O Brasil que queremos

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Hoje precisei sair cedo para resolver uma demanda familiar e às 8h já estava esperando o ônibus que me traria de volta para casa, onde cumpriria minha rotina de trabalho remoto e outras atividades. Enquanto esperava o ônibus, debaixo de um sol escaldante e em pé, fiquei observando as pessoas que iam chegando para esperar seu transporte e seguir para mais um dia de trabalho/estudo. A parada do Natal Shopping está sempre lotada nos horários de pico. É gente que vem da Zona Norte, por exemplo, trabalhar e/ou estudar na Zona Sul. É gente que está indo para a Zona Norte (pegando o ônibus ali, há mais possibilidade de ir sentado).

Vejo muitas pessoas que estão indo ao bairro de Ponta Negra, onde trabalham, por exemplo, em hotéis, pousadas, restaurantes. Trata-se de uma área nobre da cidade onde estão os principais meios de hospedagem, bares, restaurantes, centros de artesanato, espaços sem os quais a cadeia do turismo não existe. Vejo também alguns jovens que vêm estudar e/ou trabalhar na Zona Sul.

Existe apenas um abrigo nessa parada de ônibus. A iluminação é bem precária. Quando chove, é um aperreio. O que nos protege de certa forma é a passarela que liga o Natal Shopping ao Via Direta, que abriga outro ponto de ônibus para quem vai para as zonas Norte e Oeste da cidade. Próximo dali, numa antiga estação de transferência praticamente abandonada, podemos pegar ônibus para os bairros do Alecrim, Centro e Ribeira. Outro lugar marcado pelo descaso do poder público, assim como boa parte da cidade onde circulam diariamente centenas de trabalhadores que precisam pegar ônibus e/ou andar a pé para chegar aos seus destinos. Aliás, andar a pé, um hábito saudável que muito aprecio, é algo que tem se tornado cada vez mais perigoso devido ao risco constante de assalto a qualquer hora do dia ou da noite. E quantos relatos não escuto de amigos que foram assaltados a caminho do trabalho, da universidade ou mesmo em um dia de lazer. Sim, o trabalhador também precisa de lazer, senhores governantes!

Voltemos ao ponto de ônibus do Natal Shopping, onde esperei cerca de meia hora para retornar a minha casa. Dois homens organizam suas banquinhas para vender doces, salgadinhos, biscoito, cigarro e água gelada aos que por ali passam diária ou esporadicamente. Roberto, um desses ambulantes, sabe de cor o ônibus de alguns passageiros. É o meu caso, por exemplo. Sempre que estou voltando da UFRN à noite, ele diz frases do tipo: “o 51 e o 52 já passaram”; “vai demorar pra passar seu ônibus”; “acabou de passar o último ônibus”.

E o povo não para de chegar, tornando o local ainda mais apinhado de transeuntes. Jovens com a farda de Adolescente Aprendiz, outros com o nome do curso universitário estampado na camiseta. Seguem para mais um dia de trabalho/estudo na cidade do sol. Esse foi o caso de um rapaz e uma moça que cursam Farmácia numa universidade particular e conversavam sobre o horário das aulas daquele dia e o tédio de uma certa aula em que sentiam vontade de dormir (caíram na gargalha após essa confissão).

Um transporte alternativo para e o cobrador desce da van e inicia seu rito diário de gritar aos quatro cantos: “Aceita cartão, estudante, dinheiro, pix”. Com um aspecto sofrido, uma pele queimada do sol, acima do peso, uma roupa gasta, aquele homem me fez pensar nos milhares de brasileiros que assim como ele trabalham em condições desumanas somente para garantir o pão de cada dia, que inclusive está cada vez mais caro e difícil de chegar a muitos lares. Aliás, o preço dos alimentos no Brasil tem sido pauta de muitas conversas entre amigos, familiares, mas também entre desconhecidos, principalmente na fila do supermercado. São raras as vezes em que vou ao mercado e não me pego conversando com alguém que está se queixando do preço da cebola, do tomate, por exemplo. Fico de coração partido quando vejo algumas pessoas no caixa com alguns poucos itens na cestinha esperando o atendente dizer o valor total da compra. Com o dinheirinho contado, muitas vezes essas pessoas precisam deixar algum item porque naquele dia não foi suficiente o valor que tinham em casa para as compras.

Não pude deixar de observar uma frase estampada no fardamento de dois rapazes que corriam apressados para não perder o ônibus. Ambos são funcionários da Havan. Ao lado de uma pequena bandeira do Brasil, a seguinte frase: “O Brasil que queremos só depende de nós”. No mesmo ponto de ônibus, um homem se queixa que havia saído de casa às 6h da manhã e não conseguira chegar às 8h no serviço. Detalhe: já eram quase 8h30 e ele ainda esperava a segunda condução para chegar ao trabalho. Será mesmo que o Brasil que queremos só depende de nós?

Voltei para casa pensando naquela frase estampada na camiseta dos funcionários da Havan. Será mesmo que construir um Brasil melhor só depende de nós? Então quer dizer que instalar paradas de ônibus pela cidade, oferecer transporte público de qualidade, garantir a iluminação, a limpeza, a acessibilidade e a segurança das ruas é deve do próprio cidadão? E a responsabilidade do poder público, onde fica?

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CRÉDITO DA FOTO: Alex Régis

Andreia Braz

Andreia Braz

Escritora e revisora de textos.

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1 Comment

  • Fernando Antônio Bezerra de Lima

    É verdade, não se sabe até qndo ou nunca mudará, cidadania, educação de bases, lazer, segurança, cultura, respeito à todos e aos idosos, em nosso país está difícil de se vê. Obg.

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