O lenço bento providencial

lenço bento

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Era dia de celebração: 15 anos da filha da tia. Sendo esta evangélica, realiza-se um Culto em Ação de Graças para a menina que se inicia na vida de moça, deixando a boneca e a infância para trás. Era domingo. Igreja cheia. Luzes fortes nos semblantes. Não havia ar-condicionado, mas alguns ventiladores buscavam soprar o calor para fora do ambiente. Cânticos e louvores são entoados. Lindos, emocionantes!

Os discursos de testemunhos atestam e louvam a dedicação da debutante, a sua obediência aos pais, o seu fervor pela crença ainda na juventude.

Na assembleia, os convidados. Minha amiga-irmã Alice, prima da debutante, em família: sua mãe, irmã, irmãos, esposas e eu. Embora pertencentes a outras crenças, assistíamos a tudo com todo respeito, atenção e regozijo.

Os amigos da família da debutante também confraternizavam. Passam pelo banco onde está a família de Alice e acenam, trocam gestos de saudação, aprovação e sorrisos. Estão felizes por estarmos ali. Uma dessas pessoas, Ilíria, foi ex de um namorado de Alice na adolescência e, embora passados tantos anos, parece que ainda guardava uma vontade secreta de fascinar Alice. Fruto do ciúme jovem, recalcado. Não perdeu a oportunidade. Ilíria deita os dois olhos grandes, vivos sobre o olhar de Alice. Parecia que dois coriscos tinham acertado em cheio seus olhos, que ri meio sem graça. Pronto! Bastou isso. Logo, Alice relata que está com alguma coisa. As luzes lhe incomodam. Sente calafrios, fica com um abrido de boca danado! Da testa, o suor começa a correr. Sente que a barriga parece girar a mil!

Maria, mãe de Alice, percebendo a inquietação, pergunta o que está acontecendo. Alice confidencia que deve estar com mau-olhado, com quebranto, fascínio, e cisma dizendo que tem certeza que foi os olhos grandes de Ilíria que a cumprimentou há pouco.

Momentos de agonia. Alice que diz que a natureza lhe chama e sai apressada em busca do banheiro, que fica nos fundos do terreno da igreja. Sai correndo, pois sente que é uma corredeira. Entra ofegante no toalete, fecha a porta, acende a luz, senta-se rapidamente e, tremendo, faz o que tem de ser feito.

O alívio da depuração é gratificante. Em seguida, tateia à procura do papel higiênico: nada! Talvez esteja em cima da caixa de descarga: negativo! Quem sabe, pendurado no telhado: novamente, nada!

O que era alívio vira agora desespero.

– Meu Deus! Pensa em voz alta. Pede ajuda.

– Alguém? Ninguém.

– Não é possível!

– Aleluia! Ouve-se ao longe.

Está sem a bolsa! Este seria um recurso que poderia salvar-lhe da situação vexatória, pois em sua bolsa sempre tem de tudo.

Suas mãos sôfregas reviram os bolsos e a única coisa que acha é um lenço. Um lenço duplo de pano, branquinho, que tinha sido bento há poucos dias em uma cerimônia.

– E agora? Não vê outra opção. Pede perdão aos céus e passa o lenço nos seus fundamentos escatológicos. Não tinha o que fazer!

Aliviada e desconfiada, volta para a assembleia. Nós ficamos nos entreolhando querendo entender exatamente o que houve. Alice conta à mãe o acontecido e exclama:

– Que olho-gordo maldito, olho de seca-pimenteira, mãe!

– Usou o lenço, foi? A mãe parece não acreditar.

– Sim! Ia fazer o quê?

– Menina, o lenço bento de Padre …?

A essa altura muitos de nós já ríamos.

– O que foi? Pois, saibam que o lenço bento dele foi minha salvação, ora. Perdão, meu Deus!

– Amém! Respondemos em uníssono.

Sandro de Sousa

Sandro de Sousa

Filho de Macau-RN, residente em Natal desde os 5 anos de idade. Licenciado em Letras Português-Inglês (UFRN), Doutor em Letras (UFPB) e advogado.

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1 Comment

  • Wellington Lopes

    Excelente texto!
    👏👏👏👏👏👏

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