Croniketa da Burakera #1, por Ruben G Nunes
Campanhas de copa-y-pasión
Sábado-chuva. Natal/RN: Brasil-Esquina: Pirangí-praia: o maior cajueiro do mundo.
Estou bem aqui ao lado desse fantástico belomonstro cajueiro que não para de crescer.
Aqui no chalé nº 9, da APURN (associação dos professas da UFRN).
Coisa de classe-média-ma-rô-menos. Também sou gente, m’ermão.
Esticando o olho a gente vê da varanda uma nesga do mar embaçado pela chuva.
Ônibus de excursão chegam e bufam. Mesmo na chuva turistas coloridos batem pernas como turistas coloridos.
Por sobre a cotidiana solidão-doméstica também estou esticando o olho na solidão-comigo-mesmo e meus caboclos. Ouvindo nas lembruxas dos enroscos o batuque-lê-lê de Iemanjá e Iansã. O doiá!
Aqui junto a esse cajueirão. Aqui. De cara pra esse marmassaplenaprofunda de PirangíPraia.
Convoco os orixás escoceses de JohnnieWalker e eles baixam com tudo.
By appointment to her majesty, the queen – of course…
Segura a barra, mano!
Entro em uiskmeditation.
A solidão invade como um tsunami chucro.
A encanação vai chegando com Charles Aznavour cantando She, cá dentro. Nos cotovêlos.
Nenhuma mulher. Nenhum filho. Nenhum amigo.
Todos longe-perto.
Todos escarafunchando trabalhos, estudos, compromissos, prazos, contas, cansaços, urgências, esquecimentos, stress.
Todos no mundo da ação, diria o velho Dostô.
Todos e cada um destruindo-re-desconstruindo seus próprios muros de liberdade.
Todos na interminável luta pela vida. Sem curtir a vida.
Sem tempo da presença se tornar presença.
Sem tempo dos afetos se abraçar-transbordar como afetos.
Sem tempo de ter tempo
Ou dum chopp amigo. Ou de uma conversa à toa. Ou de uns rolezinhos de alegria e chamêgo.
Todos vivendo desvivências.
Todos viraram zumbis-androides virtuais. Semi-mortos, semi-vivos, cabeça baixa, dedilhando o megacelular, na rua, em casa, no transporte, na cama. Webfluxos de gigabytes rapidinhos.
Ipod ou não-pod? That’s the question, mano.
Enquanto isso, meu camarada, os vários mundos-e-valores que nos formam e configuram vão ficando na distância digital. Vão se-remontando-desmanchando, dentrofora de nós.
Incluso o mundo do Amor e da Amizade, movido a sonhos, que sacode a química humana da VidaViva.
Pra respirar a VidaViva é preciso longe-ficar da VidaMorta. Do espetáculo pelo espetáculo. Do fluxo on-line das aparências estéticas-pirotécnicas-e-porrotécnicas.
É preciso espernear, dançar, uivar, sentir as louquidões dos amores-perdidos-e-achados.
Como as pagodeiras dos deuses-uivantes, soltos nas burakeras do infinito.
É preciso ouvir aqui-agora a música-dos-sonhos, nos tempos, distâncias, solidões.
E dar uns acôchos, nos conformes, da parceirinha de fé, mago-velho.
Quem me olha? Quem te olha?
Quem me abraça? Quem te abraça?
Quem te fala? Quem me fala?
Quem me beija? Quem te beija?
Quem me chucha? Quem te chucha?
Imagens, lembranças, presenças, toques, olhares…
…. éééééé, meu rei, essas-coisas… de escarafunchar almas e xifres…
abro parêntesis de resistência cult-brega. (Insisto que xifres, xifrâncias, e similares, é com “x” mesmo. Tem a ver com o “x” de xanas e ximbas, maldegustadas e mal-amadas. Coisas do humanodrama. Já com “ch” é coisa da galharia dos animais; e dos gramáticos ungidos e mugidos na purificação gramatiqueira) fecho rápido o parêntesis.
O velho García Márquez na sapiência de sua solidão de escritor afirmava: “Morrer é nunca mais estar com os amigos”.
Eu acrescentaria: “nem com os amores”. MorteViva, sem dúvida.
Cadê os amores, suas maravilhosas ternuras e loucuras?
Cadê as amizades, seu acolhedor calor-hermanito?
No regirar dos dias, só há ecos, sombras, esperas.
Nem uma amizade de carne-osso-olhos. Nenhum olhar-abraço amigo.
Nem mesmo um penúltimo tango em Paris.
O que nos resta?
Só as amizades.ponto.com.
E feicebuques bisbilhoteiros e presunçosos: esse divã-pós-freudiano, encharcado de vaidades e vazios.
O que nos resta?
Só as tardesmansas e as musiquinhas-de-cotovêlo tocando lembruxas-and-gamations.
Como é isso, manusho? Então o amor acaba? Ou não acaba? E o amor-amizade?
Não.
Não estou falando do Amor Universal dos Deuses-Uivantes se remexendo, dançando, nos eternos mistérios de suas epifanias, rolando na solidão infinita.
Não estou falando do Amor-Mistério dos Deuses-Uivantes, em gozo de si, criando-re-criando Big-Bangs e Apocalipses-Crau. Nascimentos e assassinatos divinocósmicos em massa.
Também não estou falando dos amorecos urgentes, da ficação pós-moderna, das baladas do kuduro e outros barulhos sonoros.
Tamos falando, meu camaradinha, é dos mega-amores e das hiper-amizades, humanas, demasiado humanas, de cada um com cada um, como diria tio-Nietzsche.
Desses amores e amizades pra valer, engatados por cima de pau e pedra.
Desses que se grudam aqui-além-estrelas e retornam no karma e na cama.
Desses amores-sai-de-baixo em que o DJ-do-cotovêlo ataca de Júrame, boleraço com Luiz Miguel cantando Quiéreme, quiéreme hasta la locura. Ou ainda vem de Amigo de fé, com Roberto e Erasmo cantando Amigo vc é o mais certo das horas incertas…
Ou mesmo, tocando As time goes by, cantada pelo personagem Sam (Dooley Wilson), em Casablanca, encanando todos os desespêros de causa d’amores-achados-e-perdidos: It’s still the same old story/A fight for love and glory/A case of do or die/The world will always welcome lovers/As time goes by…
Tamos falando, chefia, é do amor-gamação que invade alma-coração-sonhos-carne, sem licença, nem perdão, nem arrependimento, nem culpa.
Tão sublime e zen como a ária na 4ª corda de Bach.
Tão safado e agulhado como o lepo-lepo-no-psirico do ziriguidum-no-badabauê.
Ôgunhê mizifio! Xanavá!
Mas e aí? Acabam ou não acabam os Grandes Amores, achados-e-perdidos?
Desligam, desgrudam, tiram férias, dão um tempo, entram em recesso, chifram-se, fazem passeatas,
enferrujam, desmancham, se aposentam, morrem, são mortos, reencarnam – qualé?
Que bala perdida mata o Amor?
Que sonhos revivem o Amor?
Cronista porreta, Paulo Mendes Campos, em sua fantástica crônica O amor acaba, de 1999, diz, numa das mais belas frases da crônica brasileira, que “o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir”.
Seja de ir e vir ou de vir e ir, seja inesperado-esperado, o beijo-d’amor na tardemansa ou na noitevadiaé marca indelével que nem marca de gado.
Que marca anima i cuore – e todos os bagos, bags, airbags e kits carnespirituais.
Provoca transbordamentos d’almas-e-peles. Toques de línguas inesquecíveis. Uma na outra. Outranuma.
E, fica lá pulsando, no infinito de cada um, como as estrelas “a los lejos“, diria Neruda.
Mesmo perdido-acabado, vez em quando, o Amor, como um bumerang-cármico, volta, mergulha, explode, de novo, nas tuas latências afetivas mais profundas. Se recusando acabar. Se desacabando.
Daí, se de repente, sem mais nem menos, você começa a ouvir compulsoriamente pelos cotovêlos Love’s Theme, com Barry White, sai de baixo mané, que o tal do Amor volta com tudo.
Espaçoso, o Amor, se reinstala com mala e cuia.
Não se trata de um simples acabar e pronto. O Amor é malandrinho, nêgo-velho. Te gadunha pelas lembranças dos bons momentos, como canta Nana Caymmi naquela voz de putadivina.
Nocaute técnico, chaparia.
Mestre Paulo Mendes Campos, sabedor dessas manhas dialéticas do amor, e, dando um puxão de orelhas nas interpretações rapidinhas e pessimistas do fim do Amor, adverte no final de sua crônica poemática O Amor acaba: “para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.”.
Daí que o Amor enrabichado, “do legítimo”, só acaba, desacabando.
É arte da eternidade no aqui-agora de cada um.
O GrandeAmor acaba nunca. É que nem super-bond. Gruda pele-alma e contas a pagar.
O diabo é que nem sempre com a mesma pessoa.
Mas aí, marujo-velho, é questão de manter sintonia fina, encaixe nos trinques… e caiação geral, na vertical-horizontal e de bandinha.
Quem já não?