Um natalense parceiro de Noel Rosa

Henrique Brito

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Expoente da música popular brasileira, o compositor e violonista Henrique Brito está, completamente, esquecido. É preciso resgatá-lo desse injusto ostracismo.

Para que se avalie sua importância, basta dizer que foi um dos componentes do famoso Bando de Tangarás, ao lado de Noel Rosa, Almirante, João de Barro e Alvinho. Era o melhor instrumentista do grupo.

Henrique Brito nasceu em Natal, no dia 15 de julho de 1908.

Ainda menino, deixou sua cidade para ir morar no Rio de Janeiro, usufruindo de uma bolsa de estudos que lhe arranjara o governador Antônio de Souza. Já então, Brito destacava-se pelo talento invulgar. Sua inclinação pelas artes, ao que tudo indica, era um dom de família. Seu irmão Abner de Brito veio a tornar-se poeta de renome, autor de um soneto – “O Enterro do Pecado” – que fez grande sucesso na província literária. Outro irmão, Pedro Brito, era músico e compositor.

No Rio, Henrique Brito enturmou-se no meio musical, passando a atuar, como violonista, sempre que lhe surgia oportunidade. Aluno do Colégio Batista, ganhou dos colegas o apelido de Violão, depois que o viram solando num violão de uma corda só. Foi lá que conheceu Carlos Alberto Braga, o Braguinha, de quem ficou amigo. Braguinha fazia versos para as melodias de Brito, e ambos, juntamente com outros colegas, formaram o conjunto Flor do Tempo, cuja estreia se deu em julho de 1928.

Em seu livro “Braguinha, yes, nós temos Braguinha”, o pesquisador e musicólogo Jairo Severiano ressalta a presença de um músico como Brito no ambiente do colégio, e diz que ele iria “forçosamente exercer influência em seus companheiros, despertando vocações e incentivando os de maior sensibilidade a também fazerem música”. (1)

No ano de 1929 surge o Bando de Tangarás – desdobramento do Flor do Tempo –, formado por Braguinha (violão e vocal), Brito (violão), Almirante (pandeiro e vocal), Noel Rosa (violão) e Alvinho (violão e vocal). Cada um dos integrantes deveria ter, como pseudônimo, o nome de um passarinho, mas somente o de Braguinha – João de Barro – “pegou”.

Durante quatro anos, o Bando de Tangarás esteve na crista da onda: shows em teatros, cinemas e estações de rádio, além das gravações. Sua importância é reconhecida e proclamada pelos estudiosos da nossa música popular.

Três dos seus integrantes – Noel Rosa, Almirante e João de Barro – alçaram voo daquele ninho para a fama – permitam-me a expressão. Somente Henrique Brito e Alvinho ficaram obscuros. Brito nem sequer teve tempo de desenvolver o seu enorme potencial, pois morreu moço. Tinha 27 anos quando a indesejada das gentes o levou, de repente.

“Era um bom menino, meio avoado, mas era uma ótima pessoa” – disse Braguinha a Jairo Severiano.

Na verdade, era um tipo curiosíssimo.

Vejam este ligeiro perfil constante da excelente biografia de Noel Rosa, de autoria de João Máximo e Carlos Didier:

“Há quem veja nele um gênio. Mas há também quem o considere meio aluado, desconforme, mais para louco do que para gênio. Agitado, falando as coisas pela metade, como uma metralhadora que dispara e de repente enguiça. Intempestivo, estabanado, aéreo. Um bom companheiro, embora impossível de se conhecer bem”. (2)

Em seu livro “No Tempo de Noel Rosa”, Almirante dedica-lhe um capítulo inteiro. Conta histórias interessantes, reveladoras do quanto Henrique Brito era excêntrico.

Certa ocasião, Brito viajava num bonde superlotado, cujas luzes internas incomodavam. De súbito, arrebatou a bengala de alguém e com esta despedaçou uma das luzes, assustando todo mundo.

De outra vez, num passeio com amigos, tendo achado um velho revólver, aparentemente imprestável, brincou de roleta russa; em seguida, apontou a arma para um companheiro, dizendo-lhe, risonho: “Vou matar você”. Para espanto dele próprio e dos circunstantes, o revólver disparou, e o menino morreu na hora.

Episódio, igualmente incrível, ocorreu muitos anos depois, em Los Angeles. Brito integrava o conjunto Brazilian Olympic Band, que se exibiu naquela cidade, por ocasião dos Jogos Olímpicos de 1932. Finda a temporada – diz Almirante – “no momento da partida, sob pretexto de que esquecera o violão num bar das proximidades do cais, Henrique Brito desceu de bordo e não voltou. E por lá ficou cerca de um ano, misteriosamente, burlando a severa lei norte-americana e, mais misteriosamente ainda, mantendo-se em terra estranha, cuja língua nem “arranhava”…”

Adianta o cantor, radialista e musicólogo.

“De volta ao Rio, exibiu o primeiro violão elétrico que se conheceu por aqui, indiscutivelmente uma invenção sua”. (3)

João Máximo e Carlos Didier contestam, em parte, esta informação de Almirante, porém admitem haver sido Henrique Brito quem introduziu o violão elétrico no Brasil. De qualquer modo, é inconteste a relevância histórica de Brito, especialmente em face do prestígio imenso que teve a guitarra – parente do violão –, no mundo musical pós-Beatles.

Ainda a propósito do gênio inventivo do irrequieto músico, sabe-se que ele “tocava também um instrumento de sua invenção, a violata, uma espécie de violão feito com uma lata de querosene”. (4)

Almirante destaca duas composições da “boa quantidade” produzida por Henrique Brito. São elas: “Flor do Tempo”, linda valsa, e “Queixumes”, em parceria com Noel Rosa, gravada por Gastão Formenti, com o título de “Meu Sofrer”. Posteriormente, Carlos Galhardo deu nova interpretação a esta inspiradíssima modinha.

Noel Rosa – Meu Sofrer (Queixumes) (Gastão Formenti) – YouTube

Bando de Tangarás(Noel Rosa,Almirante e Braguinha)-Vamos Fallá do Norte. PIX:

be*****@gm***.com











– YouTube

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(1) “Braguinha, yes, nós temos Braguinha”. Rio de Janeiro: Funarte, 1997. 2ª. Ed., p.20

(2) “Noel Rosa. Uma Biografia”. Brasília: Editora Universidade de Brasília/Linha Gráfica Editora, 1990, p. 103

(3) “No Tempo de Noel Rosa”. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1977, pp. 48 e 49.

(4) Enciclopédia da Música Brasileira. São Paulo: Art Editora, 1977, 1° vol., p.177.

Manoel Onofre Jr.

Manoel Onofre Jr.

Desembargador aposentado, pesquisador e escritor. Autor de “Chão dos Simples”, “Ficcionistas Potiguares”, “Contistas Potiguares” e outros livros. Ocupa a cadeira nº 5 da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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