Viver é um luxo

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Já tivemos tempos – e não é tão longe assim – em que viver permitia a boa parte dos brasileiros alguns pequenos luxos. E o que chamo de “luxo” aqui é o básico ou pouco mais que isso. Refeições dignas, viagens, algum meio de transporte e sonhar, por exemplo, estavam nessa escala dos luxos para quem vivia com tanto sofrimento.

Mas luxos agora são outros.

Nada de tomar banho quente em noites frias ou ter ar-condicionado para sobreviver bem ao infernal calor potiguar. Carro novo também não está nessa lista. Aliás, mais caro que o carro é poder abastecê-lo. Algo como imaginar que um Opala de tanque cheio é mais ostentação que uma Ferrari.

Comer carne agora é luxo. Andar com um carrinho de supermercado cheio ultrapassa o campo do luxo e beira à ostentação descabida, afinal cenoura, batata, feijão, arroz, óleo de soja e farinha também estão custando um rim em boas condições. E para cozinhar tudo isso ainda tem gás de cozinha, que tem sido trocado por pequenos braseiros com frequência cada vez maior nas casas de quem está tentando sobreviver com pouquíssimo.

Por falar em supermercado, pouca coisa pode ser mais frustrante atualmente que passear sofrendo entre as gôndolas cada vez mais cheias de marcas desconhecidas a preços impagáveis. A sensação de que o dinheiro vale cada vez menos se repete toda semana e vamos cortando pequenas coisas até chegarmos às grandes sob o risco de não termos percebido o que fomos deixando fora de nossos carrinhos e cestas de compras nos últimos meses.

As contas básicas assustam mais e mais.

Segundo a Serasa, numa pesquisa realizada até dezembro de 2021 e divulgada agora em março, são 64 milhões de brasileiros com seu nome sujo na praça, o que equivale a uma França de inadimplentes. Quando a pesquisa estende o olhar para as famílias, os números são ainda mais desastrosos: estados como o Rio Grande do Norte e Acre, por exemplo, têm mais de 90% de suas famílias endividadas.

Ou seja, só não está devendo quem está lucrando com a miséria alheia.

O perfil de gastos dos endividados é triste. As pessoas não estão tendo problemas com as contas por causa de viagens mal planejadas ou uma vida de luxos, de festas, de grandes extravagâncias. As dívidas são basicamente com energia, água, moradia e varejo, o que significa dizer alimentação, higiene pessoal e limpeza.

Mas o pior fica pior ainda.

A pesquisa refere-se a dezembro de 2021. Quem vai ao supermercado sabe que a situação piorou e muito. Além dos preços cada vez mais altos, os empregos estão cada vez mais escassos, as remunerações piores e a informalidade levando trabalhadores à miséria remunerada, muito mal remunerada. Tudo isso numa velocidade assustadora.

Viver do básico parece ter se tornado um luxo. Aliás, trabalhar para sobreviver para trabalhar parece a regra. Viver já é muita extravagância.

E agora eu ia sugerir que você lendo esta crônica deixasse isto aqui de lado e fosse tomar um café para desanuviar a cabeça. Mas você já viu quanto está custando o maldito café?

Theo Alves

Theo Alves

Theo G. Alves nasceu em dezembro de 1980, em Natal, mas cresceu em Currais Novos e é radicado em Santa Cruz, cidades do interior potiguar. Escritor e fotógrafo, publicou os livros artesanais Loa de Pedra (poesia) e A Casa Miúda (contos), além de ter participado das coletâneas Tamborete (poesia) e Triacanto: Trilogia da Dor e Outras Mazelas. Em 2009 lançou seu Pequeno Manual Prático de Coisas Inúteis (poesia e contos); em 2015, A Máquina de Avessar os Dias (poesia), ambos pela Editora Flor do Sal. Em 2018, através da Editora Moinhos, publicou Doce Azedo Amaro (poesia).

Como fotógrafo, dedica-se em especial à fotografia documental e de rua, tendo participado de exposições que discutiam relações de trabalho e a vida em comunidades das regiões Trairi e Seridó. Também ministra aulas de fotografia digital com aparelhos celulares em projetos de extensão do IFRN, onde é servidor.

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