Segunda de Vagabundo

Segunda de Vagabundo

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Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não

Baden Powell / Vinicius de Moraes

Vinicius de Moraes diz que o bom samba é uma forma de oração. Debinha Ramos e a turma que faz samba no bairro das Rocas, em Natal, tem levado ao pé da letra essa máxima do poetinha que exaltou o mais brasileiro dos gêneros musicais em “Samba da benção”, uma parceria com Baden Powell, que me emociona desde a primeira vez que escutei, ainda na juventude. Parceiro de Vinicius em muitas canções (afro-sambas), Baden é considerado um dos maiores gênios e virtuoses do violão mundial. Mas deixemos de enrolação e vamos falar de samba. Ou melhor, vamos falar do samba das Rocas. Afinal, “um samba quente, harmonioso e buliçoso, mexe com a gente, dá vontade de viver”, como diz a canção de Janet de Almeida interpretada por Roberta Sá.

Depois de alguns convites do meu amigo Robertinho, servidor da UFRN, sindicalista atuante/apaixonado e defensor da educação pública e de qualidade, e de um convite mais recente de Leilson e seu companheiro Cleber, decidi conhecer o projeto Segunda de Vagabundo, uma roda de samba que acontece toda segunda-feira, a partir das 19h, em frente ao Esquina Prime, Bar e Conveniência, no histórico bairro das Rocas, reduto do samba natalense que também se destaca pela tradição nos desfiles de carnaval da cidade. Aliás, o bairro abriga duas grandes escolas de samba da capital: Balanço do Morro e Malandros do Samba. Abriga, também, uma sede do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do RN (IFRN – Campus Rocas), que tem desenvolvido alguns projetos muito importantes para a comunidade, os quais também servem de laboratório para os alunos que ali estudam em cursos de nível técnico e superior.

Voltando ao projeto Segunda de Vagabundo – Eu e essa mania de tergiversar… Semana passada, encontrei Leilson e Cleber na Cervejaria Resistência. Fui assistir a uma roda de samba de Alex Amorim e convidados, que animaram a noite com sambas da melhor qualidade e alguns pagodes que fizeram sucesso na década de 1990. E, para completar, a boa e velha cerveja artesanal que já é tradição da casa. Fui ao evento com minha amiga Monalisa Medeiros, que é muito fã de samba e inclusive já prestigiou algumas rodas de samba no Rio de Janeiro, na Lapa e em Madureira. Eu e Mona experimentamos uma cerveja de açaí. Não sou muito de beber, mas um bom samba sempre pede uma cerveja gelada. Durante o show, os meninos me falaram do samba nas Rocas, que seria o último do ano e tals. Um programa imperdível, pensei. Há tempos eu queria conhecer esse samba. Na Resistência, também encontrei ainda minha amiga Keila Fonseca, atriz e professora de Artes/Teatro do IFRN Campus Rocas. Que alegria foi encontrar aquela menina que conheci ainda no ensino médio do Cefet. Impressionante como ela continua a mesma garota de sempre, com seu jeito simples, sua alegria e seu entusiasmo pela vida. Seu sorriso cativante é daquelas imagens que a gente emoldura no coração. Uma dose extra de alegria foi aquele nosso encontro, devidamente registrado e compartilhado nas redes sociais por ela, nossa foto foi logo enviada aos amigos do Cefet.

Voltemos ao samba das Rocas. A melhor coisa que eu poderia ter feito na última segunda-feira de 2022 era mesmo ter ido conhecer o projeto que já se consolida como uma das tradicionais rodas de samba da capital, que conta com o projeto Quinta que te quero Samba, realizado no centro histórico de Natal, entre outros. Aliás, as mulheres têm se destacado quando o assunto é samba, basta lembrar do projeto Cores do Nosso Samba, capitaneado por Valéria Oliveira, o Mulheres na Roda de Samba Natal, organizado pelo coletivo homônimo, e o Clube do Samba Potiguar, idealizado por Andiara Freitas.

Fui prestigiar o samba das Rocas com minha amiga Samantha Araújo e lá me juntei a outros amigos e conhecidos. A Segunda de Vagabundo já é um projeto cultural consolidado no bairro e atrai gente de todas as idades. Fiquei encantada com a diversidade do público ali presente, mas sobretudo com a alegria daquela gente, alguns com o aspecto cansado do dia de labuta recém-terminado. Gente que deu uma pausa no primeiro dia de trabalho da semana para se reabastecer de boas energias para os dias vindouros. Uma pausa para tomar uma cerveja, conversar com os amigos, degustar um bom petisco. E por falar em petisco, provei uns bolinhos de caranguejo deliciosos servidos no Esquina Prime. Recomendo, de preferência com uma cerveja bem gelada. Vários carrinhos de lanche ofereciam opções diversas no local. Tinha churrasquinho, pizza, açaí.

E não há nada mais democrático que a música. Todos se unem em torno de um bom samba e ali se tornam irmãos. Tornam-se irmãos na alegria e na esperança de construir um mundo melhor, acreditando que “o sol há de brilhar mais uma vez”, como nos ensina Nelson Cavaquinho. Vejo um senhor de muletas, uma jovem cadeirante, pessoas idosas, crianças, jovens, adultos… Moças bonitas requebram ao som irresistível e delirante do samba. Homens alegres entornam copos de cerveja e admiram a beleza das mulheres (e/ou também dos homens, por que não?). Uma festa democrática e multicolorida. Assim é a Segunda de Vagabundo das Rocas.

Outro momento incrível da noite foi a conversa com alguns com alguns moradores do bairro, graças a Robertinho, assíduo frequentador das Rocas, onde joga pelada com alguns amigos. Conversei com Fia e Marcos Angélico, professor de educação física que tem uma pizzaria lá. Agradeço a disponibilidade de ambos para me apresentar o bairro e suas riquezas/tradições. Me senti acolhida, me senti parte da minha cidade, da minha gente. Prometi marcar um dia para saborear uma pizza com Robertinho por lá.

Meu interesse de conhecer o bairro e suas histórias partiu, também, do desejo de ser uma cronista melhor, que conhece mais a sua gente, a sua terra. Uma cronista da cidade, por assim dizer. E por falar em escritor que conhece mais a sua gente, lembrei de Ciro Pedroza, jornalista e publicitário que lançou recentemente a segunda edição de “Uma história das Rocas” (Sebo Vermelho, 2022). O livro é um sucesso!  A primeira edição esgotou em poucos dias. É tão apaixonante ver Ciro falando das Rocas.

Voltei para casa tomada por uma alegria contagiante, um sentimento de pertencimento, na certeza de que a nossa ancestralidade está ali, no meio daquele batuque, daquele canto bonito e rebelde que não pode calar. Na certeza de que as nossas raízes estão ali e delas não podemos nos apartar.

Obrigada, Debinha Ramos e seus parceiros que, sem querer, acabaram criando esse projeto lindo que alegra as segundas-feiras natalenses e nos mostra que a vida é muito mais do que pagar boletos e se preocupar com as questões burocráticas/urgentes de uma rotina por vezes tão sufocante. Aliás, a vida nem sempre é fácil nesse mundo tão desigual, injusto, desumano, violento, cruel, intolerante, racista, homofóbico, transfóbico, misógino; mas também bonito porque temos a arte para nos dar alento, esperança, porque temos o samba para nos lembrar que dias melhores virão.

Que o canto dos Vagabundos das Rocas continue ecoando em nossos corações e sigamos mais leves e inebriados pelo batuque do samba e pela alegria inexplicável que ele provoca em nós. “Fé na vida, fé no homem, fé no que virá!”, como nos ensina o mestre Gonzaguinha com seu canto rasgado e urgente.

Para encerrar a crônica de hoje, com o desejo de voltar para as Rocas o quanto antes, deixo um pouco da “Filosofia” do mestre Noel Rosa:

Não me incomodo que você me diga
Que a sociedade é minha inimiga
Pois cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo

Quanto a você da aristocracia
Que tem dinheiro, mas não compra alegria
Há de viver eternamente sendo escrava dessa gente
Que cultiva hipocrisia

Andreia Braz

Andreia Braz

Escritora e revisora de textos.

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