Ninguém é um cronista de fato se nunca esteve diante do cruel dilema da folha em branco. O papel – eletrônico, metafórico, desde muito tempo – que espera ávido para receber alguma ideia nova, uma tirada genial, um gracejo poético ou uma intenção inútil de mudar o mundo, mas que partilha com o autor em desespero o seu silêncio, a sua inquietude murmurante, as ideias amordaçadas.
Se um cronista nunca se viu obrigado a escrever sobre não ter o que escrever, seu batismo de fogo ainda não se deu e aguarda tranquilamente por ele em alguma esquina tranquila, numa praça cheia de velhos que jogam dominó em plena terça-feira à tarde, num parque onde crianças correm sem a angústia do passado nem a antecipação do futuro.
Você leitor já deve ter percebido que esta é uma dessas crônicas sobre nada, sobre a vida mesquinha de um cronista que tem pouco a dizer por agora. É uma dessas peças pseudoliterárias que valem pouco ao coração do autor, mas que anseiam desesperadamente pelo acolhimento generoso do leitor, se há leitor, que nutrirá por ela algum carinho cheio de piedade e benquerença.
E isto, meus queridos, é uma confissão.
Tenho tanto a dizer, embora nada que mereça ser dito. Hoje, num desses dias sem data em que me ponho a escrever movido pelo desafio da obrigação, não há nada que eu queira dizer, senão que nada tenho a dizer.
Para isso, conto com sua cumplicidade, caro leitor, como quem divide aos pés de um padre os seus pecados com Cristo. Estou dizendo, estou confessando meu desejo por silêncio, por poder escrever uma única palavra que dissesse tudo, que desse conta de todo o universo, em qualquer idioma.
Como Borges, eu também sonho com a palavra impronunciável. Eu sonho em escrevê-la aqui, para você. Eu quero partilhar a palavra tão profunda que nada mais reste a ser dito.
No entanto, você certamente já percebeu: eu não a tenho. Por isso maculo este papel de bytes que Shakespeare e Borges não conheceram, ainda que sob a mesma lua que todos nós testemunhamos, mas que só a eles contou coisas importantes.
Eu não tenho a palavra que desejo, meu caro leitor. Por isso peço desculpas a você por tomar seu tempo com a minha infantil incapacidade de dizer o que há para ser dito, por tomar seu tempo com estas palavras sésseis, de mísera valia.
4 Comments
Muito obrigado por partilhar suas impressões, Luiz. Esse é mesmo um tormento que é parte do ofício. Fico muito grato pela leitura!
Abraço!
…”intenção inútil de mudar o mundo, mas que partilha com o autor em desespero o seu silêncio, a sua inquietude murmurante, as ideias amordaçadas.”
Compartilho com escritor Theo Alves. São momentos angustiates. até tendo o que dizer…mas como dizer, como transpor para o papel e expressar o sentimento, o pensamento de maneira que seja entendido, não abençoado, pois não é a intenção que todos concordem e digam amém.
“E isto, meus queridos, é uma confissão.”
Parabéns Theo Alves.
meu caro gilberto, não há nada maior que o valor da leitura generosa que um leitor traga. e eu agradeço demais a você por isso. abraço!
O que comentar sobre a fala de um eu-lírico que dizendo-se sem assunto acaba nos dizendo tanto? “Nada a declarar”, diz o leitor pego de surpresa, encantado com a sinceridade do escritor e lembrando das palavras de Pinto do Monteiro: “Poeta é aquele que tira de onde não tem e bota onde não cabe”. Isso também é aplicável a um bom cronista.