de Zila, O ARADO. Sem pretensões, passei algumas tardes na Praça Padre João Maria, lugar onde vendíamos livros do sebo, com umas estantes e utilizando uma mureta de um canteiro que existia na Praça. Fato é que me encantei com a poesia de tanto cheiro de terra e saudades.

Zila e Cascudo. Foto de 1960.

Desde daquele primeiro encontro – um rápido encontro, afinal a finalidade do Sebo era vender os livros, e o Arado, logo, logo criou asas e voou -, passei a procurar a poesia da poetisa nascida em Nova Palmeira, na Paraíba, mas norte-rio-grandense de vida. Nascida em 15 de setembro de 1928 e falecida em Natal, no dia 13 de dezembro de 1985. Uma vida intensa, marcada pelos livros, caminhou nos corredores das bibliotecas e, neste universo da biblioteconomia, deixou uma grande contribuição à produção de conhecimento no Rio Grande do Norte: a Biblioteca Central da UFRN. Hoje Biblioteca Central Zila Mamede.

O jornalista Carlos Lyra, idealizador do Programa Memória Viva, nos deixou um belo depoimento de Zila, um documento vivo sobre essa mulher das letras e ação. Vejamos um fragmento desse belo programa quando em determinado momento, o juiz Alvamar Furtado pede uma referência aos elementos motivadores da poesia de Zila Mamede:

Alvamar Furtado: […] como surgiu a matéria prima da sua poesia?

Zila Mamede: Taí uma pergunta difícil de responder. Acredito que o que vivi em Nova Palmeira e no sertão do Rio Grande do Norte, entre o dia que nasci até os quartoze anos de idade, foi tão forte, tão profundo e tão real, que somente quando publiquei “O Arado” é que eu tive aquela dimensão. Tanto é que o primeiro livro, “Rosa de Pedra”, praticamente não tem nada desse momento. É um livro, digamos, de filho pródigo, e representa muito mais o meu sentimento adolescente e de menina que veio morar na cidade, mas não os momentos iniciais, que só vieram surgir praticamente na maturidade, em “O Arado”. (Memória Viva Zila Mamede. Natal:Sebo Vermelho, 2012, p. 10. Edição Fac-símile)

Zila Mamede publicou os seguintes livros: Rosa de Pedra (1953); Salinas (1958); O Arado (1959); Bibliografia sobre Chico Santeiro (1966); Luís da Câmara Cascudo: um pesquisador (1968); Luís da Câmara Cascudo: cinquenta anos de vida intelectual (1970); Os vários caminhos de Maria Alice Barroso (1974); Exercício da palavra (1975); Navegos (1975); A herança (1984); e Civil geometria: bibliografia crítica e anotada de João Cabral de Melo Neto – 1924/1982 (1987). Uma produção das mais importantes das letras potiguares.

Neste 2019 celebramos os 60 anos do O Arado, livro de poesia editado em 1959, um convite para conhecermos o universo de Zila. Diante de todas as atividades em homenagem a esse clássico da literatura, que a maior seja fazer Zila Mamede chegar às escolas, se fazer conhecida por estudantes de todos os níveis. Assim, desejo um livre voo de O Arado e que pouse nas bibliotecas potiguares:

Arado

Arado cultivadeira
rompe veios, morde chão
Ai uns olhos afiados
rasgando meu coração.

Arado dentes enxadas
lavancando capoeiras
Mil prometimentos, juras
faladas, reverdadeiras?

Arado ara picoteira
sega relha amanhamento,
me desata desse amor
ternura torturamento.

(Zila Mamede)


FOTO: Cícero Oliveira

Luciano Capistrano

Luciano Capistrano

Amante da história urbana de Natal. Uma das alegrias é as caminhadas “dialogadas” entre ruas e becos da cidade de Câmara Cascudo. Atualmente, além da História vivo entre meus pecados poéticos e a fotografia.

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